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INQUIETOS

Posted by Clenio on 18:47 in
Ele se chama Enoch Brae e, órfão de pai e mãe por obra de um desastre de automóvel que o deixou em coma por três meses, tem por hábito frequentar funerais de desconhecidos como forma inconsciente de exorcisar sua constante melancolia. Ela é Annabel Cotton, uma jovem inteligente, sensível e etérea que, apesar da pouca idade já tem os dias contados devido a um tumor cerebral incurável. Um belo dia eles se encontram em um velório e tornam-se amigos. Ela não questiona o fato do rapaz conversar com o fantasma de um piloto kamikaze morto em ação e ele aceita pacificamente a ideia de que a vida de sua melhor amiga tem data para acabar. Aos poucos a relação entre os dois ultrapassa os limites da amizade e eles se apaixonam, mesmo sabendo que sua história de amor está fadada à tristeza.

Se o breve resumo da sinopse do novo filme do outrora transgressor Gus Van Sant - que depois de empolgar a crítica com seus "Drugstore Cowboy" e "Garotos de Programa" foi engolido pela máquina hollywoodiana a ponto de concorrer duas vezes ao Oscar - lhe fez descartá-lo, pense mais um pouco. Apesar da premissa um tanto deprê, "Inquietos" é um sensível e delicado drama romântico que não apela para o chororô melodramático. Contado de forma suave e poética, é, talvez, a melhor e mais singela história de amor contada pelo cinema neste ano de 2011, dotada de uma pureza juvenil cada vez mais rara nesse cínico século XXI.

Embalado pela doce trilha sonora de Danny Elfman, "Inquietos" não é apenas a trágica história de dois jovens que lidam com a morte de maneira estoica (cada um a seu jeito): é principalmente uma ode à vida, uma homenagem aos pequenos momentos, a cada sorriso, a cada toque, a cada pingo de chuva. Apesar de estarem em um momento crucial e devastador de suas vidas, Enoch e Annabel não encontram tempo para lamentos e lágrimas. Jovens e quase pueris em sua paixão, eles preferem utilizar o tempo que lhes resta juntos da maneira mais positiva possível (e nem mesmo planejar seu funeral tira o bom humor da garota, vivida com uma encantadora sutileza por Mia Wasikowska). O romance entre os dois não soa artificial nem urgente, surgindo passo a passo, de maneira gradual e verdadeira e conquista a audiência principalmente por sua inocência, representada de maneira apaixonante por sua dupla central.

Se Mia Wasikowska já tem um currículo respeitável apesar da pouca idade - já foi vista em "Alice no País das Maravilhas" e "Minhas Mães e Meu Pai", só para citar os mais conhecidos - o novato Henry Hopper (filho do saudoso Dennis) faz uma auspiciosa estreia na pele do inseguro, tímido e desconfortável Enoch. Dono de traços delicados, o jovem Hopper transmite com facilidade as nuances de sua personagem, ainda que esteja longe de ser um ator admirável (o que ele pode se tornar com o tempo, como demonstra aqui). A química entre os dois é formidável e é difícil não se deixar emocionar com algumas de suas cenas, principalmente devido à naturalidade de suas atuações e a seu final arrebatador (que felizmente abdica das lágrimas fáceis).

"Inquietos" pode até não ser criativo e ousado como os primeiros filmes de Gus Van Sant, mas é um alívio perceber que seus tempos de "Encontrando Forrester" parecem ter ficado definitivamente para trás.

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AS CANÇÕES

Posted by Clenio on 08:37 in
Se não houvesse músicas, como as pessoas se lembrariam de partes de sua vida? Essa é a questão levantada por Queimado, um dos participantes do belo documentário "As canções", dirigido pelo experiente Eduardo Coutinho e de certa forma é uma razão para que o filme tenha sido feito: com seu talento incomum de arrancar de seus entrevistados depoimentos emocionantes e verdadeiramente humanos, Coutinho apresenta ao público 18 histórias comoventes sobre amor, tendo como elo de ligação o fato de todas terem uma canção-tema. São pessoas desconhecidas, simples e muitas vezes sem maiores instruções que dão um show de sinceridade e até bom-humor em certos casos. Mais uma vez o cineasta veterano de "Cabra marcado para morrer" acerta em cheio.

A estrutura de "As canções" lembra um pouco a de "Jogo de cena", brilhante documentário que contou com Andrea Beltrão, Marília Pêra e Fernanda Torres, entre outras: o entrevistado entra em um cenário escuro, sem nada mais do que uma cadeira e conta sua história, intercalando-a com a música que a marcou. Desfilam pela tela histórias trágicas e felizes, entre maridos e esposas, entre pai e filho, entre amantes... Em todas elas existe o elemento da paixão, do arrependimento, do amor quase irracional. Em todas elas a audiência se reconhece (se não ao todo ao menos em parte). Em todas elas o ser humano (material de supremo interesse do documentarista) é o astro central, dividindo o palco com sua trilha sonora particular. Em todas elas há aquilo que faz da obra de Coutinho tão especial: seu carinho pelo ser humano.

Característica central da filmografia de Eduardo Coutinho, sua paixão pelas pessoas fica patente em "As canções": enquanto suas "personagens" estão em cena é difícil não se envolver, não ser tocado, não compreender cada história, por mais distante que esteja do universo do espectador. Tudo é responsabilidade da capacidade do diretor em despertar a confiança absoluta do interlocutor, que sente-se como em um terapeuta. Lágrimas são constantes nos depoimentos, mas  ninguém parece se incomodar com esse devassar sentimental. Todos estão ali para dividir suas experiências. E esse jogo de compartilhamento de vida é arrebatador. Entre as músicas de Roberto Carlos, Jorge Benjor e Noel Rosa que são trilha sonora de vidas de gente como a gente, fica a certeza de que o amor não escolhe sexo, classe social ou idade para aparecer e fazer seus estragos. E é isso que faz de "As canções" um filme tão especial e caloroso. Imperdível!

