1
FAZENDO UM CURRÍCULO - UMA HISTÓRIA QUASE SURREAL. QUASE.
Posted by Clenio
on
22:27
in
FICÇÕES
LUIZA: Como não é suficiente, Fernando? O que mais você quer que eu coloque nesse currículo?
FERNANDO: Luiza, você NUNCA trabalhou na vida. Tem que se concentrar nos seus pontos fortes.
LUIZA: E eu lá tenho ponto forte, Fernando? Nunca fiz nada nessa vida a não ser ir à aula e assistir
"Malhação". E ficar xingando muito no Twitter.
FERNANDO: (ANIMADO) Pois então: conhecimento em Informática.
LUIZA: Não põe isso, não. Não vai colar. E se eles mandarem eu consertar algum computador?
FERNANDO: Conhecimento em Informática não significa que você vai ter que consertar computador,
Luiza. Mas alguma qualificação você deve ter. Alguma habilidade você deve ter.
LUIZA: Não tenho habilidade nenhuma.
FERNANDO: Luiza, até pra dançar créu tem que ter habilidade. Não é possível que você não tenha
nenhuma.
LUIZA: Eu fiz aquele curso de massagem aurivédica. Isso conta alguma coisa?
FERNANDO: O que significa isso?
LUIZA: Massagem aurivédica é massagem... auri vem de aura.
FERNANDO: E védica?
LUIZA: Não faço ideia.
FERNANDO: O que tu aprendeu nesse curso, então, criatura?
LUIZA: Eu fui só na primeira aula, Fernando. Depois a gente teve que ficar ouvindo umas músicas
chatas pra meditar e eu vazei.
FERNANDO: Então vamos supor, só supor... que o infeliz que ler o seu currículo fique
impressionado com o fato de você saber fazer essa tal massagem aurivédica.
Você vai fazer o que quando ele pedir uma demonstração?
LUIZA: E alguém lá sabe o que é massagem aurivédica, Fernando? Nem eu que fiz o curso sei...
Faço qualquer massagem diferente e era isso.
FERNANDO: Ponho isso no currículo, então?
LUIZA: Claro, tá uma pobreza esse currículo. Vai ficar com uma página ou duas, só.
FERNANDO: E quantas páginas você acha que um currículo deve ter?
LUIZA: Milhares, de preferência. Quanto mais páginas mais a criatura tem chance, né?
FERNANDO: Luiza, se você não for Tolstoi ou Dostoievsky nem pense em escrever milhares de
páginas, porque ninguém vai ler.
LUIZA: Se eu não for quem?
FERNANDO: Você acha que as pessoas tem tempo de ler currículo de alguém que só fez curso de
massagem aurivédica na vida?
LUIZA: Por que essa implicância com meu curso, hein? Eu impliquei com esse monte de curso chato
que você tascou no seu currículo?
FERNANDO: Acontece que esse monte de curso chato tem utilidade. Eu tenho curso de inglês, es -
panhol, francês e italiano. Curso de contabilidade comercial. Curso de informática em
nível avançado. Curso de gestão e liderança. Curso de mecatrônica. (NERVOSO) Eu
sei montar um robô, Luiza. Um robô! Você sabe montar um robô? Não, você só sabe
fingir que sabe fazer massagem aurivédica. Coisa que nem sabe o que é!
LUIZA: Fernando, você precisa arrumar um emprego urgente.
FERNANDO: Sim, eu preciso. Obrigado por me lembrar. O proprietário do meu apartamento
também fez essa gentileza.
LUIZA: Eu também preciso. Minha mãe não aguenta mais pagar pelas minhas baladas. Nâo dá pra
aumentar essas letras aí, não?
FERNANDO: Aumentar a fonte do currículo não vai diminuir a sua inutilidade.
LUIZA: Fonte? Quem falou em fonte? Tô falando em LETRA. O que você está fazendo?
