NÓS JÁ FICAMOS ANTES... NÃO LEMBRA???
A festa está muito boa. Boa música, cerveja gelada, temperatura ambiente adequada, espaço pra dançar. E amigos divertidos, porque sem eles não é a mesma coisa. O rapaz está disposto a se divertir até o amanhecer: folga no domingo - coisa rara - e a necessidade premente de esquecer os contratempos que a vida vinha lhe oferecendo de maneira sistemática. Sendo assim, dá-lhe cerveja - nada de misturar fermentados com destilados, as experiências anteriores nesse sentido já lhe haviam alertado para os males subsequentes desse ato impensado. O tempo vai passando. Lá está aquele cara lindo que estava no teatro assistindo "Terça insana" e que é o sonho máximo de consumo do rapaz - pelo menos até que ele descubra que não existe nada ali além de um belo corpo e um charme indescritível. Lá está, dançando alucinadamente, um rapazinho bastante interessante - e é fato quase comprovado cientificamente que quem dança bem faz outras coisas mais excitantes com igual talento. Lá está uma gracinha que parece com o ator principal de "500 dias com ela" - e, segundo a melhor amiga do rapaz, parecido também com aquele que é o grande amor da sua vida (mas isso ela só dirá na segunda-feira, a caminho da aula de teatro...) É definitivamente uma possibilidade bastante interessante mas o nível etílico lhe faz quase cair e isso, definitivamente, não empolga nosso herói.
Aos poucos os amigos vão indo embora. A noite já não é mais uma criança - talvez uma adolescente que adora encher a cara. A música continua ótima. Agora já é possível vislumbrar a pista inteira e perceber realmente quem está na festa. O rapaz se encosta em uma das paredes do fundo da pista, com o objetivo de tomar o copo imenso de cerveja que tem em mãos. E é aí que ele vê um outro rapaz, que lhe cumprimenta sorridente e se aproxima. Nosso protagonista o examina cuidadosamente e gosta do que vê: belo sorriso, altura apropriada, um corpo sem excessos... Os dois começam um papo. Conversa vai, conversa vem... e acontece o esperado. Um beijo. Bom, sem aquela pressa que arruina tudo mas também sem a lerdeza característica daqueles que se consideram românticos e são apenas sem graça. O rapaz se empolga, a música continua boa e a cerveja já não está mais no copo e sim em sua corrente sanguínea. E aí as coisas começam a parecer um episódio de "Sex and the city", com nosso protagonista assumindo o papel da devoradora Samantha Jones. O belo sorriso fala, boca com boca:
- E o teatro? Ainda fazendo?
- Ué, eu te falei que eu faço teatro?
- Hoje não... Falou quando a gente se conheceu, há alguns meses.
Bastaram essas poucas linhas de diálogo pra todo o álcool que corria por entre as veias do rapaz simplesmente evaporar.
- Nós já nos conhecemos?
- Sim, ficamos juntos há alguns meses. Você estava com a camiseta de um time de futebol, acompanhado de um amigo. Tenho o seu telefone aqui, no meu celular.
O rapaz olha estarrecido para o seu número estampado na agenda do belo sorriso. É o número novo, o que significa que a noite a que seu novo/antigo ficante estava se referindo não devia fazer mais do que cinco meses. No entanto, o rapaz não tem a menor ideia de com quem está lidando. O belo sorriso continua falando, explicando seu silêncio por esse tempo - entre as razões existe aquele velho trauma do rapaz, chamado pela ciência de "ex-namorado" - mas nosso amigo só consegue passar em uma revista apressada seu arquivo visual, de nomes, rostos e corpos pelos quais passou nos últimos 150 dias. E nada vem à cabeça.
- Você deve estar estranhando porque estou sem barba, hoje.
Barba!!! Uma pista! O rapaz tenta visualizar uma barba em torno daquele belo sorriso, mas nada acontece. E nesse exato momento percebe que aquele que dança enlouquecidamente não para de lhe encarar. Pra variar isso só acontece depois que ele está acompanhado. Seu pensamento agora divide-se entre tentar lembrar detalhes de sua noite com o belo sorriso e decidir se toma alguma atitude em relação ao Nijinski de subúrbio que não para de olhar-lhe.
Toma então, uma decisão: dá um último beijo no belo sorriso (como é que ele pôde esquecer um beijo daqueles, tão tecnicamente perfeito?? Talvez por ser apenas técnico... mas não é uma época propícia para definições na vida do rapaz, que está disposto a deixar seu romantismo para quando assistir aos filmes baseados nos livros de Nicholas Sparks). Dá um último beijo e vai embora. O belo sorriso tem seu número (há meses, segundo parece) e se quiser, sabe como lhe encontrar. O dançarino... perdeu a chance de conhecê-lo...
E a noite está simpática. Faz frio, uma garoa chata cai... mas nosso amigo só quer saber de sua cama e de uma boa noite de sono. Sua memória já começou a pregar-lhe peças...