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AMORES CINEMATOGRÁFICOS

Posted by Clenio on 18:03 in
Em 1987, ela se apaixonou por um menino única e exclusivamente porque ele era o único da turma que entendia os sentimentos e as roupas da Molly Ringwald em "A garota de rosa-shocking" - e porque gravou para ela uma fita com a música do OMD que tocava no baile de formatura do filme. O namoro acabou quando ela percebeu que ele entendia DEMAIS os sentimentos e as roupas da Molly Ringwald e quando encontrou no guarda-roupa dele um poster do Rob Lowe e um LP da Madonna.

Em 1987, ele caiu de amores (tesão ainda era uma palavra de pouco uso na sua idade e geração) por uma garota que era idêntica à atriz gatinha de "Namorada de aluguel". Mas o amor/paixão/tesão/interesse era compartilhado por todos aqueles que pertenciam ao sexo masculino na escola - inclusive pelo professor de Educação Física que dava em cima de todas as alunas. Não deu em nada.

Em 1988, para não reincidir no erro de julgamento, ela certificou-se se seu novo namorado estava ou não torcendo pela Cher para o Oscar de melhor atriz. Aliviada com a negativa, ela notou que havia uma espécie de insanidade na forma como ele se referia à Glenn Close por causa de "Atração fatal": vagabunda, puta, recalcada eram os termos mais suaves. Algo lhe disse que ele não era um bom partido, e ela pulou fora bem a tempo de fugir de um psicopata que anos depois matou a namorada a facadas porque ela aceitou carona na moto de um primo metido a galã - e ela não deixou de lembrar dele quando, no futuro, reviu "Sid & Nancy, o amor mata".

Em 1990, ele estava apaixonado por uma fã de Tom Cruise. Tudo bem, qual garota não o era naquela época? Mas o amor acabou - o dele por ela e o dela pelo Tom - quando ambos assistiram a "Nascido em 4 de julho": ela achou que ele estava horroroso naquela cadeira de rodas e fez questão de deixar claro que jamais - JA-MAIS! - cuidaria de alguém que ficasse paraplégico. Ele não tinha a menor intenção de deixar que isso acontecesse com ele, mas imaginou um futuro distópico onde ele dependeria de uma mulher como ela e o namoro morreu como os vietnamitas do filme do Oliver Stone.

Em 1992, no apogeu dos hormônios adolescentes e das ideias feministas, ela achou que homens não serviam para nada além de abrir potes e decidiu-se tornar-se lésbica. Engatou um namoro com uma sapata mais experiente que a iniciou nos meandros do sexo gay - e dos filmes temáticos. Começou timidamente, com "A cor púrpura" e "Tomates verdes fritos", passou por produções independentes suecas e turcas e chegou ao limite com um pornô chamado "Quando os homens não existiam" - quando uma anã vestida de aranha caranguejeira surgiu na tela como metáfora de vagina ela percebeu que seu negócio era realmente a heterossexualidade - por mais decepcionantes que seus representantes pudessem vir a ser no futuro. Sua ex-namorada lésbica escreveu um furioso manifesto sobre sua covardia pequeno-burguesa em um fanzine GLS e até hoje cospe no chão quando passa por ela. Ana Carolina recusou-se a gravar uma composição sua por achar agressiva demais.

Em 1993 ele descobriu Quentin Tarantino e encantou-se por uma bela americana que sabia de cor todos os diálogos de "Cães de aluguel" e "Amor à queima-roupa" - inclusive aqueles que ficaram de fora da edição final. O amor durou por alguns anos - atravessou a febre "Pulp fiction" em 1995 - mas acabou quando ela teve a coragem - e a cara de pau, segundo ele mesmo - de chamar "Jackie Brown" de um "Tarantino menor". Durante a discussão final, o tiro de misericórdia foi quando ela declarou que Martin Scorsese estava ultrapassado e ficando gagá ao fazer um filme sobre budismo e que "Los Angeles, cidade proibida" era um filmeco repleto de clichês. A máscara da garota caiu de vez quando ele descobriu - através de investigações posteriores e a descoberta de um diário secreto tipo Laura Palmer - que ela havia assistido a "Titanic" dezenove vezes e chorado em todas. Incoerente da porra! Quem mandou confiar em gente que come bacon no café da manhã?

Em 2002, ela descobriu David Lynch e ficou fascinada com seus primeiros filmes e com um professor de Semiótica que a ensinou a decifrar suas metáforas - e a encontrar seu ponto G. Entre sessões contínuas de sexo avassalador, "O homem elefante" e "Veludo azul", ela largou família, amigos, faculdade e emprego para dedicar-se à busca pelo sentido da vida através dos signos e significados. Durou uns bons seis meses, até que ela cansou de tentar entender a dança do anão em "Twin Peaks" e em uma conversa pós-coito, descobrir que o professor era casado e, pior do que tudo, não tinha achado "Cidade dos sonhos" tudo aquilo.

Em 2004, os dois quase se encontraram na mesma sessão de cinema. Ambos solteiros, ambos sozinhos, ambos mais experientes, encararam "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" com o coração apertado e a certeza de nunca terem amado ninguém de verdade. Saíram do cinema aos prantos e dotados de uma carência inenarrável. Ela caiu nos braços de um crítico de cinema que só gostava de filmes anteriores à década de 50 (nem Hitchcock e Billy Wilder ele perdoava) e ele arrumou consolo com uma feroz anti-Hollywood que só via sentido em filmes realizados em países sem água potável. Nenhum dos relacionamentos deu certo, por motivos mais que óbvios.

Em 2006, eles se encontraram em uma festa. Apresentados por amigos em comum - "vocês dois adoram cinema, vão ter muito assunto!" - passaram a noite toda falando em Woody Allen: o homem e a obra. Ela achava que ele tinha culpa no cartório nas acusações de pedofilia, ele tinha a mais absoluta certeza de que tudo era invenção da passivo-agressiva da Mia Farrow, que casou com o diabo em "O bebê de Rosemary" e nunca mais separou. Os dois, no entanto, concordavam que "Match point" era genial, que Allen era um cineasta brilhante e que "A rosa púrpura do Cairo" era uma das maiores obras-primas do cinema americano de todos os tempos. O brilho nos olhos de cada um fez com que os amigos apostassem em casamento. Erraram.

Não demorou muito para que, tanto ele quanto ela, realmente se casassem. Com outras pessoas. A "noite Woody Allen" ficou apenas na memória de ambos, que nunca mais se encontraram. Ele desistiu de tentar ser crítico de cinema e casou com uma eterna estudante de Psicologia cujos filmes preferidos são "A vida é bela" e "O discurso do rei". Ela ficou grávida sem querer de um colega da academia que passa os sábados assistindo ao Supercine - principalmente quando tem filme com o Nicolas Cage ou o Jason Statham.

De vez em quando eles fogem e se escondem em uma sala de cinema. Ano passado quase se cruzaram em uma sessão de "Alabama Monroe", mas os óculos escuros que usavam para esconder as lágrimas os impediram de se ver.

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2 Comments


Ahhhhhh, que bonitinho! Adorei. Imaginei como se fosse um filme. Engraçado que eu lembro vagamente de algo assim... será que tu tinha lido uma parte pra mim ou tinha comentado alguma vez que queria escrever algo assim? É meio triste, mas no ponto certo. Ahhh, adorei mesmo!

zukm.t
ppb
bjooooo


Muito lindo! Também. Imaginei um filme. Texto muito bom!! :*

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