UM EX-"MELHOR AMIGO"
Quem já passou por isso há de concordar comigo. Mais triste que o fim de um namoro é o fim de uma amizade. Um namoro, bem ou mal, já nasce sob a certeza de que um dia acabará. Só mesmo otimistas incorrigíveis - e aqueles com memória curta - são capazes de acreditar realmente que um namoro é pra sempre. No entanto, uma amizade - ao menos aquelas que julgamos verdadeiras - tem sempre aquela aura de eternidade que, quando destruída, é capaz de jogar qualquer um em um abismo de dúvidas e elocubrações pouco agradáveis e muitas vezes assustadoras.
É desagradável perceber, por exemplo, que você dispendeu preciosos anos da sua vida tentanto construir uma relação de confiança e intimidade com alguém que confunde essas palavras com licensiosidade e falta de respeito. Que você suportou bravamente intromissões inaceitáveis em sua vida amorosa, sexual, financeira e familiar de forma unilateral - porque, ao contrário de seu "melhor amigo", você respeitava limites. Não é nem um pouco feliz notar que as risadas que muitas vezes vocês deram juntos não era COM você e sim DE você.
É assustador começar a ter a certeza a cada dia maior de que você era apenas uma pessoa a mais na vida daquele que se dizia seu melhor amigo. Que ele conviveu com você durante anos mas nunca realmente o viu; que ele dormia no quarto ao lado do seu mas mantinha uma distância quilométrica em termos de uma relação real; que ele provavelmente só se sentia em paz e tranquilo quando você estava no centro de um furacão emocional devastador.
Dá um certo medo lembrar de situações em que estava claro com quem você estava lidando, mas que mesmo assim você não prestou atenção a seu sinal de alarme. Coisas que seriam imperdoáveis em outras pessoas mas que, por um motivo ou outro, você considerava passíveis de compreensão nele agora parecem monstros que o perseguem dia e noite. Certas dúvidas tornam-se certezas e você fica com aquela sensação indescritível de que sua importância na vida do seu melhor amigo é a mesma que ele dá a uma roupa que um dia foi linda mas que hoje é apenas isso - uma roupa que você usa no dia-a-dia e à qual não se dá o menor valor agora que perdeu a utilidade.
Você realmente acreditava que pelo menos essa relação seria pra sempre em sua vida. Acreditava que havia dado motivos o bastante para provar sua amizade, mas de repente percebe que tudo foi inútil, insuficiente e vão. Ou melhor ainda - ou pior, dependendo do ponto de vista - que seu "melhor amigo" não tem a força na personalidade que você achava que ele tinha. Aliás, você passa a descobrir que não só ele não tem a personalidade forte que você julgava que ele tinha - ele também sabe ser grosseiro, injusto, ingrato e transmitir uma imagem de vítima que sempre o acusou de ter. Vai confiar em alguém mais depois de tudo isso?
Sim, romances quando acabam fazem aflorar nos amantes lados que nem mesmo eles se saberiam possuidores - e eu não sou diferente, tenho pena da vítima dos meus ataques pós-rompimento (I love you, by the way) - mas descontar pés-na-bunda nas pessoas que em tese poderiam lhe ajudar a superar o trauma não me soa honesto nem tampouco inteligente. Cada um lida de um jeito com a dor da perda, mas fingir uma alegria oca não me parece uma tática válida, assim como não o é tentar consertar erros cometendo outros ainda maiores. Amores vem e vão, amizades são mais raras - mas isso, pelo jeito, não importa tanto assim para certas pessoas.
Sim, estou órfão de um melhor amigo. Talvez mesmo nunca o tenha tido, porque um melhor amigo não se sente feliz em lhe botar pra baixo, em fazer piadas a seu respeito ou não ter o menor respeito pelos seus sentimentos. E, principalmente, um melhor amigo não abandona uma amizade por motivos ridículos sem nem ao menos conversar sobre eles. Talvez todos esses anos o meu melhor amigo tenha sido imaginário...