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NOITE DE ANO-NOVO

Posted by Clenio on 11:22 in
Aproveitar datas comemorativas como pretexto para realizar filmes - e consequentemente ganhar dinheiro aproveitando o marketing gratuito que isso gera - é uma espécie de tradição em Hollywood. Mas se até recentemente apenas filmes de terror apelavam para o calendário em busca de ideias - vide as séries "Sexta-feira 13" e "Halloween" e o tenebroso "11/11/11" deste ano - ultimamente um outro gênero vem se apropriando do conceito. Aliás, mais precisamente um cineasta: Garry Marshall, que em 1990 deu a Julia Roberts sua grande chance para o estrelato em "Uma linda mulher". Ano passado ele lançou "Idas e vindas do amor", uma comédia romântica que foi execrada quase unanimemente a despeito de seu elenco milionário - que incluía a própria Roberts, assim como Bradley Cooper, Ashton Kutscher, Kathy Bates, Anne Hathaway e Jamie Foxx. No entanto, apesar das críticas negativas, o filme rendeu mais de 200 milhões de dólares mundo afora, o que encorajou o cineasta a partir para uma espécie de segundo capítulo de sua saga "romântico/comemorativa". "Noite de ano-novo" chegou aos cinemas americanos no dia 5 de dezembro e, como era de se esperar, foi novamente massacrado pela crítica.

Utilizando-se do artifício que fez a glória de Robert Altman - contar várias histórias paralelas de personagens aparentemente sem conexão alguma - "Noite de ano-novo" segue rigidamente a fórmula do filme anterior de Marshall, mesclando tramas engraçadinhas, dramáticas e românticas sem dar atenção especial a nenhuma delas (e consequentemente superficializando todas as relações mostradas, inclusive aquelas que poderiam render muito mais). Além disso, o cineasta insiste em tentar atingir públicos de todas as idades, pondo lado a lado atores respeitados e/ou oscarizados (Robert DeNiro, Michelle Pfeiffer, Hale Berry e Hilary Swank) e jovens promessas/ídolos adolescentes (Abrigail Breslin, Zac Efron, Lea Michelle). Para completar o elenco, figurinhas fáceis do gênero, como Katherine Heigl, Sarah Jessica Parker e Josh Duhamel e seu ator-fetiche, Hector Elizondo. Soma-se à receita uma trilha sonora moderna, histórias que não machucam ninguém e uma espécie de lição de moral a respeito de amor e perdão e o bolo está pronto. A questão é: esse bolo tão repleto de ingredientes deu liga?

É lógico que "Noite de ano-novo" está a anos-luz de filmes do mesmo estilo como o delicioso "Simplesmente amor", mas tampouco é algo a ser desprezado totalmente. Apesar de ser dramaticamente falho, consegue ser simpático a maior parte do tempo (inclusive quando obriga a plateia a escutar Jon Bon Jovi) e, mesmo que algumas das relações mostradas na tela não cheguem a convencer a plateia (principalmente pelo pouco tempo disponível para desenvolvê-las) não deixa de ser um alívio perceber que nem só de desenhos animados vive o cinema americano nessa época de festas. "Noite de ano-novo" cumpre o que promete (entreter sem compromisso), mas nunca vai além disso. Pode divertir aos menos exigentes.

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AQUELE COM OS MELHORES MOMENTOS...

Posted by Clenio on 08:31 in ,
Tem sorte quem tem dinheiro. Tem mais sorte ainda quem tem talento. Todos que tem saúde, beleza e inteligência são ainda mais abençoados. Mas sorte mesmo, daquelas que se deve agradecer todos os dias (para Deus, para o universo, para o que for) tem quem tem amigos de verdade. Não amigos para festas e gargalhadas, mas também para aqueles momentos negros onde o fim do mundo parece ser a única opção. Sendo assim, posso me sentir privilegiado, porque tenho (alguns e poucos, mas fiéis) bons amigos. E entre eles, encontra-se uma em especial, que, ano após ano foi conquistando um lugar de honra dentro do mundo um tanto caótico deste que vos escreve. Sim, Candy, este post é pra você....

Difícil é, dentre tantas ocasiões especiais que dividimos, escolher apenas um para representar o quanto nos divertimos por aí (e sofremos também, porque somos humanos acima de tudo...). Seria preciso um episódio especial duplo, algo intitulado "Aquele com os melhores momentos", onde o público teria que ver nossas aventuras em um curso de teatro, nossas sessões de "Imagem & Ação" (que ela transforma, ao seu estilo Monica Geller, em "Ação & Ação"), nossos porres domésticos, nossas tentativas de convencer os outros de que nosso souflé de chuchu é uma delícia (e acreditem ele é), nossas noites falando mal dos desafetos, nossas caminhadas pra emagrecer e nossos longos debates sobre religião e "Six feet under".

O episódio especial também teria que, necessariamente, incluir a ajuda que ela me deu na mudança de apartamento (sejamos justos, ela e o Valdir), a carona do aeroporto (em quase nos perdemos e fomos parar no litoral), minhas tentativas de convencê-la a gostar de Alanis Morissette e Marisa Monte (um dia ainda rola...), o ombro sempre pronto a aguentar minhas depressões amorosas, profissionais e existenciais, as histórias bizarras sobre o ambiente de trabalho que dividimos e a paixão por Gwyneth Paltrow e "Friends". Isso tudo sem falar na quantidade de vezes que ela desafia meu medo de cachorro e meus conhecimentos cinematográficos ("sabe o filme aquele, com a atriz aquela que foi casada com aquele outro ator?")

Candy é uma amiga de ouro, presente nos bons e maus momentos (e um dia seremos padrinhos de casamento um do outro). Juntos nós já rimos, já choramos, já dançamos, já nos embedemados, já pegamos lotação de madrugada e já odiamos a mesma pessoa. Mas o melhor de tudo é saber que ainda há muito que ainda não vivemos e que certamente iremos viver juntos, como bons e fiéis amigos. Sabe, até que realmente tenho sorte...

Happy birthday, baby!

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O GAROTO DA BICICLETA

Posted by Clenio on 20:45 in
Dá até medo de pensar o que um cineasta-padrão de Hollywood poderia fazer com um filme com esta premissa: menino abandonado pelo pai é deixado em um orfanato e é resgatado por uma cabeleireira solteira que tenta dar a ele um lar e carinho, mas que percebe que o senso de auto-destruição do garoto pode impedí-los de manter uma relação saudável. Nas mãos de um diretor qualquer, mais preocupado com o dinheiro e os Oscar que tal filme poderia render, nasceria mais um intragável dramalhão lacrimoso e piegas. Porém, para sorte de todo mundo, "O garoto da bicicleta" não é americano e sim um belo filme belga dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, que tem em mãos uma Palma de Ouro do Festival de Cannes graças a seu "A criança", de 2005.

