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O MORDOMO DA CASA BRANCA
Posted by Clenio
on
19:38
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CINEMA 2014
Alguns filmes conquistam por seu valor artístico, por sua ousadia, criatividade e técnica impecável. Outros, no entanto, chegam ao coração da audiência por seus méritos emocionais, que prescindem de teorias ou análises mais profundas. Na segunda definição encontra-se "O mordomo da Casa Branca", novo filme do cineasta Lee Daniels depois do fracassado "Obsessão" - que decepcionou até mesmo aos mais ardorosos fãs de "Preciosa", estreia do cineasta, que lhe deu, de cara, uma indicação ao Oscar de direção. Inspirado em uma história real, o filme de Daniels retrata, em pouco mais de duas horas de duração, cinco décadas da história dos EUA, concentrando-se na luta pelos direitos civis da população negra - e contrapondo-a à dedicação do protagonista em servir os governantes do país independentemente da situação política.
Interpretado por Forest Whitaker em mais uma atuação esplêndida, Cecil Gaines é um herói silencioso e discreto, que acompanha as transformações sociais dos EUA de camarote: contratado como um dos mordomos da Casa Branca durante o mandato de Eisenhower (Robin Williams), ele segue à risca os conselhos que sempre recebeu durante sua educação como serviçal, mantendo-se invisível e apolítico mesmo quando as decisões políticas afetam diretamente seu povo - e principalmente sua família. Seu filho mais velho, revoltado com a submissão a que a população negra é obrigada, junta-se aos ativistas que exigem mudanças - desde o pacifismo de Martin Luther King à violência dos Panteras Negras -, seu caçula, crédulo em seu governo, embarca para o Vietnã, e sua mulher, Gloria (Oprah Winfrey, extraordinária) se entrega à bebida como forma de lidar com a solidão. Muitas vezes incompreendido pelas pessoas que ama - que o julgam conivente com as desigualdades - ele não se furta a manter-se fiel às suas obrigações, o que acaba por torná-lo um homem de confiança de inúmeros presidentes.
A narrativa de Daniels é quadradinha, convencional, quase sem brilho. Porém, se o roteiro muitas vezes não consegue fugir do superficial - consequência inevitável da decisão de se contar tanta coisa em tão pouco tempo - ao menos mantém um ritmo que mantém a atenção do espectador sem fazer muito esforço. Didático na medida certa (para não afugentar aqueles que não conhecem a história americana a ponto de não precisar de legendas explicativas) e emocionante em diversos momentos - principalmente quando não tem medo de mostrar a extrema violência física e psicológica sofrida pelos negros - o filme pode até ser acusado de um certo maniqueísmo, mas tem a coragem de questionar a lealdade do protagonista ao mesmo tempo em que compreende sua ideologia de fidelidade extrema e absoluta: a cena em que pai e filho discutem violentamente sobre a imagem de Sidney Poitier (epítome do negro quase branco, aceito pelo mainstream americano nos anos 60 e renegado pelo ativismo radical justamente por esse motivo) é forte e exemplifica com perfeição a dubiedade dos sentimentos da família Gaines - além de permitir a Whitaker e Winfrey um de seus melhores momentos.
Aliás, se existe um outro grande motivo para se assistir a "O mordomo da Casa Branca" é o elenco reunido por Daniels: além de Mariah Carey (em uma participação mínima) e Lenny Kravitz - que já haviam trabalhado com o diretor em "Preciosa", o filme é um desfile de grandes atores em participações especiais (e muitas vezes com maquiagem que quase os deixa irreconhecíveis). É um prazer à parte ver nomes tão díspares quanto Alan Rickman, James Marsden, Liev Schreiber, John Cusack, Vanessa Redgrave, Cuba Gooding Jr., Terrence Howard e a sumida Jane Fonda em um filme com importância social tão fundamental - e não é difícil imaginar que sua inclusão no elenco tem muito a ver com suas próprias agendas políticas.
