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DIREITO DE AMAR

Posted by Clenio on 10:53 in

Melancolia é um estado de espírito tão particular que dificilmente consegue ser descrito, especialmente em termos visuais. E mesmo que fosse só pelo fato de ter conseguido expressar de forma sensível e delicada essa sensação tão única, o filme de estreia do estilista Tom Ford como diretor já mereceria elogios rasgados. "Direito de amar" (ok, o título nacional mais uma vez é uma vergonha!!) é um belíssimo pontapé inicial em uma carreira que, a julgar por esse primeiro capítulo, ainda tem muito a oferecer, tanto em termos estéticos quanto emocionais.

Tudo bem que o que o mínimo que se espera de um filme dirigido por um homem de moda como Ford (e um homem de moda elegante e sóbrio, sem exageros estilísticos) é que seja igualmente classudo. E é impossível negar que "Direito de amar" conta com um apuro visual extremamente cuidadoso, seja na fotografia (seca em alguns momentos, em espetacular preto-e-branco em outros e de um calor palpável em pelo menos uma sequência) quanto na reconstituição de época (no caso, 1962). A direção de arte e o figurino impecáveis (tinha como ser de outro jeito??) são elementos-chave de uma obra que, ao contrário do que pode-se supor, nada tem de fútil ou vazia. Pelo contrário, toda a beleza estética que cerca as personagens do filme de Ford apenas reforçam a intensidade da história que ele quer contar. E é uma história de partir o coração.

30 de novembro de 1962. O professor de inglês George Falconer (Colin Firth, merecido prêmio de interpretação em Veneza e indicado ao Oscar de melhor ator) está decidido a pôr um fim em sua existência. Arrasado com a morte do parceiro com quem vivia há dezesseis anos Jim (Matthew Goode), vítima de um acidente automobilístico oito meses antes, ele não vê nada de excitante em sua vida, passando os dias a recordar dos bons momentos passados com ele. Sua decisão em acabar com a própria vida é tão definitiva que ele passa o dia preparando seu fim, preparando documentos, escrevendo cartas e escolhendo inclusive a roupa para seu funeral. Enquanto o momento final não chega, George é obrigado a conviver com outras pessoas, em especial três: a melhor amiga Charlotte (Julianne Moore, linda e boa atriz como há muito não constumamos ver), que ainda mantém esperanças de seduzí-lo; o jovem espanhol aspirante a ator Carlos (Jon Kortajarena) e principalmente o adolescente Kenny Potter (Nicholas Hoult, o menino de "Um grande garoto", aqui irreconhecível), que, seu aluno, é fascinado por suas aulas e seu modo de vida. Essas pessoas, em níveis diferentes, irão fazer com que ele repense seus conceitos de vida, amor e solidão.

Dito assim o filme (cujo título original, "A single man" é bem mais sugestivo) soa um grande exercício de depressão. Na verdade a impressão não é tão equivocada assim. O roteiro de Ford (baseado em um romance de Christophe Isherwood inédito em português) não dá espaço para frases espirituosas ou situações que poderiam dar-lhe o mínimo de senso de humor. Essa sua decisão de manter o tom melancólico mostra-se acertada, uma vez que não dilui a tensão que percorre o filme. Não se trata aqui de um arremedo de tristeza e depressão. George Falconer é um homem realmente desiludido, infeliz, solitário e saudoso que não vê nenhum sentido em sua vida e como tal, não cabe piadas em sua boca ou ironias em seu discurso. A tristeza profunda da personagem é realçada pela interpretação soberba de Colin Firth, cujo olhar vazio e quase sem expressão transmite a dor insuportável de uma perda inexplicável. O trabalho de Firth é tão bom que é difícil não acreditar nos seus sentimentos, mesmo quando ele não precisa nem ao menos falar e até mesmo Julianne Moore volta a seus mais inspirados momentos quando está a seu lado.

"Direito de amar" não é um filme de tranquila assimilação. Não apela para um final feliz, nem limita suas personagens a estereótipos fáceis (o que seria uma armadilha fatal a um diretor estreante). E são justamente esses ingredientes - que o afastam do público médio - que fazem dele uma opção mais inteligente e de mais bom gosto do que o arroz-com-feijão que atravanca as salas de cinema e impedem pessoas com um mínimo de sensibilidade de saborear um filme adulto e que trata de sentimentos humanos.

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3 Comments


Estou doido pra conferir este, acho o Colin Firth um "puta" ator talentoso! merecida indicação, claro! e a abordagem do filme me cativou, de imediato...sei que vou admirar bastante e vou me comover!

o titulo brasileiro me soou meio brega, mas tá valendo! prefiro o nome original, rs


Desculpa a intromissão, mas aproveitando o post do filme que eu também acho uma maravilha...Há uns poucos dias descobri o seu blog e fiquei um tanto encantado com os seus textos; rapaz, esse teu passatempo poderia te render muito, você escreve muito bem; coerência é algo pra poucos.

Passarei por aqui mais vezes, bom te ler.


Agradeço fielmente as palavras sobre o meu, também! Adoro pessoas que conseguem viajar para dentro de seu próprio ser, e você faz isso com uma naturalidade e espontaneidade surpreendentes.Lerei sempre!

Nos falaremos, sim.

By the way... meu email: tulio.cheab@hotmail.com

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