O JOGO DA IMITAÇÃO
Dirigido pelo norueguês Morten Tyldum - que está merecidamente entre os indicados ao Oscar de sua categoria neste ano tão repleto de injustiças cometidas pela Academia - "O jogo da imitação" é brilhante por pelo menos duas razões. Primeiro, porque não levanta a bandeira da homossexualidade para vender ingressos, preferindo deixar a vida pessoal de seu protagonista vir à tona aos poucos, quase com uma subtrama que se desvenda magistralmente no ato final, dando sentido e um toque emocional precioso à narrativa (mérito também do roteiro de Graham Moore). E segundo porque apresenta uma das atuações mais viscerais do ano: na pele de Turing, o ator Benedict Cumberbatch mostra porque tornou-se, de dois anos pra cá, um dos intérpretes mais requisitados de Hollywood. Caminhando na tênue linha que separa o grotesco do sublime, ele constroi um protagonista que, a despeito de suas características quase clichês (é antissocial, é excêntrico, é um tanto arrogante), conquista a simpatia do público sem precisar apelar para a compaixão - até as explosivas sequências finais onde revela seu lado apaixonado e desmancha o coração de qualquer ser humano dotado de alma.
Baseado em um livro de Andrew Hodges, "O jogo da imitação" é, também, um fascinante passeio pelos bastidores da II Guerra menos retratados pelo cinema, bem mais afeito à batalhas sangrentas do que a lutas intelectuais. Sem deixar que as complicadas equações e códigos decifrados por Turing sejam empecilho para a compreensão da história, o roteiro busca concentrar-se na relação do protagonista com seus colegas de missão - também importantes para o desfecho do conflito - e com seu passado, contado através de flashbacks inseridos nos momentos corretos: ao contrário do que acontece com outros filmes que abusam do recurso, atrapalhando o ritmo com desnecessárias interrupções, a edição do veterano William Goldenberg é certeira, trabalhando em conjunto para desenhar o belíssimo produto final, assim como a impecável reconstituição de época e a trilha sonora inspirada de Alexandre Desplat. A direção de Tyldum é tão firme, aliás, que até mesmo Keira Knightley está bem em cena, deixando de lado suas caras e bocas costumeiras - ser indicada como coadjuvante talvez seja mais reflexo de um ano fraco na categoria do que da excelência de seu trabalho, mas ela está decididamente contida e convincente.
Mas, sem dúvida nenhuma, o maior valor de "O jogo da imitação" é a força que imprime em seus minutos finais, quando fica claro à plateia o quanto a humanidade ainda precisa caminhar para se tornar digna de ser assim chamada. Saber que foi um homossexual um dos maiores responsáveis pelo fim de um período de terror no mundo, e que foi ele quem salvou milhares de vidas talvez - talvez, já que não dá para pedir razão a seres desprovidos dela - pudesse mudar o modo como muita coisa é vista e percebida ainda hoje, sete décadas depois do fim do conflito. E muito disso se deve à corajosa atuação de Benedict Cumberbatch. Seu trabalho irretocável enfrenta concorrência ferrenha no Oscar deste ano, principalmente de Eddie Redmayne em "A teoria de tudo" e Michael Keaton em "Birdman", ambos excelentes em seus filmes. Mas arrepios de emoção somente ele conseguiu me causar até agora.