Quem conhece o cinema do australiano Baz Luhrmann sabe exatamente o que esperar de sua adaptação do clássico americano "O grande Gatsby", de F. Scott Fitzgerald. Deixando de lado a suntuosidade discreta e fleumática da versão de Jack Clayton, lançada em 1974 e estrelada por Robert Redford e Mia Farrow - e vencedora do Oscar de figurino - o homem que deu ao mundo obras que são um louvor incontestável ao kitsch, como "Vem dançar comigo" e "Moulin Rouge", reitera seu ponto de vista estético ao compor uma sinfonia de cores e opulência que, ao contrário do que se poderia esperar, casa-se perfeitamente com a história do romance de Fitzgerald. Se o filme de Clayton é considerado quase unanimemente chato pela crítica e pelo público por seguir fielmente o livro, a obra de Luhrmann irradia luz, calor e paixão na medida certa - ainda que, como sempre acontece com seus trabalhos, carregue nas tintas em seu começo, para somente depois envolver a plateia na história.
Tendo em vista seu currículo - onde o luxo e a efervescência cultural são ingredientes indispensáveis - é quase impossível pensar em outro diretor mais capaz do que Luhrmann de traduzir em imagens as palavras clássicas do homem que é também o criador do inesquecível Benjamin Button. Fotografada com precisão pelo neozelandês Simon Duggan, a recriação da Long Island dos anos 20 é perfeita em sua concepção: a ideia do diretor e de seus fieis colaboradores (entre eles a sua mulher, Catherine Martin, responsável pelo desenho de produção e pelos figurinos) não é ser fiel à realidade, e sim, às memórias de quem narra a estória, no caso, o escritor Nick Carraway (vivido com a habitual falta de entusiasmo por Tobey Maguire). Com sua visão de literato, Carraway não deixa de misturar ao real uma pitada bastante grande de poesia e ludicidade. Os olhos da audiência são os olhos de Carraway, e essa liberdade de ponto de vista é que transforma "O grande Gatbsy" via Luhrmann em, mais do que uma história de amor, um espetáculo de forma, cor e o sempre bem-vindo anacronismo musical que faz a delícia de seus fãs.
Se em "Moulin Rouge" o cineasta contou uma história passada no final do século XIX utilizando como trilha sonora nomes tão aparentemente incongruentes como Madonna, Nirvana, Paul McCartney e David Bowie, dessa vez ele conta com Beyoncé, Lana Del Rey e Florence Welch como moldura para suas insanidades visuais. Porém, aqui a música não é o prato principal, e sim um acompanhamento de luxo a uma trama de amor desesperado, contada com a sensibilidade e o ritmo do século XXI. Para tal, Luhrmann volta a contar com Leonardo DiCaprio, a quem ajudou a transformar em ídolo adolescente em 1996, com sua versão psicodélica de "Romeu e Julieta". DiCaprio - ainda tentando livrar-se da eterna imagem juvenil - vive a personagem-título, Jay Gatsby, um milionário conhecido por oferecer festas gigantescas em sua mansão em Long Island e que desperta a curiosidade de seu jovem vizinho, um aspirante a escritor que se vê envolvido no mundo alucinante e festivo dos anos 20. Não demora muito, porém, para que as razões que levam Gatsby a ser o anfitrião mais conhecido das redondezas sejam conhecidas: apaixonado por uma antiga namorada, ele vê nessa vida de pompa e circunstância a oportunidade de reencontrá-la. O escritor não demora também a descobrir que tal namorada é sua prima, a bela Daisy Buchanam (Carey Mulligan), casada com o infiel e pouco dado a delicadezas Tom (Joel Edgerton). O triângulo amoroso, potencializado pelo caráter violento de Tom e pela impossibilidade de Daisy em abdicar de sua vida familiar, acaba banhando o belo litoral em sangue e lágrimas (sempre iluminados com um capricho arrebatador).
Se Leonardo DiCaprio não consegue fazer de seu Jay Gatsby uma figura potente e carismática a ponto de justificar o título do filme - chegando a ser irritante em alguns importantes momentos - e Tobey Maguire nunca ultrapassa o seu nível tradicional de interpretação, é inegável que Baz Luhrmann tem em mãos dois trunfos absolutos em termos dramáticos: Carey Mulligan e Joel Edgerton. O ator - que esteve em filmes elogiados como "Reino animal" e "Guerreiro", mas ainda não teve o devido reconhecimento - encontra o tom perfeito para seu Buchanan, roubando todas as cenas em que aparece. E Mulligan - que dispensa maiores comentários - cria uma Daisy etérea, delicada e frágil na medida certa, valorizada pelo figurino impecável e por seu talento imenso. Se o visual acachapante criado por Luhrmann é o corpo de "O grande Gatsby", Carey é sua alma.
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