FERNANDO: Deletando o "conhecimento em Informática".
LUIZA: Você está de muita má-vontade comigo.
FERNANDO: Tá bom, Luiza, eu aumento a LETRA. Quer que eu ponha em negrito, também?
LUIZA: Isso ajuda?
FERNANDO: Ajuda a quem tem problemas de visão.
LUIZA: Por falar em visão tem que colocar uma foto, né?
FERNANDO: Não se coloca foto em currículo, a não ser quando for solicitado.
LUIZA: E como é que as pessoas vão ver a minha cara?
FERNANDO: Te garanto que as pessoas só vão querer ver a sua cara se o seu currículo for melhor
que esse que a gente está TENTANDO fazer.
LUIZA: Fernando, o currículo não é meu? Deixa eu fazer do meu jeito? Se você quer fazer o seu
desse jeito sem graça, tudo bem. Mas o meu tem que ter a minha personalidade, né?
FERNANDO: Claro... por que existe regras quanto a isso se não é pra serem quebradas, não é?
Que foto você quer colocar?
LUIZA: Ah, pode escolher qualquer uma do Face... mas não do álbum "Família".
FERNANDO: Tá louca? Foto do Face? Vai colocar uma foto fazendo biquinho na frente do espelho?
Tirada com pau de selfie? No currículo?
LUIZA: Ah, é? E que foto o senhor sabe-tudo recomenda?
FERNANDO: Já que você faz tanta questão de foto tem que ser uma formal, tipo 3x4.
LUIZA: Tá louco? Eu pareço uma psicopata em foto 3x4.
FERNANDO: Por que será, né?
LUIZA: Fernando, cadê aquele resumo que eu fiz e pedi pra você colocar aí?
FERNANDO: Você estava falando sério que queria colocar tudo aquilo?
LUIZA: Por que não? Queria dar aos meus futuros empregadores um panorama geral da minha
vida.
FERNANDO: Luiza, desculpa a sinceridade, mas a sua vida não interessa a ninguém. Principalmente
com aquele monte de erro de português.
LUIZA: Eles precisam saber que eu sou culta e já li muito.
FERNANDO: Ler toda a obra do Paulo Coelho e a coleção "Harry Potter" não faz de você uma mulher
culta.
LUIZA: Dane-se, Fernando. O emprego que eu procuro não precisa de leitura.
FERNANDO: Por falar, nisso, boa pergunta: que tipo de emprego você está procurando?
LUIZA: Um emprego que pague bem.
FERNANDO: Luiza, você não pode mandar o mesmo currículo pra um consultório odontológico e pra
uma loja de sapatos.
LUIZA: Ué, por que não?
FERNANDO: O que te leva a crer que pode vender uma rasteirinha e um tratamento de canal da
mesma forma?
LUIZA: Olha, desde de que me paguem bem eu tô dentro. Aliás, pode botar no currículo: quero que
me paguem bem.
FERNANDO: Não pega bem colocar algo assim no currículo.
LUIZA: Fernando, vamos ser práticos. Já pensou se depois de todo esse trabalhão que eu estou
tendo me chamam pra um empreguinho que pague menos de três mil reais?
FERNANDO: Luiza, eu realmente gostaria de viver nesse seu mundo de fantasia. Três mil reais pra
alguém que não tem experiência em nada?
LUIZA: É pra enganar esses caras que eu tô fazendo esse currículo, Fernando.
FERNANDO: E você acha que eles não vão descobrir que você não serve pra nada?
LUIZA: Quando descobrirem eu já estou empregada. Quando me demitirem, eu fico com o seguro-
-desemprego até arrumar outro.
Fast forward para dali a dois meses: Fernando ainda está à procura de um trabalho. Nenhum de seus cursos parece ter utilidade ou importância. Já vendeu até sua coleção de autores russos - na língua original - para pagar a conta da luz.
