1
OLHOS GRANDES
Posted by Clenio
on
20:59
in
CINEMA 2015
De vez em quando um diretor consagrado por um determinado estilo de cinema resolve virar a mesa e lançar um trabalho que destoe de sua carreira, até mesmo para mostrar que seu talento não se resume a um samba de uma nota só. Foi assim que David Lynch lançou seu belo "História real" (99), que fugia de suas alucinações oníricas, Martin Scorsese surpreendeu com o zen "Kundun" (97), que abandonava os gângsters para retratar a vida de um Dalai Lama e até James Cameron, que substituiu as explosões de seus filmes de ficção científica para contar uma trágica história de amor em "Titanic" (97). Talvez tenha sido essa a razão que levou Tim Burton a assinar "Olhos grandes", uma delicada história real que muito pouco lembra a obra do homem que legou ao cinema obras no mínimo excêntricas como "Os fantasmas se divertem" (88), "Edward Mãos de Tesoura" (90) e as versões psicodélicas de "A fantástica fábrica de chocolate" (05) e "Alice no país das maravilhas" (10). Porém, para sorte do público que há algum tempo espera um filme realmente bom de Burton - já que "Sombras do mal", seu trabalho mais recente em live action, lançado em 2012, está longe de ser um de seus melhores - sua visão da trajetória da artista plástica Margaret Keane revela que, por debaixo da excentricidade do diretor existe um cineasta também preocupado em contar uma história de forma clássica, sem apelar exageradamente à forma.
A bem da verdade não é a primeira vez que Burton trabalha em registro delicado. Foi com essa mesma leveza e carinho que ele tratou "Ed Wood" (95), a biografia do pior diretor da história do cinema, e "Peixe grande" (03), que lançava mão da fantasia de maneira sutil e poética - sintomaticamente os dois melhores filmes de sua carreira. Dessa vez, no entanto, ele vai ainda mais longe no desapego a suas características mais fortes, evitando que qualquer traço maior de sua personalidade transpareça na tela. É certo que algumas sequências ainda lembram o Burton de sempre, principalmente com o uso inteligente das cores e da composição visual, mas é a forma contida de narração que mais surpreende no resultado final. "Olhos grandes" é um filme discreto e simples como as telas de sua protagonista, mas, assim como elas, jamais desprovido de alma.
Mais do que um filme sobre os bastidores do mundo das artes plásticas e mais sobre a turbulenta relação entre a pintora Margaret Keane e seu segundo marido, o também pintor Walter Keane - que lhe deu um sobrenome e em troca explorou seu talento por anos a fio, assumindo a autoria de seus quadros mais famosos e valorizados, que sempre retratavam crianças com olhos maiores do que o normal - "Olhos grandes" tem como seu maior mérito a interpretação superlativa de Amy Adams, uma grande atriz em um momento especial da carreira. Preenchendo os silêncios de Margaret com uma vasta gama de emoções transmitidas apenas com o olhar, Adams justifica plenamente o Golden Globe de melhor atriz em comédia ou musical que arrebatou este ano - e deixa ainda mais inexplicável sua ausência na lista das indicadas ao Oscar. Se Christoph Waltz vem se repetindo perigosamente em suas interpretações - sempre a um passo do overacting mesmo quando não é apropriado - Adams dribla a quase apatia da personagem injetando nela uma verdade impossível de ignorar.
Mesmo que o roteiro burocrático - escrito pelos mesmos Larry Alexander e Scott Karaszewski das cinebiografias "O povo contra Larry Flynt" (96), "O mundo de Andy" (99) e o próprio "Ed Wood" - impeça "Olhos grandes" de ser um grande filme, é impossível negar que Tim Burton deu um passo à frente em sua carreira, explorando novas possibilidades e fugindo da armadilha que ele mesmo criou ao atrelar-se a um estilo de cinema que a cada trabalho parecia mais e mais restrito a seu universo particular. Sua coragem em sair da zona de conforto é louvável. E felizmente para os fãs de bom cinema, seu novo filme também o é.
A bem da verdade não é a primeira vez que Burton trabalha em registro delicado. Foi com essa mesma leveza e carinho que ele tratou "Ed Wood" (95), a biografia do pior diretor da história do cinema, e "Peixe grande" (03), que lançava mão da fantasia de maneira sutil e poética - sintomaticamente os dois melhores filmes de sua carreira. Dessa vez, no entanto, ele vai ainda mais longe no desapego a suas características mais fortes, evitando que qualquer traço maior de sua personalidade transpareça na tela. É certo que algumas sequências ainda lembram o Burton de sempre, principalmente com o uso inteligente das cores e da composição visual, mas é a forma contida de narração que mais surpreende no resultado final. "Olhos grandes" é um filme discreto e simples como as telas de sua protagonista, mas, assim como elas, jamais desprovido de alma.
Mais do que um filme sobre os bastidores do mundo das artes plásticas e mais sobre a turbulenta relação entre a pintora Margaret Keane e seu segundo marido, o também pintor Walter Keane - que lhe deu um sobrenome e em troca explorou seu talento por anos a fio, assumindo a autoria de seus quadros mais famosos e valorizados, que sempre retratavam crianças com olhos maiores do que o normal - "Olhos grandes" tem como seu maior mérito a interpretação superlativa de Amy Adams, uma grande atriz em um momento especial da carreira. Preenchendo os silêncios de Margaret com uma vasta gama de emoções transmitidas apenas com o olhar, Adams justifica plenamente o Golden Globe de melhor atriz em comédia ou musical que arrebatou este ano - e deixa ainda mais inexplicável sua ausência na lista das indicadas ao Oscar. Se Christoph Waltz vem se repetindo perigosamente em suas interpretações - sempre a um passo do overacting mesmo quando não é apropriado - Adams dribla a quase apatia da personagem injetando nela uma verdade impossível de ignorar.
Mesmo que o roteiro burocrático - escrito pelos mesmos Larry Alexander e Scott Karaszewski das cinebiografias "O povo contra Larry Flynt" (96), "O mundo de Andy" (99) e o próprio "Ed Wood" - impeça "Olhos grandes" de ser um grande filme, é impossível negar que Tim Burton deu um passo à frente em sua carreira, explorando novas possibilidades e fugindo da armadilha que ele mesmo criou ao atrelar-se a um estilo de cinema que a cada trabalho parecia mais e mais restrito a seu universo particular. Sua coragem em sair da zona de conforto é louvável. E felizmente para os fãs de bom cinema, seu novo filme também o é.