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OSCAR 2015 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Posted by Clenio
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19:25
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CINEMA 2015
E então, como sempre acontece há mais de oito décadas, o Oscar passou e deixou atrás de si um rastro de polêmicas, injustiças, acertos inesperados e correção de erros históricos - e, para não perder o hábito, cometendo outros que em edições seguintes deverão ser o assunto preferido dos fãs e especialistas. Entre mortos e feridos salvaram-se todos - os oito indicados a Melhor Filme saíram com pelo menos uma estatueta - mas ainda é difícil aceitar a implosão tão radical de "Boyhood, da infância à juventude", um dos favoritos ao prêmio máximo e que acabou ficando apenas com uma melancólica (e merecida) vitória na categoria de atriz coadjuvante, para Patricia Arquette - que, ao contrário das especulações do comentarista Arthur Xexéo, da Globo, não ganhou APENAS porque ficou à disposição do diretor Richard Linklater por doze anos: alguém talvez devesse explicar a ele a dificuldade de manter uma personagem coesa e coerente durante todo esse período de tempo e ainda assim soar natural e emocional. Aliás, seria bom também que a emissora decidisse de uma vez por todas se é do seu interesse ou não manter os direitos de transmissão da cerimônia, já que deixá-la pela metade enquanto não se dá ao trabalho de organizar sua programação para encaixá-la não é justo para o público que não tem acesso à TV a cabo. O mesmo pode ser dito a respeito de seus comentaristas: livres de José Wilker e suas opiniões equivocadas - "O roteiro de "Meia-noite em Paris" me parece feito às pressas!", soltou o ator e diretor de "Giovanni Improta", em 2012 - os espectadores tiveram que aguentar Maria Beltrão narrando a lista dos homenageados falecidos ano passado (e "traduzindo" suas funções na indústria), se atrapalhando na hora de explicar as brincadeiras do apresentador Neil Patrick Harris e passando informações erradas - segundo ela, o personagem de Michael Keaton em "Birdman" tenta reacender a carreira de ator estreando um MUSICAL na Broadway, como se Raymond Carver escrevesse partituras (e isso que ela mesma confessou ter assistido ao filme duas vezes "para entender". Imagina essa mulher em uma sessão de "Império dos sonhos", de David Lynch).
Afora essas aberrações da transmissão brasileira, a festa da Academia não foi tão previsível como prometia. Ok, todas as estatuetas de atuação foram confirmadas muito antes da noite de domingo (com a possível exceção de Eddie Redmayne, cuja premiação estava sofrendo a forte concorrência de Keaton), mas as quatro estatuetas (justíssimas) para "O Grande Hotel Budapeste" e o strike quase completo de "Birdman" em relação à "Boyhood" pegaram muita gente de surpresa. O prêmio de melhor direção, por exemplo, ficou pelo segundo ano consecutivo com um cineasta mexicano - ano passado o vencedor foi Alfonso Cuarón pelo superestimado "Gravidade", este ano quem venceu foi Alejandro González-Iñarrítu - enquanto quase todo mundo dava como certa a vitória de Richard Linklater e sua extraordinária trajetória familiar. Não deixou de ser previsível também a tentativa desesperada da Academia em apagar a imagem racista que deixou na ocasião da divulgação de sua lista de indicados deste ano, massacrada pela ausência de um número representativo de negros: os organizadores do show deram um jeito de colocar no palco, sempre que possível, casais mistos, como forma de apaziguar a consciência (e os comentários negativos que inevitavelmente pipocariam na cobertura do evento, tanto em tempo real graças às redes sociais, quanto nas semanas, meses e talvez anos posteriores, já que não é o tipo de deslize que costuma ser esquecido rapidamente nesses tempos politicamente corretos).