Luiza já é gerente de uma empresa de telefonia que gostou de sua espontaneidade. E da foto com o pau de selfie. Como chefe, ela não contratou Fernando porque achou o currículo dele super qualificado. Fim da história.
FERNANDO: Luiza, você NUNCA trabalhou na vida. Tem que se concentrar nos seus pontos fortes.
LUIZA: E eu lá tenho ponto forte, Fernando? Nunca fiz nada nessa vida a não ser ir à aula e assistir
"Malhação". E ficar xingando muito no Twitter.
FERNANDO: (ANIMADO) Pois então: conhecimento em Informática.
LUIZA: Não põe isso, não. Não vai colar. E se eles mandarem eu consertar algum computador?
FERNANDO: Conhecimento em Informática não significa que você vai ter que consertar computador,
Luiza. Mas alguma qualificação você deve ter. Alguma habilidade você deve ter.
LUIZA: Não tenho habilidade nenhuma.
FERNANDO: Luiza, até pra dançar créu tem que ter habilidade. Não é possível que você não tenha
nenhuma.
LUIZA: Eu fiz aquele curso de massagem aurivédica. Isso conta alguma coisa?
FERNANDO: O que significa isso?
LUIZA: Massagem aurivédica é massagem... auri vem de aura.
FERNANDO: E védica?
LUIZA: Não faço ideia.
FERNANDO: O que tu aprendeu nesse curso, então, criatura?
LUIZA: Eu fui só na primeira aula, Fernando. Depois a gente teve que ficar ouvindo umas músicas
chatas pra meditar e eu vazei.
FERNANDO: Então vamos supor, só supor... que o infeliz que ler o seu currículo fique
impressionado com o fato de você saber fazer essa tal massagem aurivédica.
Você vai fazer o que quando ele pedir uma demonstração?
LUIZA: E alguém lá sabe o que é massagem aurivédica, Fernando? Nem eu que fiz o curso sei...
Faço qualquer massagem diferente e era isso.
FERNANDO: Ponho isso no currículo, então?
LUIZA: Claro, tá uma pobreza esse currículo. Vai ficar com uma página ou duas, só.
FERNANDO: E quantas páginas você acha que um currículo deve ter?
LUIZA: Milhares, de preferência. Quanto mais páginas mais a criatura tem chance, né?
FERNANDO: Luiza, se você não for Tolstoi ou Dostoievsky nem pense em escrever milhares de
páginas, porque ninguém vai ler.
LUIZA: Se eu não for quem?
FERNANDO: Você acha que as pessoas tem tempo de ler currículo de alguém que só fez curso de
massagem aurivédica na vida?
LUIZA: Por que essa implicância com meu curso, hein? Eu impliquei com esse monte de curso chato
que você tascou no seu currículo?
FERNANDO: Acontece que esse monte de curso chato tem utilidade. Eu tenho curso de inglês, es -
panhol, francês e italiano. Curso de contabilidade comercial. Curso de informática em
nível avançado. Curso de gestão e liderança. Curso de mecatrônica. (NERVOSO) Eu
sei montar um robô, Luiza. Um robô! Você sabe montar um robô? Não, você só sabe
fingir que sabe fazer massagem aurivédica. Coisa que nem sabe o que é!
LUIZA: Fernando, você precisa arrumar um emprego urgente.
FERNANDO: Sim, eu preciso. Obrigado por me lembrar. O proprietário do meu apartamento
também fez essa gentileza.
LUIZA: Eu também preciso. Minha mãe não aguenta mais pagar pelas minhas baladas. Nâo dá pra
aumentar essas letras aí, não?
FERNANDO: Aumentar a fonte do currículo não vai diminuir a sua inutilidade.
LUIZA: Fonte? Quem falou em fonte? Tô falando em LETRA. O que você está fazendo?
FERNANDO: Deletando o "conhecimento em Informática".
LUIZA: Você está de muita má-vontade comigo.