No Festival de Cannes deste ano "O garoto da bicicleta" também não saiu de mãos vazias, tendo levado o Grande Prêmio do Júri, o que apenas reitera a qualidade do cinema dos dois irmãos que, de maneira sensível e discreta, contam histórias humanas e que revestem de delicadeza temas complicados e espinhosos como gravidez na adolescência e a delinquência juvenil. Suas personagens são complexas, com atitudes nem sempre louváveis mas frequentemente perdoáveis, o que as aproxima da plateia de maneira sutil mas definitiva. Não é a intenção de sua filmografia dar soluções e justificativas e sim emocionar e tocar o público naquilo que ele tem de mais honesto: os sentimentos.

É nítido, em "O garoto da bicicleta", que o olhar dos cineastas/roteiristas é apenas isso, um olhar. Sem julgamento de espécie alguma, eles apenas mostram ao espectador um momento crucial na vida do menino Cyrill Catoul (o ótimo Thomas Doret), que, rejeitado abertamente pelo pai e órfão de mãe, tem problemas para lidar com a violência que tem dentro de si. Carente e infeliz, ele tem a chance de encontrar amor e um lar confortável quando Samantha (Cécile De France), dona de um salão de beleza, tem a ideia de ficar com ele nos finais de semana, proporcionando-lhe tranquilidade e paz. No entanto, Cyrill não sabe lidar com carinho desinteressado e se envolve com um jovem traficante de drogas, o que pode lhe afastar de vez de uma vida distante das ruas e de um futuro trágico.

É admirável a forma com que Jean-Pierre e Luc Dardenne fogem das inúmeras armadilhas nas quais poderiam cair em seu filme. "O garoto da bicicleta" não tem intenção de passar lições de moral nem tampouco o objetivo de emocionar com golpes baixos. A relação entre Cyrill e Samantha é mostrada com naturalidade e os caminhos que ela segue jamais penetram no perigoso terreno do sentimentalismo barato, ainda que em determinados momentos seja difícil não se comover com a dificuldade do protagonista mirim em se deixar entregar ao amor oferecido. Esse compromisso com a realidade é o maior trunfo da obra, uma pequena pérola de simplicidade e calor humano cujo final refrescante não deixa de ser um alívio e uma esperança.

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UM DIA

Posted by Clenio on 23:45 in
Parafraseando Nelson Rodrigues, "envergonha-me estar aqui proclamando o óbvio", mas, ao assistir-se à adaptação para o cinema de um livro querido é preciso estar perfeitamente ciente de que é virtualmente impossível ficar totalmente satisfeito. Isso acontece com uma raridade impressionante. Aconteceu com "As horas", magistral transição do romance de Michael Cunninhgam por Stephen Daldry em 2002. Aconteceu de novo em 2007 com "Desejo e reparação", que Joe Wright dirigiu com base no espetacular drama literário de Ian McEwan. Mas infelizmente não aconteceu com "Um dia", que a dinamarquesa Lone Scherfig assina depois do êxito de seu "Educação", que ano passado chegou a concorrer ao Oscar de Melhor Filme. Tudo bem, o livro de David Nicholls não é uma obra-prima como os citados trabalhos de Cunningham e McEwan, mas é uma leitura deliciosa, ágil, comovente,engraçada e inteligente como poucas conseguem ser. E sua versão em celulóide pode até não ser um filme que vá ganhar estatuetas a granel, mas tem uma honestidade e uma simpatia tão grandes que é difícil não relevar seus pecadilhos.

Ao acompanhar vinte anos na vida de um casal de amigos que se conhece na formatura da faculdade - e que nunca deixam de se falar, escondendo até deles mesmos a paixão que sentem um pelo outro - o roteiro de David Nicholls falha ao fazer um inventário de sonhos despedaçados, relacionamentos frustrados e outras tantas decepções pelas quais todos passamos. Enquanto no livro tudo é emocionante e frequentemente hilariante devido à prosa esperta do autor, no filme as coisas acontecem com uma velocidade tão grande que muitas vezes os protagonistas não conseguem atingir o grau de realismo e densidade necessários. Logicamente é preciso muito malabarismo para condensar duas décadas em pouco mais de cem minutos de projeção, mas a pressa com que o roteiro passa por momentos cruciais das personagens - em especial quando eles finalmente começam a amadurecer - acaba prejudicando sua complexidade, deixando-os quase como duas personagens clichê de comédias românticas, o que - e quem leu o livro sabe disso - não pode estar mais longe da verdade.

Dexter Mayhew (vivido com graça e carisma por Jim Sturgess) e Emma Morley (interpretada pela linda e talentosa Anne Hathaway) são apaixonantes. Ele é sedutor, imaturo, no limite do egocentrismo. Ela é inteligente, ambiciosa e idealista. Eles passam a noite juntos no dia 15 de julho de 1988 e prometem ser amigos. Ele torna-se apresentador de um programa ruim de TV, envolve-se com drogas, mulheres e um certo tipo nocivo de fama. Ela vira garçonete, inicia um relacionamento com um aspirante a humorista mas jamais desiste de ser uma escritora. Eles nunca deixam de se falar. Mas são incapazes de perceber que se amam (ou pelo menos escondem esse sentimento tão fundo que desenterrá-lo pode trazer mais dor do que felicidade). Até que um dia...

Os românticos irão se deliciar com "Um dia". É um filme lindamente fotografado, com uma bela trilha sonora de Rachel Portman, dirigido com sensibilidade e leveza e repleto de um clima de delicadeza que se torna patente quando o roteiro permite que Sturgess brilhe com seu perdido Dexter (em especial em suas cenas com o ótimo Ken Stott, que interpreta seu pai) ou com sua química com Hathaway (ainda que ela esteja aquém das possibilidades mostradas em filmes como "O casamento de Rachel" ou até mesmo em "Amor e outras drogas"). É uma história de amor que emociona por tratar de pessoas de verdade e por fugir (dentro de suas possibilidades) de um final previsível. Quem leu o livro vai dizer (com razão) que poderia ser melhor. Mas ainda assim é um belo programa para os fãs do gênero e tem tudo para tornar-se cult com o passar dos anos.

