BIRDMAN ou (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA)
Riggan Thompson (Michael Keaton) é o que pode-se chamar de um ex-astro: protagonista de uma série de três filmes onde interpretou um super-herói chamado Birdman, ele viu sua carreira entrar em decadência vertiginosa depois de ter recusado um quarto capítulo, há mais de vinte anos. Considerando-se um fracassado quase irrecuperável, ele resolve dar uma última cartada para retomar sua autoestima e conquistar o respeito da crítica e do público: escrever, dirigir, produzir e estrelar uma peça de teatro na Broadway. Sua insegurança, porém, ameaça a estreia do espetáculo, assim como a gama de personagens surreais que o rodeiam, como Mike Shiner (Edward Norton, sensacional como sempre), ator de métodos tradicionais que se considera superior à toda a equipe por ter construído sua carreira nos palcos e não nas telas, e a filha de Riggan, Sam (Emma Stone), que acaba de sair de uma clínica de reabilitação. Além dos problemas normais de uma produção teatral, o ídolo de uma geração de cinéfilos também precisa enfrentar a má-vontade pré-concebida da crítica e lidar com a voz do próprio Birdman - que surge como uma espécie de conselheiro invisível que o empurra adiante em suas ambições.
"Birdman" é uma festa para os olhos, os ouvidos e o cérebro da plateia. A fotografia de Emmanuel Lubezki integra-se à narrativa de forma tão orgânica que parece quase invisível diante dos ilusórios planos-sequência criados por Iñarrítu, que conduzem a plateia pelos corredores estreitos do teatro onde se passa a maior parte da ação apenas para culminar em um clímax de extrema poesia e força dramática. O roteiro - equilibrado com maestria entre o humor cáustico e o drama existencial de uma geração exposta ao nada admirável mundo novo da tecnologia que torna tudo vorazmente fugaz - soa como um bálsamo para um público acostumado a diálogos pobres e ginasiais. E as questões que discute - a prostituição da arte, o amor pelo teatro, a dicotomia prestígio/popularidade, a falta de sentido na fama pela fama - nunca foram tão prementes quanto hoje em dia, quando talento vem sendo mercadoria dispensável na fogueira das vaidades do sucesso instantâneo. Somados a tudo isso há ainda o elenco em dias de extrema inspiração: Michael Keaton, no papel de sua vida (literalmente), tem tudo para ganhar um Oscar de melhor ator, caso a Academia não se renda ao óbvio e homenageie Eddie Redmayne por sua caracterização de Stephen Hawking. E Edward Norton - duas vezes indicado anteriormente e duas vezes descaradamente roubado - tem o azar de encontrar JK Simmons pela frente: uma vitória sua seria surpreendente, mas jamais injusta.
Talvez uma parte do público - menos disposta a experiências que fujam do banal - rejeitem "Birdman" por sua estética, sua narrativa, seu tema. Mas provavelmente não seja essa parte da audiência que Alejandro Gonzalez Iñarrítu queira atingir com sua magistral fábula. Encantar-se com a inteligência e a sutileza de seu trabalho é privilégio de quem consegue sonhar acordado apesar dos pesares. "Birdman" é para quem tem a arte na alma.