E, mais uma vez, as redes sociais se tornaram ferramenta essencial para que a festa estendesse suas horas de fama e glamour. Discursos marcantes como os de Patricia Arquette - que defendeu direitos iguais para homens e mulheres, foi aplaudidíssima por gente como Meryl Streep e Jennifer Lopez, ganhou manchetes e por fim desagradou algumas sempre insatisfeitas feministas - e do roteirista Graham Moore (de "O jogo da imitação") - que assumiu ter tentado o suicídio aos 16 anos por sentir-se diferente e incentivou os jovens a não desistirem de ter sua marca pessoal mesmo que pareça difícil no presente - deram à cerimônia momentos de emoção genuína e entraram para a história do Oscar, assim como a apresentação de Lady Gaga, homenageando os 50 anos de "A noviça rebelde" com um talento que muitos detratores desconheciam e emocionando a própria Julie Andrews. Assim como aconteceu com Pink no ano passado - cantando "Over the rainbow" para aplaudir "O mágico de Oz" - os produtores do show tentaram, com relativo sucesso, aproximar a nova geração da tradicional Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que por mais que tente, ainda não atingiu a modernidade que tanto necessita.
Por mais que sua escolha para melhor filme tenha sido uma obra pouco convencional em termos narrativos - pelo menos em comparação com dinossauros soporíferos como "O discurso do rei" - fica cada vez mais evidente aos fãs de cinema a encruzilhada a que os mais de 4000 membros da Academia estão chegando. É complicado aceitar que, juntamente com obras brilhantes como "O Grande Hotel Budapeste" e "Birdman" - que sacodem a maneira empoeirada de contar histórias - coisas como "Sniper americano" e "A teoria de tudo" sejam tão aplaudidas: o primeiro por seu discurso moralmente discutível (por mais que saibamos que o Oscar é uma festa DE e PARA americanos, fica difícil engolir a ideologia de mr. Eastwood e a opção dos votantes em selecioná-lo como um dos melhores filmes do ano) e o segundo por sua narrativa quadrada, sem brilho e que, não fosse a atuação de Eddie Redmayne, seria esquecida em menos de seis meses. Inclusive, já é mais do que hora de reavaliar a mania dos eleitores da Academia em privilegiar atores que interpretam deficientes físicos (ou papéis que exigem transformações visuais mais radicais) em detrimento de outras atuações menos óbvias. Este ano, por exemplo, a atuação minimalista de Arquette contrastava radicalmente com o trabalho de Redmayne - muito bom, sim, claro, mas que às vezes parece milimetricamente calculado para ganhar um Oscar. Essa incoerência é inevitável em um grupo tão vasto e idiossincrático como a Academia, mas seria um sonho ver, um dia, atuações simples e despretensiosas terem tanto valor quanto as mais ambiciosas - por melhores que elas sejam.
Agora, para finalizar, minhas opiniões a respeito dos vitoriosos:
FILME - "Birdman" mereceu. É um filme inteligente tanto na concepção quanto na realização e é também um sopro de ar fresco no embolorado sistema da Academia de premiar obras para o gosto médio. Não é um filme que agrada a todos, e a coragem de premiá-lo já é louvável. Mas, no fundo, é um filme que fala sobre Hollywood e sobre a arte da atuação, ou seja, é a Academia premiando ela mesma.
DIRETOR - Alejandro Gonzalez-Iñarrítu tirou o Oscar que todos achavam que ficaria com Richard Linklater. É coerente com a escolha de melhor filme - nos dois últimos anos as duas categorias foram separadas na hora H - mas seria uma bela homenagem à ousadia de Linklater em fazer um filme tão especial quanto "Boyhood", mesmo porque ele já merecia um prêmio desde "Antes do amanhecer". No entanto, se levarmos em conta que Iñarrítu tem no currículo filmes com "Amores brutos" e "21 gramas", constataremos que o Oscar está em ótimas mãos.
ATOR - Como dito antes, a atuação de Eddie Redmayne é precisa e impecável, mas parece preguiçoso por parte da Academia premiar sempre aquele ator que mais se transformou fisicamente para seu trabalho. Nessa linha de raciocínio, o desempenho de Michael Keaton ao criar um personagem perigosamente perto de sua própria realidade sem deixar que as linhas sejam ultrapassadas me soa muito mais interessante. Além do mais, encher "Birdman" de estatuetas e deixar de lado quem é seu corpo e sua alma é bastante incoerente.
ATRIZ - Julianne Moore merecia o Oscar desde sua primeira indicação, por "Boogie nights", em 1998. De lá pra cá brindou o público com uma série de atuações brilhantes e até hoje ninguém podia acreditar que até Sandra Bullock tinha uma estatueta na prateleira e ela não. Este ano, com dois trabalhos irretocáveis - em "Mapas para as estrelas", que lhe premiou em Cannes, e "Para sempre Alice" - chegou finalmente a sua vez. Ganhou pela excelência da atuação, claro, mas também como reparação de um erro que nunca deveria ter sido cometido.