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A CHAVE DE SARAH

Posted by Clenio on 11:54 in
A princípio, "A chave de Sarah" parece ser só mais um daqueles dramas que exploram o Holocausto judeu e que buscam a simpatia (e os Oscar) da Academia de Hollywood. No entanto, um olhar mais atento percebe que o filme do cineasta francês Gilles Paquet-Brenner tem mais a oferecer do que simplesmente cenas chocantes das crueldades cometidas com a desculpa da guerra - aliás, o filme é bastante discreto em relação a isso, preferindo não detalhar as atrocidades que todo mundo já conhece (e que o cinema não cansa de mostrar). A adaptação para o cinema do livro de Tatiana De Rosnay opta pelo lado emocional da situação, concentrando-se em uma trajetória individual (ou duas, dependendo do ponto de vista) ao invés de uma catarse coletiva. E tem como seu maior trunfo a atuação excelente de Kristin Scott-Thomas, cada vez mais se firmando como uma das maiores atrizes em atividade.

Scott-Thomas interpreta Julia Jarmond, uma jornalista americana que vive em Paris com o marido arquiteto e a filha pré-adolescente. Quando o filme começa, eles estão em vias de mudar-se para o antigo apartamento da família dele, um lugar amplo e bem localizado, mas carente de uma boa reforma. Enquanto a nova moradia não fica pronta, Julia se dedica a uma reportagem a respeito das centenas de judeus franceses expulsos de suas propriedades em julho de 1942 para ficarem presos em um velódromo até serem transferidos para campos de concentração (em um episódio pouco conhecido inclusive pelos franceses até o governo de Jaques Chirac, nos anos 90). Ela então descobre, atônita, que a casa para onde irá se mudar pertenceu a uma dessas famílias. Mesmo contra a vontade do sogro - que conhece toda a trágica história do apartamento - Julia vai atrás daquela que parece ser a única sobrevivente da família, uma mulher chamada Sarah Starzynski.

O roteiro de "A chave de Sarah" se alterna entre as investigações de Julia - tornadas ainda mais interessantes quando ela se descobre grávida sem contar com o apoio do marido - e os acontecimentos da vida da pequena Sarah (vivida pela ótima Mélusine Mayance), desde o momento em que é obrigada a abandonar sua casa juntamente com os pais (uma cena tensa que dá origem a todo o poderoso drama posterior) até seu melancólico desfecho (passando pelo chocante reencontro com o irmão que deixou trancado no armário de casa no momento da invasão). A edição enxuta de Hervé Schneid (que assinou o cultuado "O fabuloso destino de Amélie Poulain") também traduz o desejo do cineasta em manter um tom sóbrio, neutro e o mais distante possível de sentimentalismos forçados. A confiança do diretor em seu material é tanta que ele nem mesmo perde tempo (aplausos a ele) em mostrar cenas explícitas de violência física a não ser quando se faz estritamente necessário - e mesmo assim de maneira discreta mas eficaz. É na delicadeza de sua direção e nos olhares de suas atrizes centrais que se encontra toda a grandeza do filme.

Mesmo que não seja o melhor filme do gênero - e o final um tantinho clichê nem chega a incomodar - "A chave de Sarah" é um belo drama adulto, sério e realizado longe dos estúdios de Hollywood (o que já lhe dá uma certa confiabilidade artística um pouco maior). É emocionante sem ser piegas, é realista sem ser chocante e ainda por cima dá mais uma chance ao talento de Kristin Scott-Thomas e traz de volta às telas o sumido e ainda bom ator Aidan Quinn (na pele do filho de Sarah). Merece ser conferido!

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MEDIANERAS

Posted by Clenio on 20:53 in
Em um conto do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu cujo nome não me recordo agora, duas personagens que não se conhecem mas que são nitidamente almas gêmeas cruzam uma pela outra em uma rua qualquer e não se reconhecem, não trocando nem ao menos duas palavras. Pois foi esse conto genial de Caio que me veio à cabeça enquanto assistia à "Medianeras", mais um excelente exemplo do cinema argentino a aportar no Brasil.  A diferença entre o conto e o filme é que, enquanto nas páginas poéticas de Abreu a solidão acaba saindo vencedora, nas imagens do roteirista e cineasta Gustavo Taretto o amor e a esperança é que são vitoriosos.

Os dois protagonistas de "Medianeras" são bastante solitários e um tanto quanto complicados. Martin (Javier Drolas) é um criador de websites que vive isolado em um apartamento minúsculo de Buenos Aires, tendo a companhia apenas da cachorrinha que herdou de um namoro interrompido. Hipocondríaco e praticamente um misantropo, ele baseia suas relações praticamente através da Internet. Já Mariana (Pilar López de Ayala) acaba de sair de um relacionamento frustrante de quatro anos e não se sente pronta para recomeçar a vida, preferindo a companhia dos manequins plásticos que fazem parte de seu trabalho como vitrinista (uma vez que a carreira de arquiteta ficou apenas no diploma). Tanto um quanto o outro sentem que a solidão não é exatamente um caminho saudável a seguir, mas também são incapazes de lidar com o mundo a seu redor. Ele só compra, ouve música, vê filmes e se relaciona através do computador. Ela se sente perdida no mundo, procurando algo que nem mesmo sabe o que é, em um interessante paralelo com os livros infantis "Onde está Wally?" ("se não encontro nem mesmo alguém que eu sei exatamente quem é, como poderei encontrar alguém que eu nem conheço?", ela se pergunta, frustrada). O que eles não sabem, porém, é que são vizinhos, que moram na mesma rua, e que várias vezes se cruzaram pelas calçadas, sem perceber um ao outro.

"Medianeras" é um estudo sobre solidão, sobre as benesses e os problemas de tecnologia (que afasta as pessoas enquanto deveria uní-las), sobre o crescimento desenfreado das grandes cidades, sobre as dificuldades humanas em se comunicar. Mas, ao contrário do que pode parecer, não é um drama pesado e denso, capaz de estragar o humor do espectador. Taretto cria, em seu roteiro, uma sucessão de cenas agradáveis, equilibrando alguns momentos de graças sutil com outros da mais pura e honesta melancolia. Sua forma criativa de contar a história de amor entre Martin e Mariana ainda encontra espaço para digressões filosóficas pertinentes e jamais aborrecidas, que questiona principalmente a vida nos grandes centros - que isola e oprime seus cidadãos - e a aparente impossibilidade de uma felicidade real.