FERNANDO: Tá bom, Luiza, eu aumento a LETRA. Quer que eu ponha em negrito, também?
LUIZA: Isso ajuda?
FERNANDO: Ajuda a quem tem problemas de visão.
LUIZA: Por falar em visão tem que colocar uma foto, né?
FERNANDO: Não se coloca foto em currículo, a não ser quando for solicitado.
LUIZA: E como é que as pessoas vão ver a minha cara?
FERNANDO: Te garanto que as pessoas só vão querer ver a sua cara se o seu currículo for melhor
que esse que a gente está TENTANDO fazer.
LUIZA: Fernando, o currículo não é meu? Deixa eu fazer do meu jeito? Se você quer fazer o seu
desse jeito sem graça, tudo bem. Mas o meu tem que ter a minha personalidade, né?
FERNANDO: Claro... por que existe regras quanto a isso se não é pra serem quebradas, não é?
Que foto você quer colocar?
LUIZA: Ah, pode escolher qualquer uma do Face... mas não do álbum "Família".
FERNANDO: Tá louca? Foto do Face? Vai colocar uma foto fazendo biquinho na frente do espelho?
Tirada com pau de selfie? No currículo?
LUIZA: Ah, é? E que foto o senhor sabe-tudo recomenda?
FERNANDO: Já que você faz tanta questão de foto tem que ser uma formal, tipo 3x4.
LUIZA: Tá louco? Eu pareço uma psicopata em foto 3x4.
FERNANDO: Por que será, né?
LUIZA: Fernando, cadê aquele resumo que eu fiz e pedi pra você colocar aí?
FERNANDO: Você estava falando sério que queria colocar tudo aquilo?
LUIZA: Por que não? Queria dar aos meus futuros empregadores um panorama geral da minha
vida.
FERNANDO: Luiza, desculpa a sinceridade, mas a sua vida não interessa a ninguém. Principalmente
com aquele monte de erro de português.
LUIZA: Eles precisam saber que eu sou culta e já li muito.
FERNANDO: Ler toda a obra do Paulo Coelho e a coleção "Harry Potter" não faz de você uma mulher
culta.
LUIZA: Dane-se, Fernando. O emprego que eu procuro não precisa de leitura.
FERNANDO: Por falar, nisso, boa pergunta: que tipo de emprego você está procurando?
LUIZA: Um emprego que pague bem.
FERNANDO: Luiza, você não pode mandar o mesmo currículo pra um consultório odontológico e pra
uma loja de sapatos.
LUIZA: Ué, por que não?
FERNANDO: O que te leva a crer que pode vender uma rasteirinha e um tratamento de canal da
mesma forma?
LUIZA: Olha, desde de que me paguem bem eu tô dentro. Aliás, pode botar no currículo: quero que
me paguem bem.
FERNANDO: Não pega bem colocar algo assim no currículo.
LUIZA: Fernando, vamos ser práticos. Já pensou se depois de todo esse trabalhão que eu estou
tendo me chamam pra um empreguinho que pague menos de três mil reais?
FERNANDO: Luiza, eu realmente gostaria de viver nesse seu mundo de fantasia. Três mil reais pra
alguém que não tem experiência em nada?
LUIZA: É pra enganar esses caras que eu tô fazendo esse currículo, Fernando.
FERNANDO: E você acha que eles não vão descobrir que você não serve pra nada?
LUIZA: Quando descobrirem eu já estou empregada. Quando me demitirem, eu fico com o seguro-
-desemprego até arrumar outro.
Fast forward para dali a dois meses: Fernando ainda está à procura de um trabalho. Nenhum de seus cursos parece ter utilidade ou importância. Já vendeu até sua coleção de autores russos - na língua original - para pagar a conta da luz.
Luiza já é gerente de uma empresa de telefonia que gostou de sua espontaneidade. E da foto com o pau de selfie. Como chefe, ela não contratou Fernando porque achou o currículo dele super qualificado. Fim da história.