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LINCOLN
Posted by Clenio
on
05:55
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CINEMA 2013
Se hoje os EUA tem um presidente negro, muito se deve agradecer à Abraham Lincoln, que, em 1865, às vésperas do final da Guerra de Secessão (confronto entre o Sul escravagista e o Norte abolicionista), usou de todo o seu poder de persuasão - e mais alguns outros talentos políticos - para fazer com que fosse aprovada a 13ª Emenda, que abolia a escravatura em todo o território norte-americano. Um dos mais respeitados e admirados comandantes da história da nação, é ele o protagonista do filme que tem tudo para dar ao cineasta Steven Spielberg seu terceiro Oscar de diretor. Indicado a doze estatuetas - e favorito em boa parte das categorias - "Lincoln" vem sendo unanimente elogiado e louvado especialmente pela crítica ianque, que vê nele todas as qualidades que deram a Spielberg o prestígio que ele tem na indústria do cinema. É impossível não perceber nessas loas todas, porém, uma generosa dose de ufanismo. Esplendidamente produzido, o filme estrelado por um impecável Daniel Day-Lewis (também em vias de ganhar um terceiro Oscar) é irrepreensível em termos visuais e técnicos, mas esbarra em um sério problema: quem não tem um vasto conhecimento da História dos EUA é bem capaz de ficar perdido diante de tantos nomes e detalhes que desfilam pelo roteiro de Tony Kushner.
Entre os inúmeros acertos de "Lincoln" está, sem dúvida, a opção de Spielberg em recriar apenas um período crucial na vida do presidente, ao invés de contar toda a sua vida. Focando-se nos meses em que a campanha pela 13ª Emenda estava a todo vapor, o roteiro pode também se dedicar a algumas personagens secundárias interessantes e dramaticamente bem construídas, como é o caso da primeira-dama Mary Todd (uma Sally Field mais velha do que a personagem, que lhe dá todas as chances de uma atuação que beira o melodrama e lhe rendeu uma fortíssima indicação ao Oscar de coadjuvante) e do político Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones, também com boas chances de levar um prêmio da Academia): Mary Todd tem que lidar com a perda de um filho e as possibilidades de ver outro (Joseph Gordon-Levitt) embarcando para a guerra, além de uma doença nervosa que a acompanha há anos e Stevens é um abolicionista com boas razões para tal (reveladas no final do filme de forma delicada e surpreendente). O roteiro também não se furta a apresentar várias e longas cenas em que a Emenda é amplamente discutida, assim como as táticas para que ela seja aprovada. São cenas bem dirigidas e bem interpretadas, mas que carecem do ritmo que o cineasta sempre imprimiu a seus trabalhos anteriores. São nessas cenas, por exemplo, que outros brilhantes atores dão seu show, como é o caso de Hal Holbrook, David Strathairn, John Hawkes e James Spader, todos pontuando o espetáculo que é a interpretação de Daniel Day-Lewis.
Assumindo um papel que hesitou por um bom tempo em aceitar, Day-Lewis entrega à plateia uma assombrosa atuação, que incorpora o gestual, a voz e até mesmo a personalidade carismática e simples do presidente Lincoln, um homem que tinha como seu maior trunfo o dom das palavras e a gigantesca empatia que lhe garantiu um segundo mandato, encerrado tragicamente com seu assassinato em um teatro pouco depois da votação da Emenda - sequência que Spielberg prefere não explorar em demasia, como prova de sua maturidade e sobriedade. Aliás, são justamente essas qualidades que fazem com que o filme sofra de um mal que muitos críticos não citaram: ao optar por uma narrativa séria e adulta, o cineasta abdica de uma característica essencial de sua obra pregressa - a emoção - e entrega um filme belissimamente dirigido, mas que prescinde de uma empatia maior com uma audiência que não veja em seu protagonista o superhumano visto por seus conterrâneos. Para quem não é norte-americano, a história de Lincoln - mesmo que sua luta pelos direitos de igualdade entre negros e brancos seja parte essencial da história da humanidade como um todo - não é tão emocionante, ficando quase ofuscada pela fotografia deslumbrante de Janusz Kaminski e pela reconstituição de época irretocável.
Sendo um filme americano feito para americanos sobre um grande americano, "Lincoln" é, sem dúvida, o grande favorito ao Oscar, que, por mais cosmopolita que tente parecer, ainda é um prêmio da indústria americana. Não é o melhor entre os indicados, mas sua vitória seria no mínimo coerente.
Entre os inúmeros acertos de "Lincoln" está, sem dúvida, a opção de Spielberg em recriar apenas um período crucial na vida do presidente, ao invés de contar toda a sua vida. Focando-se nos meses em que a campanha pela 13ª Emenda estava a todo vapor, o roteiro pode também se dedicar a algumas personagens secundárias interessantes e dramaticamente bem construídas, como é o caso da primeira-dama Mary Todd (uma Sally Field mais velha do que a personagem, que lhe dá todas as chances de uma atuação que beira o melodrama e lhe rendeu uma fortíssima indicação ao Oscar de coadjuvante) e do político Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones, também com boas chances de levar um prêmio da Academia): Mary Todd tem que lidar com a perda de um filho e as possibilidades de ver outro (Joseph Gordon-Levitt) embarcando para a guerra, além de uma doença nervosa que a acompanha há anos e Stevens é um abolicionista com boas razões para tal (reveladas no final do filme de forma delicada e surpreendente). O roteiro também não se furta a apresentar várias e longas cenas em que a Emenda é amplamente discutida, assim como as táticas para que ela seja aprovada. São cenas bem dirigidas e bem interpretadas, mas que carecem do ritmo que o cineasta sempre imprimiu a seus trabalhos anteriores. São nessas cenas, por exemplo, que outros brilhantes atores dão seu show, como é o caso de Hal Holbrook, David Strathairn, John Hawkes e James Spader, todos pontuando o espetáculo que é a interpretação de Daniel Day-Lewis.
Assumindo um papel que hesitou por um bom tempo em aceitar, Day-Lewis entrega à plateia uma assombrosa atuação, que incorpora o gestual, a voz e até mesmo a personalidade carismática e simples do presidente Lincoln, um homem que tinha como seu maior trunfo o dom das palavras e a gigantesca empatia que lhe garantiu um segundo mandato, encerrado tragicamente com seu assassinato em um teatro pouco depois da votação da Emenda - sequência que Spielberg prefere não explorar em demasia, como prova de sua maturidade e sobriedade. Aliás, são justamente essas qualidades que fazem com que o filme sofra de um mal que muitos críticos não citaram: ao optar por uma narrativa séria e adulta, o cineasta abdica de uma característica essencial de sua obra pregressa - a emoção - e entrega um filme belissimamente dirigido, mas que prescinde de uma empatia maior com uma audiência que não veja em seu protagonista o superhumano visto por seus conterrâneos. Para quem não é norte-americano, a história de Lincoln - mesmo que sua luta pelos direitos de igualdade entre negros e brancos seja parte essencial da história da humanidade como um todo - não é tão emocionante, ficando quase ofuscada pela fotografia deslumbrante de Janusz Kaminski e pela reconstituição de época irretocável.
Sendo um filme americano feito para americanos sobre um grande americano, "Lincoln" é, sem dúvida, o grande favorito ao Oscar, que, por mais cosmopolita que tente parecer, ainda é um prêmio da indústria americana. Não é o melhor entre os indicados, mas sua vitória seria no mínimo coerente.