Mas, acima de tudo, "Medianeras" é um belo filme sobre a esperança e sobre como a felicidade pode estar ao alcance dos olhos quando se presta atenção a seu redor. E além do mais, é impossível não se encantar com um filme que homenageia explicitamente "Manhattan", um Woody Allen dos melhores. É de sair do cinema com um largo sorriso estampado no rosto.

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TODA FORMA DE AMOR

Posted by Clenio on 14:55 in
O nome Mike Mills talvez não diga nada mesmo a quem é fã inveterado de cinema. Seu primeiro longa, "Impulsividade" foi lançado em 2005 e fez um relativo sucesso em festivais de cinema, mas nunca atingiu o grande público. Porém, a julgar pelos elogios (e pelas probabilidades de premiação de seu elenco),  o segundo filme de Mills tem tudo para conquistar uma audiência no mínimo razoável. Seu "Toda forma de amor" acaba de ser premiado com o Gotham Awards de melhor filme do ano (empatado com o extremamente comentado "A árvore da vida", do cultuado Terrence Malick). Tudo bem, quase ninguém conhece esse tal prêmio (concedido a produções independentes desde 1991), mas sua escolha ao lado de um filme tão celebrado ao menos dá a ele uma chance maior de ser descoberto como merece.

Escrito por Mills baseado parcialmente na sua relação com o pai, "Toda forma de amor" é um pequeno drama doméstico, narrado de maneira delicada e de ritmo próprio. O protagonista é Oliver Fields (o ótimo e outrora onipresente Ewan McGregor), um designer que precisa lidar com a recente perda do pai, Hal (Christopher Plummer em um dos melhores desempenhos de sua carreira), um homem que, já octogenário e viúvo, revelou a ele ser gay e envolveu-se com um homem mais jovem (o croata Goran Visnjic, que destoa do filme com uma interpretação um tanto exagerada). Enquanto relembra seus últimos anos ao lado do pai - que recomeçou a vida de maneira exemplar - Oliver inicia um romance hesitante com a bela atriz Anna (Mélanie Laurent), mesmo tendo consciência de sua dificuldade em manter relações a longo prazo.

Mills não se priva de utilizar elementos criativos para contar sua história. Além de fugir de uma ordem cronológica tradicional - misturando as lembranças de Oliver com sua trajetória amorosa -, o roteirista/cineasta também brinca com a linguagem publicitária, inserindo informações a respeito das personagens e de suas vidas (e da sociedade americana de modo geral) de forma original e ágil, sem perder o foco da narração. Usando e abusando de elipses e confiando na inteligência do público, ele escapa divinamente do piegas e do lacrimoso mesmo nos mais comoventes momentos e emociona pelos diálogos bem escritos e pela direção segura. Ewan McGregor entrega uma de suas atuações mais interessantes, deixando de lado as bobagens comerciais que lhe tiraram a credibilidade ("Star Wars" foi um passo em falso em sua carreira) em uma interpretação silenciosa, melancólica e terna. Sua química, tanto com Plummer (provável candidato ao Oscar de coadjuvante segundo boa parte da crítica) quanto com Mélanie Laurent (a Shosanna de "Bastardos inglórios") é perfeita, revelando um ator sensível que ainda não foi devidamente valorizado.

"Toda forma de amor" é um belo exemplo de filme que, apesar de ter saído direto em DVD por aqui, merece uma bela conferida. Muito mais interessante que qualquer "Transformers".

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NÃO SEI COMO ELA CONSEGUE

Posted by Clenio on 18:35 in
Desde que tornou-se um nome quente na indústria do entretenimento graças à série "Sex and the city", a atriz Sarah Jessica Parker não tem tido muita sorte em suas incursões cinematográficas, acumulando um fracasso de bilheteria atrás do outro (com exceção das adaptações para a tela grande das aventuras de Carrie Bradshaw e companhia, que, apesar de não serem os filmes favoritos da crítica arrecadaram uma pequena fortuna mundo afora). Infelizmente seu novo filme, "Não sei como ela consegue" é da mesma estirpe de coisas como "Cadê os Morgan?" e "Armações do amor", mas consegue ser ainda pior.

Comédia romântica metida a feminista, o filme dirigido por Douglas McGrath - que dirigiu Gwyneth Paltrow na adaptação de "Emma", de Jane Austen ainda na década de 90 - é uma sucessão de erros. O roteiro é esquizofrênico, nunca se decidindo entre o humor (na forma de depoimentos para a câmera, artifício que não funciona mais como deveria há algum tempo) ou o drama familiar (nas tentativas pífias de criar, para sua protagonista, dilemas éticos sem fundamento algum). A direção de McGrath é frouxa e apática, preferindo sempre a solução mais fácil para cada cena (explorando pouco o talento do canastrão mais simpático do cinema americano, Greg Kinnear e permitindo a Sarah Jessica repetir ad nauseum todas as caras e bocas que lhe deram fama no seriado da HBO). E além de tudo, a coisa fica ainda pior quando a história ameaça mudar de rumo (e tornar-se um romance sem sentido) e não o faz: a impressão que fica é a de que a autora da história (no caso a escritora do livro que deu origem ao filme, Allison Pearson) não teve coragem o bastante para fazer com que sua protagonista perdesse o único elo com a plateia: o amor que nutre pela família.

Sim, o filme é a favor da família, da moral e dos bons costumes, como manda a cartilha do politicamente correto (sono!!!). Parker interpreta Kate Reddy, executiva de um banco que vê a grande chance de sua carreira ameaçar seriamente seus deveres como mãe e esposa. Casada com o arquiteto Richard (Greg Kinnear) e feliz com o casamento e a família (dois filhos pequenos e amáveis), ela precisa dividir seu tempo entre os afazeres domésticos sempre urgentes e viagens a trabalho - onde encontra o charmoso Jack Abelhammer (Pierce Brosnan), que cai de amores por ela. Logicamente ela passa, aos poucos, a perceber qual setor de sua vida é mais importante e ao público só resta torcer para que os longo 89 minutos de projeção terminem logo.