"O mordomo da Casa Branca", ao contrário do apregoado, não tem nada a ver com "Histórias cruzadas", o superestimado que deu a Octavia Spencer o Oscar de atriz coadjuvante há dois anos. Enquanto a obra de Tate Taylor era hipócrita a ponto de ter uma protagonista branca para salvar os negros oprimidos, o filme de Daniels dá aos próprios o poder de mudar sua história, lutando até o fim por seus direitos e enfrentando o sistema estabelecido. E se havia espaço para o humor escatológico e sem graça no primeiro, em "O mordomo" o registro é mais sério e apropriado ao tema. Pode não ser uma obra-prima, mas é comovente, relevante e redondinho. Merece ser apreciado por suas inúmeras qualidades.
Interpretado por Forest Whitaker em mais uma atuação esplêndida, Cecil Gaines é um herói silencioso e discreto, que acompanha as transformações sociais dos EUA de camarote: contratado como um dos mordomos da Casa Branca durante o mandato de Eisenhower (Robin Williams), ele segue à risca os conselhos que sempre recebeu durante sua educação como serviçal, mantendo-se invisível e apolítico mesmo quando as decisões políticas afetam diretamente seu povo - e principalmente sua família. Seu filho mais velho, revoltado com a submissão a que a população negra é obrigada, junta-se aos ativistas que exigem mudanças - desde o pacifismo de Martin Luther King à violência dos Panteras Negras -, seu caçula, crédulo em seu governo, embarca para o Vietnã, e sua mulher, Gloria (Oprah Winfrey, extraordinária) se entrega à bebida como forma de lidar com a solidão. Muitas vezes incompreendido pelas pessoas que ama - que o julgam conivente com as desigualdades - ele não se furta a manter-se fiel às suas obrigações, o que acaba por torná-lo um homem de confiança de inúmeros presidentes.
A narrativa de Daniels é quadradinha, convencional, quase sem brilho. Porém, se o roteiro muitas vezes não consegue fugir do superficial - consequência inevitável da decisão de se contar tanta coisa em tão pouco tempo - ao menos mantém um ritmo que mantém a atenção do espectador sem fazer muito esforço. Didático na medida certa (para não afugentar aqueles que não conhecem a história americana a ponto de não precisar de legendas explicativas) e emocionante em diversos momentos - principalmente quando não tem medo de mostrar a extrema violência física e psicológica sofrida pelos negros - o filme pode até ser acusado de um certo maniqueísmo, mas tem a coragem de questionar a lealdade do protagonista ao mesmo tempo em que compreende sua ideologia de fidelidade extrema e absoluta: a cena em que pai e filho discutem violentamente sobre a imagem de Sidney Poitier (epítome do negro quase branco, aceito pelo mainstream americano nos anos 60 e renegado pelo ativismo radical justamente por esse motivo) é forte e exemplifica com perfeição a dubiedade dos sentimentos da família Gaines - além de permitir a Whitaker e Winfrey um de seus melhores momentos.
Aliás, se existe um outro grande motivo para se assistir a "O mordomo da Casa Branca" é o elenco reunido por Daniels: além de Mariah Carey (em uma participação mínima) e Lenny Kravitz - que já haviam trabalhado com o diretor em "Preciosa", o filme é um desfile de grandes atores em participações especiais (e muitas vezes com maquiagem que quase os deixa irreconhecíveis). É um prazer à parte ver nomes tão díspares quanto Alan Rickman, James Marsden, Liev Schreiber, John Cusack, Vanessa Redgrave, Cuba Gooding Jr., Terrence Howard e a sumida Jane Fonda em um filme com importância social tão fundamental - e não é difícil imaginar que sua inclusão no elenco tem muito a ver com suas próprias agendas políticas.
"O mordomo da Casa Branca", ao contrário do apregoado, não tem nada a ver com "Histórias cruzadas", o superestimado que deu a Octavia Spencer o Oscar de atriz coadjuvante há dois anos. Enquanto a obra de Tate Taylor era hipócrita a ponto de ter uma protagonista branca para salvar os negros oprimidos, o filme de Daniels dá aos próprios o poder de mudar sua história, lutando até o fim por seus direitos e enfrentando o sistema estabelecido. E se havia espaço para o humor escatológico e sem graça no primeiro, em "O mordomo" o registro é mais sério e apropriado ao tema. Pode não ser uma obra-prima, mas é comovente, relevante e redondinho. Merece ser apreciado por suas inúmeras qualidades.