COADJUVANTES - Patricia Arquette e JK Simmons sempre foram favoritos às estatuetas de coadjuvantes, e, como tal, foram as apostas mais certas em suas categorias. Ela deu humanidade e unidade ao filme de Linklater e ele deixou de ser o chefe do Homem-aranha para tornar-se uma ator respeitado. Uma pena, porém, que Edward Norton, mais uma vez, ficou a ver navios.
ROTEIROS - "Birdman" sagrou-se vencedor em uma categoria de nomes fortes, mas é impossível negar que a escolha da Academia foi certeira. Quanto a "O jogo da imitação", houve divergências entre crítica, público e votantes. Porém, o roteiro de Graham Moore é bem escrito, forte e emocionante - e rendeu um dos melhores discursos de agradecimento do ano. Só isso - e o fato de ter chutado "Sniper americano" para seu devido lugar de coadjuvante - já é digno de nota.
Afora essas aberrações da transmissão brasileira, a festa da Academia não foi tão previsível como prometia. Ok, todas as estatuetas de atuação foram confirmadas muito antes da noite de domingo (com a possível exceção de Eddie Redmayne, cuja premiação estava sofrendo a forte concorrência de Keaton), mas as quatro estatuetas (justíssimas) para "O Grande Hotel Budapeste" e o strike quase completo de "Birdman" em relação à "Boyhood" pegaram muita gente de surpresa. O prêmio de melhor direção, por exemplo, ficou pelo segundo ano consecutivo com um cineasta mexicano - ano passado o vencedor foi Alfonso Cuarón pelo superestimado "Gravidade", este ano quem venceu foi Alejandro González-Iñarrítu - enquanto quase todo mundo dava como certa a vitória de Richard Linklater e sua extraordinária trajetória familiar. Não deixou de ser previsível também a tentativa desesperada da Academia em apagar a imagem racista que deixou na ocasião da divulgação de sua lista de indicados deste ano, massacrada pela ausência de um número representativo de negros: os organizadores do show deram um jeito de colocar no palco, sempre que possível, casais mistos, como forma de apaziguar a consciência (e os comentários negativos que inevitavelmente pipocariam na cobertura do evento, tanto em tempo real graças às redes sociais, quanto nas semanas, meses e talvez anos posteriores, já que não é o tipo de deslize que costuma ser esquecido rapidamente nesses tempos politicamente corretos).
E, mais uma vez, as redes sociais se tornaram ferramenta essencial para que a festa estendesse suas horas de fama e glamour. Discursos marcantes como os de Patricia Arquette - que defendeu direitos iguais para homens e mulheres, foi aplaudidíssima por gente como Meryl Streep e Jennifer Lopez, ganhou manchetes e por fim desagradou algumas sempre insatisfeitas feministas - e do roteirista Graham Moore (de "O jogo da imitação") - que assumiu ter tentado o suicídio aos 16 anos por sentir-se diferente e incentivou os jovens a não desistirem de ter sua marca pessoal mesmo que pareça difícil no presente - deram à cerimônia momentos de emoção genuína e entraram para a história do Oscar, assim como a apresentação de Lady Gaga, homenageando os 50 anos de "A noviça rebelde" com um talento que muitos detratores desconheciam e emocionando a própria Julie Andrews. Assim como aconteceu com Pink no ano passado - cantando "Over the rainbow" para aplaudir "O mágico de Oz" - os produtores do show tentaram, com relativo sucesso, aproximar a nova geração da tradicional Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que por mais que tente, ainda não atingiu a modernidade que tanto necessita.