Falho no humor, no drama e na construção das personagens, "Não sei como ela consegue" perde a chance de discutir com leveza um tema bastante pertinente na sociedade atual, onde homens e mulheres são obrigados a dividir as obrigações familiares. Como está, é mais um filme que deve fazer a glória de futuras sessões da tarde. E , se não quiser ser lembrada pro resto da vida como atriz de um papel só, é bom Sarah Jessica Parker mudar urgentemente de agente.

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DANCIN' DAYS

Posted by Clenio on 00:59 in
Houve um tempo em que a Rede Globo não precisava se preocupar com a concorrência. Durante os anos 70 - antes, portanto, do advento da TV a cabo, da Internet e de outras tecnologias tais como DVD, Blu-Ray ou até mesmo controles remotos - a emissora carioca tinha uma audiência cativa e a audiência de suas novelas era algo assustador: não era difícil uma trama das oito (que realmente era transmitida às oito horas da noite) parar o país, como bem podem confirmar os telespectadores que não perdiam um capítulo de "Irmãos Coragem", "Selva de pedra", "Pecado Capital" ou "O astro" (todas elas sintomaticamente regravadas anos depois). No final da década, no entanto, um fenômeno do chamado folhetim eletrônico chegou até mesmo à revista americana "Newsweek": escrita por Gilberto Braga (estreando no horário nobre), "Dancin' days" marcou época, lançou moda, tornou-se antológica e, melhor ainda, ficou na memória afetiva de uma geração inteira. Lançada em DVD no final de outubro, a trama, dirigida por Daniel Filho, está agora ao alcance de todos aqueles que querem relembrar um período marcante da cultura televisiva nacional ou mesmo daqueles que tanto ouviram falar das aventuras e desventuras de Júlia Mattos, a protagonista vivida por uma Sônia Braga no auge da beleza e do talento.

Condensada em doze discos, a versão de "Dancin' days" passou, logicamente, por uma restauração de imagem e som para não assustar às audiências acostumadas com imagens digitais e em HD. Mesmo assim não deixa de ser muito estranho perceber o salto de qualidade técnico da programação nos últimos trinta anos. Ainda que se perceba o capricho da produção em tentar uma estética moderna para a época, hoje em dia tudo soa antigo, obsoleto, até mesmo cafona. O figurino (que inclui as famosas meias de lurex que viraram marca registrada da novela), os cenários e as cenas externas são, comparadas com o luxo dos nossos dias, de uma pobreza franciscana. E o que dizer das gírias ("segurar uma barra", "ficar baratinado", "transar as coisas numa boa")? E dos hábitos que foram exterminados da tela pelo politicamente correto (como fumar abundantemente em qualquer lugar e qualquer situação)? E da falta de preocupação com qualquer outra coisa que não fosse contar uma boa história?

E boa história "Dancin' days" tem, ainda que o próprio autor não a consider a melhor de sua carreira recheada de sucessos ("Escrava Isaura", "Água viva", "Vale tudo" estão entre seus maiores êxitos). Para quem não sabe (e nunca assistiu ao "Vídeo show" ou acessou o Youtube), a novela começa quando a protagonista Júlia Mattos sai da cadeia, onde passou onze anos por homicídio involuntário. Seu maior desejo é reconquistar o amor da filha adolescente, Marisa (Glória Pires aos quinze anos e mostrando que talento não tem idade), mas para isso ela precisa entrar em conflito com sua irmã mais velha, a socialite Yolanda Pratini (Joana Fomm assumindo em cima da hora o papel que seria de Norma Bengell), que criou a menina. Enquanto as irmãs brigam feito cão e gato pela atenção da jovem (que só vai saber da verdade no dia do casamento, em uma cena clássica), Júlia se apaixona pelo diplomata Cacá (Antonio Fagundes), um rapaz que não vê na carreira imposta pela mãe, Celina (Beatriz Segall já exercitando a arrogância de Odete Roitman) seu maior sonho profissional. A luta de Júlia pela felicidade ao lado da filha e de Cacá move a novela, que aproveitou o sucesso do filme "Embalos de sábado à noite" - estrelado por John Travolta - para dar um ar mais moderno à trama.



Para tirar o ranço melodramático da história central da novela - sugerida pela mestra do horário nobre, Janete Clair - o diretor Daniel Filho e o autor criaram um artifício que fez toda a diferença. Depois de ser humilhada e voltar à cadeia, Júlia aceita casar-se com o milionário Ubirajara (Ary Fontoura) e, depois de uma temporada na Europa, volta linda, sexy e cosmopolita justamente quando seu amigo Hélio (Reginaldo Faria) está inaugurando uma discoteca, a Dancin' days do título (cujo nome foi explicitamente copiado da real discoteca de Nelson Motta). E não existe cidadão que não conheça a famosa cena em que, ao lado do dançarino Paulette, Júlia cai na gandaia e solta suas feras ao som de Bee Gees - rodeada de propagandas nada sutis de algumas das marcas mais famosas da época, como Pirelli e jeans Staroup

Assistir "Dancin' days" é fazer uma viagem de volta no tempo, não apenas por seu visual retrô mas também para matar a saudade de um elenco fabuloso de nomes que não estão mais entre nós: Cláudio Corrêa e Castro, Mário Lago, Yara Amaral, Lauro Corona fazem muita falta, assim como Lídia Brondi, na flor de seus dezoito anos. E atire a primeira pedra quem não se deixar seduzir pela química esplêndida entre Sônia Braga (linda, boa atriz e carismática) e Antonio Fagundes (que povoou, com seu Cacá, os sonhos de muitas mulheres, inclusive minha mãe....) Mas, acima de tudo, é um tanto triste perceber que, com tantos avanços técnicos, ainda se pode acreditar que um texto pobre e medíocre como o de "Fina estampa" tenha um mínimo de qualidade... Saudosos dancin' days...

