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MANSON
Posted by Clenio
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LITERATURA
Não, não é preciso ter qualquer interesse por mentes perigosas ou relatos psicóticos para se ler "Manson", a biografia escrita por Jeff Guinn que conta a vida de uma das mais impactantes personalidades americanas do século XX. Charles Manson não foi um cientista que descobriu a cura de alguma doença, tampouco inventou alguma traquitana que tenha facilitado a vida contemporânea. Não ajudou os necessitados, muito menos encantou o mundo com sua arte. A fama de Manson - duradoura e surpreendentemente sólida - vem do mal. Vem daqueles recônditos da alma humana de que todos tem medo. Vem da fascinação que todos nós, queiramos ou não, temos pela violência, por aquilo que nos separa dos seres irracionais. Em pleno 1969 - quando os EUA estavam em meio à guerra do Vietnã e os conflitos raciais que explodiam em cada canto do país - um homem diminuto, quase insignificante, escancarou as feridas da América com uma série de crimes brutais e sem sentido (ao menos para os reles cidadãos normais) e conseguiu, com um dos julgamentos mais célebres da história, a fama que jamais atingiu com os dotes musicais que fantasiava ter. Fruto de um país problemático? Resultado de uma infância desregrada e solitária? Ou simplesmente um homem comum com um extraordinário senso de oportunidade cuja escalada de crimes apenas demonstra um caráter desvirtuado? São essas as respostas que Guinn dá ao leitor de seu magnífico livro, lançado no Brasil pela Editora Darkside.
Para quem não sabe quem é Charles Manson, pode-se dizer, a grosso modo, que ele foi o responsável por um dos crimes mais chocantes que a cidade de Los Angeles presenciou em sua história: em agosto de 1969, a atriz Sharon Tate, então casada com o cineasta Roman Polanski e grávida de oito meses, foi uma das vítimas de um massacre que também causou a morte de três amigos que estavam hospedados em sua casa - alugada de Terry Melcher, produtor musical e filho da atriz Doris Day e localizada em um bairro nobre e isolado da cidade - e de um amigo do jovem caseiro. Além da extrema violência do crime, outras características atiçaram a imaginação do público - que acompanhou a investigação como se estivesse assistindo a um empolgante porém apavorante seriado de TV - como o fato de palavras terem sido escritas com o sangue nas paredes e a descoberta de uma nova cena do crime cometido na noite seguinte, dessa vez vitimando um casal de classe média. Tido apenas como mais um hippie excêntrico em uma época repleta deles, Manson era o líder de um grupo que ele mesmo batizara como "A Família" - jovens desajustados e facilmente manipuláveis através de uma dieta generosa em drogas e sexo promíscuo - e tinha como maior objetivo na vida ganhar dinheiro fácil e fama através da música. Compositor medíocre, ele não conseguiu impressionar àqueles da indústria fonográfica - como o próprio Melcher e Dennis Wilson, da banda Beach Boys - e, dotado de uma mente tão distorcida quanto maquiavélica, forjou sua entrada na história às custas de sangue alheio.
Dominando seu grupo de fieis e fanáticos seguidores, Manson fez com que todos acreditassem cegamente em um absurdo apocalipse - ao qual deu o nome de "helter skelter" como a música dos Beatles lançada no famigerado "Álbum branco" - que seria deflagrado somente quando os negros se revoltassem com o status quo a ponto de exterminar os brancos para assumir o poder. Manipulando a todos com orgias de sexo e ácido, ele planejou com cuidado os assassinatos da mesma forma como organizava excursões a latas de lixo em busca de comida e tentativas de extorsão junto a todos aqueles que tinham o azar de dar-lhe um mínimo de atenção. Praticamente um gênio do mal, Manson utilizava tanto os Beatles quanto a Bíblia para enriquecer sua retórica psicótica e conduzir sua "família" a realizar, em seu nome, todos os atos vis, egoístas e criminosos que lhe deram o status, por vias tortuosas, de celebridade.
Ao contrário do sensacional "Helter skelter", escrito por Vincent Bugliosi, promotor do caso Manson - e infelizmente esgotado há anos no mercado editorial brasileiro, que serviu de consulta à publicação da Darkside e é um complemento saboroso a ela - a biografia de Jeff Guinn não se dedica apenas ao julgamento em si, que ocupa os dois últimos capítulos do livro: o jornalista investigativo que já escreveu uma obra também sobre Bonnie & Clyde entrevistou familiares de Charlie, desvendando sua infância e adolescência com riqueza de detalhes, além de examinar sua trajetória rumo à marginalidade sob a ótica de seu tempo, um período turbulento que, de certa forma, permitiu a ele que construísse sua mórbida mitologia. Ler o livro de Guinn é, mais do que tentar entender Charles Manson, mergulhar em uma época que caminhava no limite tênue da ideologia "paz e amor" dos hippies e da beligerância oca da guerra do Vietnã, entre as conquistas feministas e as lutas pelos direitos civis dos negros, entre Woodstock e Watergate, entre o glamour de Hollywood e a decadência nada discreta de suas sarjetas. Guinn abre a caixa de Pandora de um país em conflito com sua própria identidade e dela tira uma de suas maiores aberrações, um homem tão misteriosamente hipnotizante que, mesmo hoje, 45 anos depois de ter surgido no horizonte da crônica policial, ainda é capaz de despertar interesse.
