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"FLOR DE OBSESSÃO" E A MAGIA DO TEATRO

Posted by Clenio on 00:42 in
Estar em um palco é algo inexplicável. A sensação de estar defendendo uma personagem com a qual muitas vezes não se tem a menor identificação social, física ou emocional é talvez o mais perto de uma esquizofrenia a que uma pessoa sã (ao menos na definição médica do termo) pode chegar. E podem me rotular de maluco ou coisa que o valha, mas alguns dos melhores momentos pelos quais passei até hoje na minha vida estão intimamente relacionados aos palcos. É ali, naquele perímetro limitado por marcações imaginárias, luzes fortes e música potente que eu encontro quem eu sou realmente. Eu não sou apenas um. Eu sou vários. Eu sou Lucas de "Como dizia o poeta". Sou Afrânio de "Pouco amor não é amor". Sou Arthur de "Nunca mais até amanhã". E nesse último final de semana eu fui Humberto e Herculano - duas personagens antagônicas e fascinantes - em "Flor de obsessão", revisitando o dramaturgo mais importante do Brasil, o saudoso Nelson Rodrigues.

Mais do que estar no palco interpretando cenas de duas peças de repercussão distintas - a quase desconhecida "A mulher sem pecado" e a consagrada "Toda nudez será castigada" - eu estava saindo da minha realidade para embarcar em mundos novos, em dramas muito mais potentes e trágicos, atravessando a fronteira entre o real e o sonho. Dançar um tango com Thai Ribeiro e tentar convencer Ramiro Corrêa de que o "sexo é uma coisa nobre, linda..." me tiraram de Porto Alegre, me jogaram em um universo único, onde prostitutas, gigolôs, tias solteironas, travestis, colegiais virginais com pensamentos lúbricos e famílias disfuncionais convivem pacificamente e se esbarram constantemente, em um jogo - talvez a melhor definição de todas - de onde todos saem vitoriosos. Todos ali fizeram gols, todos os 26 jogadores tiveram seu momento de atacante e de zagueiros. Todos driblaram a timidez, a insegurança, as limitações e os medos para, diante de uma plateia lotada, fazerem seus gols de placa. Todos ali estavam loucos, todos ali estavam dando o melhor de si, todos se entregaram alucinadamente ao prazer de teatrar, de brincar de ser outra pessoa, de alucinar por duas horas. E essa união, essa energia única que uniu quase 3 dezenas de pessoas de origens, pensamentos e ideais diferentes me faz ter a certeza ainda maior de que estou no caminho certo para encontrar a minha felicidade profissional.

Depois desse final de semana eu só posso agradecer a cada um dos meus colegas por terem me dado a chance de conhecê-los, de ter feito exercícios com eles, de tê-los visto crescer e se aprimorar até que o grande dia chegou. Não foi com todos que tive uma relação mais próxima - e deixo minha mea culpa aqui, para a posteridade - mas em alguns encontrei uma sintonia que certamente nos manterá unidos como profissionais e amigos. Eis outro milagre do teatro: colocar em meu caminho aqueles que certamente não sairão dele nunca mais. Obrigado, teatro. E obrigado a todos que aplaudiram mais uma vez a transformação de uma ficção literária em uma realidade imaginada.

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