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EU MATEI A MINHA MÃE

Posted by Clenio on 17:58 in
Depois de assistir - e apreciar bastante - o canadense "Amores imaginários" fiquei tentado a conferir o primeiro trabalho de seu diretor-roteirista-produtor-ator, o extremamente jovem Xavier Dolan. Cheguei então à "Eu matei a minha mãe", lançado em 2009 e que foi ovacionado quando de sua exibição no Festival de Cannes. Ao contrário da maioria da crítica, porém, que incensou essa estreia e reclamou de alguns exageros estilísticos de seu segundo longa, é claramente perceptível o amadurecimento de Dolan entre um filme e outro. Enquanto "Eu matei a minha mãe" é um desabafo autobiográfico em altos brados contra a repressão familiar e as angústias da adolescência, "Amores imaginários" deixa de lado o tom agressivo para se concentrar na trágica poesia das paixões não-correspondidas. Talvez sejam dois lados da mesma moeda, mas uma coisa é certa: o guri tem talento e ainda vai longe.

Em "Eu matei a minha mãe" Dolan interpreta (??) Hubert Minel, um adolescente de 16 anos que vive uma relação de amor/ódio com sua mãe (Anne Dorval), que o criou sozinha desde que ele tinha meros sete anos de idade. Sentindo-se incompreendido por ela, o rapaz (que esconde dela até mesmo sua homossexualidade) encontra conforto em conversas com sua professora e se ressente de um relacionamento saudável familiar ao perceber a maneira leve e liberal com que seu namorado, Antonin (François Arnaud), tem com a sua própria mãe. Quando é matriculado - contra a vontade - em um colégio interno, a revolta de Hubert contra seu núcleo familiar (que inclui um pai ausente que serve para dar base às teorias de Freud) fica ainda mais patente e sua agressividade ainda maior.

Já em "Eu matei a minha mãe" nota-se algumas características que já fazem parte do estilo de Xavier, tais como closes frequentes de objetos e partes específicas do corpo, câmera lenta em profusão, uma trilha sonora descolada e boas ideias visuais. A verborragia típica do cinema francês (e no caso influência clara na obra do diretor) também dá o ar da graça e em alguns momentos chega a incomodar, ainda que faça parte do contexto dramático da trama, assim como as constantes referências à subcultura gay (Audrey Hepburn, James Dean) que são ainda mais explícitas do que em "Amores imaginários", ao contrário do que muito se falou. Neste primeiro filme de Dolan, a sexualidade do protagonista é um ponto ainda mais crucial (e apesar de não ser o ponto central do conflito mãe/filho, é parte preponderante da narrativa). E a complexidade das personagens é outro destaque do roteiro, que não se furta a fazer com que seu protagonista alterne momentos de desprezo extremo com uma ternura subjacente que grita por espaço. Dolan se sai bastante bem atuando como ele mesmo, e encontra em Anne Dorval um contraponto excepcional. São os momentos de calor entre eles (discussões aos berros ou carinho comovente) que movem o filme e o fazem realmente acontecer - assim como as confissões de Hubert à sua câmera digital, que dão ao espectador a real dimensão de seus sentimentos.

"Eu matei a minha mãe" já encontra-se a meio caminho para tornar-se um pequeno clássico dentro do universo independente/glbt/cult e tem qualidades suficientes para isso. Xavier Dolan também já demonstrou muito talento e garra. Resta apenas aguardar os próximos capítulos de uma carreira que tem tudo para ser longa e bem-sucedida.

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TRÊS FILMES NACIONAIS

Posted by Clenio on 14:29 in


O cinema nacional passa por uma boa fase, ao menos em termos de diversificação. Temos espaço para comédias dramáticas ("O palhaço" já foi visto por mais de um milhão de espectadores, que beleza!), documentários, filmes policiais, espíritas.... enfim, tem pra todos os gostos. Infelizmente nem tudo são flores e pra cada "Tropa de elite 2" que surge, coisas como "Bruna Surfistinha" vem atrás. Vamos ver, então, três exemplares da recente safra brazuca de cinema.

MALU DE BICICLETA - O romance de Marcelo Rubens Paiva chegou às telas dirigido por Flávio Tambellini, que há alguns anos assinou o competente "Buffo & Spallanzani", baseado no livro de Rubem Fonseca. Dessa vez ele pega mais leve, contando uma história de amor sem maiores ambições que não a de entreter a audiência. De certa forma ele consegue. O filme é leve, tem alguns bons momentos, mas é prejudicado pelo insosso Marcelo Serrado, que vive o protagonista Luiz Mário, um paulista mulherengo(hein???) que se apaixona perdidamene pela bela carioca Malu (Fernanda de Freitas), que o atropela de bicicleta em pleno calçadão. O romance vai pra frente, mas, se a distãncia física não chega a atrapalhar o idilio, o ciúme surge surge com sua flecha preta e tudo começa se deteriorar. A trama de Paiva é interessante (faz até mesmo citações à "Madame Bovary", clássico de Flaubert), mas sua versão cinematográfica nunca chega a encantar, parecendo mais um especial televisivo. Dá pra encarar, mas sem muitas expectativas.



QUALQUER GATO VIRA-LATA - Juca de Oliveira é um mestre dos palcos, que o digam seus inúmeros sucessos de público. Uma de suas peças mais famosas ganhou adaptação para o cinema com o título encurtado ("Qualquer gato vira-lata tem uma vida sexual mais saudável que a nossa" era o quilométrico título original) e uma dupla central bonita, sexy e de apelo popular. No entanto, a receita desanda com a direção frágil de Tomás Portella, o roteiro exagerado na composição propositalmente afetada das personagens e com as atuações muito aquém do esperado do casal de protagonistas, que não tem nenhuma química. Cléo Pires (linda, mas só) interpreta Tati, uma estudante de Direito que leva um fora do namorado (Dudu Azevedo) e, desesperada, pede ajuda a Conrado (Malvino Salvador), um professor de biologia que defende a tese de que as fêmeas devem ser menos agressivas nos rituais de conquista dos machos. Conrado passa a tutorar Tati em seu projeto de reconciliação com o namorado, mas logicamente os dois acabam se apaixonando. O problema do filme é aquele que já foi visto várias vezes antes em outras adaptações teatrais para as telas: o que funciona em um palco nem sempre se dá bem na sétima arte. Para isso, é preciso talento para desenvolver bem um roteiro (coisa que não há aqui) ou ser criativo na direção (outra falha). O resultado final não machuca ninguém, mas dá um sono daqueles...