Ilustrado ainda com fotos raras, que mostram Charlie ainda criança e adolescente - além de outras imagens de suas seguidoras e da vítima Sharon Tate - "Manson" é um livro por vezes brutal, mas sempre instigante. Uma leitura envolvente e imperdível.
Para quem não sabe quem é Charles Manson, pode-se dizer, a grosso modo, que ele foi o responsável por um dos crimes mais chocantes que a cidade de Los Angeles presenciou em sua história: em agosto de 1969, a atriz Sharon Tate, então casada com o cineasta Roman Polanski e grávida de oito meses, foi uma das vítimas de um massacre que também causou a morte de três amigos que estavam hospedados em sua casa - alugada de Terry Melcher, produtor musical e filho da atriz Doris Day e localizada em um bairro nobre e isolado da cidade - e de um amigo do jovem caseiro. Além da extrema violência do crime, outras características atiçaram a imaginação do público - que acompanhou a investigação como se estivesse assistindo a um empolgante porém apavorante seriado de TV - como o fato de palavras terem sido escritas com o sangue nas paredes e a descoberta de uma nova cena do crime cometido na noite seguinte, dessa vez vitimando um casal de classe média. Tido apenas como mais um hippie excêntrico em uma época repleta deles, Manson era o líder de um grupo que ele mesmo batizara como "A Família" - jovens desajustados e facilmente manipuláveis através de uma dieta generosa em drogas e sexo promíscuo - e tinha como maior objetivo na vida ganhar dinheiro fácil e fama através da música. Compositor medíocre, ele não conseguiu impressionar àqueles da indústria fonográfica - como o próprio Melcher e Dennis Wilson, da banda Beach Boys - e, dotado de uma mente tão distorcida quanto maquiavélica, forjou sua entrada na história às custas de sangue alheio.
Dominando seu grupo de fieis e fanáticos seguidores, Manson fez com que todos acreditassem cegamente em um absurdo apocalipse - ao qual deu o nome de "helter skelter" como a música dos Beatles lançada no famigerado "Álbum branco" - que seria deflagrado somente quando os negros se revoltassem com o status quo a ponto de exterminar os brancos para assumir o poder. Manipulando a todos com orgias de sexo e ácido, ele planejou com cuidado os assassinatos da mesma forma como organizava excursões a latas de lixo em busca de comida e tentativas de extorsão junto a todos aqueles que tinham o azar de dar-lhe um mínimo de atenção. Praticamente um gênio do mal, Manson utilizava tanto os Beatles quanto a Bíblia para enriquecer sua retórica psicótica e conduzir sua "família" a realizar, em seu nome, todos os atos vis, egoístas e criminosos que lhe deram o status, por vias tortuosas, de celebridade.
Ao contrário do sensacional "Helter skelter", escrito por Vincent Bugliosi, promotor do caso Manson - e infelizmente esgotado há anos no mercado editorial brasileiro, que serviu de consulta à publicação da Darkside e é um complemento saboroso a ela - a biografia de Jeff Guinn não se dedica apenas ao julgamento em si, que ocupa os dois últimos capítulos do livro: o jornalista investigativo que já escreveu uma obra também sobre Bonnie & Clyde entrevistou familiares de Charlie, desvendando sua infância e adolescência com riqueza de detalhes, além de examinar sua trajetória rumo à marginalidade sob a ótica de seu tempo, um período turbulento que, de certa forma, permitiu a ele que construísse sua mórbida mitologia. Ler o livro de Guinn é, mais do que tentar entender Charles Manson, mergulhar em uma época que caminhava no limite tênue da ideologia "paz e amor" dos hippies e da beligerância oca da guerra do Vietnã, entre as conquistas feministas e as lutas pelos direitos civis dos negros, entre Woodstock e Watergate, entre o glamour de Hollywood e a decadência nada discreta de suas sarjetas. Guinn abre a caixa de Pandora de um país em conflito com sua própria identidade e dela tira uma de suas maiores aberrações, um homem tão misteriosamente hipnotizante que, mesmo hoje, 45 anos depois de ter surgido no horizonte da crônica policial, ainda é capaz de despertar interesse.
Ilustrado ainda com fotos raras, que mostram Charlie ainda criança e adolescente - além de outras imagens de suas seguidoras e da vítima Sharon Tate - "Manson" é um livro por vezes brutal, mas sempre instigante. Uma leitura envolvente e imperdível.