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FORGIVEN
Não sei a opinião geral, mas eu acho a palavra "perdão" uma das mais bonitas da língua portuguesa. Não só o som e a forma escrita da palavra, mas tudo que ela representa me deixa emocionado. Sério, sem cinismo de nenhuma espécie! Sou um perdoador (essa palavra existe?) contumaz. Posso demorar a desculpar o que me fazem, mas um belo dia eu acordo com a benevolência em alta e deixo o rancor pra trás. Tá, não digo que não tenho nenhuma pendência do passado, mas quando isso acontece é porque realmente certas coisas realmente não me desceram. Sim, pra mim, quase tudo dá pra relevar depois de um tempo, mas alguns atos são, digamos, imperdoáveis.
O que é imperdoável pra mim? Vejamos... no âmbito social, acho imperdoável que tanta injustiça social esteja gritando pelo mundo enquanto o Vaticano, por exemplo, esbanja riqueza e luxo (e estamos falando da sede do que deveria ser a casa de Deus...). Acho imperdoável violência contra crianças, corrupção no governo, falta de apoio à cultura, trocar a Alanis Morissette pela Scarlett Johansson, dar o Oscar de melhor filme à "Crash" em vez de a "O segredo de Brokeback Mountain"...
Acho que não tem chance de perdão quem rouba por ganância, quem é ignorante por opção, quem não tem ambição de melhorar a cada dia. Não merece absolvição quem consegue apagar o melhor de si em nome de sentimentos negativos como inveja, raiva e preconceito. Não dá pra perdoar racistas, homofóbicos, genocidas, torturadores, ditadores (mas é obrigação de qualquer um não condenar uma geração pelos erros das anteriores).
Ser perdoado é impossível quando se machucou uma pessoa deliberadamente, quando se matou o amor, a admiração e a confiança que ela poderia ter sentido. Perdoar uma traição é difícil, mas não impraticável. Impraticável é perdoar a quebra daquele pequeno elo que ligava duas pessoas. Enterrar uma mentira se consegue. O que não se consegue mais é olhar da mesma forma inocente e desprovida de malícia dentro dos mesmos olhos - que aliás, nem parecem mais os mesmos... E perdoar alguém que conseguiu matar um amor talvez seja a forma de perdão mais difícil de todas.
Perdoar e esquecer são coisas diferentes. Quase tudo pode ser perdoado. Esquecer já é mais difícil. Requer mais trabalho, mais tempo, mais transcendência. Conseguimos perdoar boa parte do que nos é feito, mas com certeza aquele fantasma sempre estará em nosso sótão, esperando o momento certo para nos assustar. E cabe a todos, ao perdoador e ao perdoado, cuidar para que ele nunca mais saia de lá.
E uma coisa é certa. Como bem já dizia Vinícius de Moraes, "quem não pede perdão não é nunca perdoado". O poeta estava - mais uma vez - coberto de razão. No fundo quem realmente não merece perdão é aquele que não o pede.