Por mais que sua escolha para melhor filme tenha sido uma obra pouco convencional em termos narrativos - pelo menos em comparação com dinossauros soporíferos como "O discurso do rei" - fica cada vez mais evidente aos fãs de cinema a encruzilhada a que os mais de 4000 membros da Academia estão chegando. É complicado aceitar que, juntamente com obras brilhantes como "O Grande Hotel Budapeste" e "Birdman" - que sacodem a maneira empoeirada de contar histórias - coisas como "Sniper americano" e "A teoria de tudo" sejam tão aplaudidas: o primeiro por seu discurso moralmente discutível (por mais que saibamos que o Oscar é uma festa DE e PARA americanos, fica difícil engolir a ideologia de mr. Eastwood e a opção dos votantes em selecioná-lo como um dos melhores filmes do ano) e o segundo por sua narrativa quadrada, sem brilho e que, não fosse a atuação de Eddie Redmayne, seria esquecida em menos de seis meses. Inclusive, já é mais do que hora de reavaliar a mania dos eleitores da Academia em privilegiar atores que interpretam deficientes físicos (ou papéis que exigem transformações visuais mais radicais) em detrimento de outras atuações menos óbvias. Este ano, por exemplo, a atuação minimalista de Arquette contrastava radicalmente com o trabalho de Redmayne - muito bom, sim, claro, mas que às vezes parece milimetricamente calculado para ganhar um Oscar. Essa incoerência é inevitável em um grupo tão vasto e idiossincrático como a Academia, mas seria um sonho ver, um dia, atuações simples e despretensiosas terem tanto valor quanto as mais ambiciosas - por melhores que elas sejam.
Agora, para finalizar, minhas opiniões a respeito dos vitoriosos:
FILME - "Birdman" mereceu. É um filme inteligente tanto na concepção quanto na realização e é também um sopro de ar fresco no embolorado sistema da Academia de premiar obras para o gosto médio. Não é um filme que agrada a todos, e a coragem de premiá-lo já é louvável. Mas, no fundo, é um filme que fala sobre Hollywood e sobre a arte da atuação, ou seja, é a Academia premiando ela mesma.
DIRETOR - Alejandro Gonzalez-Iñarrítu tirou o Oscar que todos achavam que ficaria com Richard Linklater. É coerente com a escolha de melhor filme - nos dois últimos anos as duas categorias foram separadas na hora H - mas seria uma bela homenagem à ousadia de Linklater em fazer um filme tão especial quanto "Boyhood", mesmo porque ele já merecia um prêmio desde "Antes do amanhecer". No entanto, se levarmos em conta que Iñarrítu tem no currículo filmes com "Amores brutos" e "21 gramas", constataremos que o Oscar está em ótimas mãos.
ATOR - Como dito antes, a atuação de Eddie Redmayne é precisa e impecável, mas parece preguiçoso por parte da Academia premiar sempre aquele ator que mais se transformou fisicamente para seu trabalho. Nessa linha de raciocínio, o desempenho de Michael Keaton ao criar um personagem perigosamente perto de sua própria realidade sem deixar que as linhas sejam ultrapassadas me soa muito mais interessante. Além do mais, encher "Birdman" de estatuetas e deixar de lado quem é seu corpo e sua alma é bastante incoerente.
ATRIZ - Julianne Moore merecia o Oscar desde sua primeira indicação, por "Boogie nights", em 1998. De lá pra cá brindou o público com uma série de atuações brilhantes e até hoje ninguém podia acreditar que até Sandra Bullock tinha uma estatueta na prateleira e ela não. Este ano, com dois trabalhos irretocáveis - em "Mapas para as estrelas", que lhe premiou em Cannes, e "Para sempre Alice" - chegou finalmente a sua vez. Ganhou pela excelência da atuação, claro, mas também como reparação de um erro que nunca deveria ter sido cometido.
COADJUVANTES - Patricia Arquette e JK Simmons sempre foram favoritos às estatuetas de coadjuvantes, e, como tal, foram as apostas mais certas em suas categorias. Ela deu humanidade e unidade ao filme de Linklater e ele deixou de ser o chefe do Homem-aranha para tornar-se uma ator respeitado. Uma pena, porém, que Edward Norton, mais uma vez, ficou a ver navios.
ROTEIROS - "Birdman" sagrou-se vencedor em uma categoria de nomes fortes, mas é impossível negar que a escolha da Academia foi certeira. Quanto a "O jogo da imitação", houve divergências entre crítica, público e votantes. Porém, o roteiro de Graham Moore é bem escrito, forte e emocionante - e rendeu um dos melhores discursos de agradecimento do ano. Só isso - e o fato de ter chutado "Sniper americano" para seu devido lugar de coadjuvante - já é digno de nota.