BELLINI E O DEMÔNIO - O segundo livro da série policial criada pelo músico Tony Bellotto sofreu cortes e alterações antes de estrear timidamente nos cinemas, em meio a crises com seu protagonista Fábio Assunção. Mas, de certa forma, ele apresenta algumas qualidades bastante interessantes, ainda que por vezes perdidas em meio a um roteiro confuso. Dessa vez, o detetive encarnado por Assunção, está passando por uma severa depressão quando reencontra uma ex-namorada que está investigando o violento assassinato de uma adolescente em uma escola de classe média. Inesperadamente, os dois acabam envolvidos em uma trama que mistura magia negra e rituais satânicos. A história é empolgante e, se o diretor Marcelo Galvão tivesse usado com menos exagero algumas de suas ideias visuais, poderia ter se transformado em um filme memorável em um gênero ainda não devidamente explorado por aqui. Mas no cômputo geral tudo fica muito longe de ser recomendável. O trabalho de Fábio Assunção é notável e o clima de suspense da primeira metade funciona muito bem, mas depois de uma hora de filme, as coisas saem dos eixos de maneira irremediável (e culminam com uma participação vergonhosa de Marília Gabriela como atriz). Fica apenas a sensação de que poderia ter sido um grande trabalho...

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AMORES IMAGINÁRIOS

Posted by Clenio on 22:05 in
"Amores imaginários" é o filme que todo fã de cinema independente que curte comprar em brechós, que ouve Yelle, que encontra no cigarro a válvula de escape para seus males e que pretensamente despreza o cinema comercial americano sempre pediu a Deus. Escrita e dirigida pelo jovem (meros 22 anos) Xavier Dolan, essa comédia romântica foi exibida na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2010 e finalmente chega ao circuito comercial brasileiro, cercada de polêmica: para cada crítica azeda a seu respeito pipocam fãs encantados com o estilo modernoso do cineasta - autor também do cultuado "Eu matei minha mãe", grande sucesso no Festival de Cannes de 2009. É justo, portanto, encontrar um ponto de equilíbrio nesta controvérsia toda. "Amores imaginários" nem é espetacular como fazem crer os convertidos nem tão oco quanto querem provar seus detratores. É um filme leve e quase superficial, sim, que privilegia o visual ao conteúdo. Mas é também delicioso como um croissant quentinho.

A ideia de um triângulo amoroso moderno não é novidade no cinema - que o digam François Truffaut ("Jules e Jim, uma mulher para dois") e Bernardo Bertolucci ("Os sonhadores"), só para citar os mais célebres diretores que investigaram essa modalidade de relacionamento. Em seu filme, o canadense Dolan não faz questão de soar revolucionário ou ousado, preferindo o caminho da sutileza e da delicadeza, deixando ao espectador o prazer de descobrir aos poucos o rumo de sua trama. O próprio cineasta interpreta um dos protagonistas, o jovem homossexual Francis, que se apaixona perdidamente pelo belo, inteligente, sexy e liberal Nicolas (Niels Schneider). O problema é que sua melhor amiga Marie (Monia Chokri) também cai de amores pelo rapaz, e nenhum dos dois sabe exatamente para quais dos dois ele está inclinado a dar seu amor (e SE está interessado nisso): Nicolas os trata com igual atenção e carinho, embaralhando cada vez mais as pistas que levam a seu coração - e à sua cama.

Se peca em não aprofundar a contento a psicologia de suas personagens, Dolan acerta em cheio em tratar seu filme como uma espécie de inventário visual de sua época. É perceptível o cuidado do diretor com cada detalhe de sua mise-en-scène, desde os objetos de cena até o figurino absurdamente antenado com sua ambientação, assim como a bela fotografia e alguns enquadramentos belíssimos que nem mesmo o quase exagero em sequências em câmera lenta conseguem atrapalhar. O olho de Dolan para as pequenas coisas e reações é admirável, assim como seu talento em explorar ao máximo a potencialidade de cada tomada. Não há, em "Amores imaginários", nenhuma cena que não seja minuciosamente preparada por sua visão esteticamente apurada. E foi justamente essa atenção talvez exagerada ao visual  - em detrimento de um desenvolvimento maior dos protagonistas - que incomodou tanta gente.

O que talvez muitos dos críticos não tenham percebido em "Amores imaginários" é a sua absoluta falta de compromisso com o realismo. Dolan trata sua história como uma espécie de sátira a seu próprio universo, onde as pessoas querem se parecer com James Dean e idolatram Audrey Hepburn, frequentam cafés e festas com gente bonita e descolada e transitam em cenários coloridos e absurdamente fotogênicos. A beleza exterior é equilibrada apenas pelas histórias dolorosas/engraçadas/patéticas contadas por outras personagens diretamente para a câmera (um artifício que funcionou em "Harry & Sally, feitos um para o outro" e que volta a ser bastante interessante aqui): são essas personagens sem nome que dão suporte ao roteiro, mostrando ao espectador que amar dói, sim, mas não mata ninguém.

"Amores imaginários" não é, definitivamente, um filme feito para aqueles que consideram o cinema como a arte da reflexão séria e densa. Pode soar raso, sim, e talvez até o seja. Mas todos aqueles que já se apaixonaram entendem perfeitamente as situações pelas quais Francis e Marie passam. E essa empatia, essa compreensão pela dor dos outros - ainda que coberta por um sutil senso de humor - não é qualquer filme que desperta.

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MARISA MONTE - O QUE VOCÊ QUER SABER DE VERDADE

Posted by Clenio on 20:25 in
Não deixa de ser irônico que em um país onde gente do quilate de Paula Fernandes, Calypso e Luan Santana são considerados sucesso ainda exista gente com a cara de pau de criticar o novo CD da cantora Marisa Monte, "O que você quer saber de verdade", lançado no final de outubro. Mesmo que esteja bastante longe da qualidade de seus primeiros trabalhos - onde experimentava sonoridades e explorava muito mais seu potencial vocal em canções longe do que se convencionou chamar de popular - seu oitavo disco é uma delícia de se ouvir, um oásis de delicadeza e paz em um deserto de qualidade musical.

Ainda que não haja muita novidade no repertório de Marisa - que mais uma vez apela a regravações (de "Descalço no parque" de Jorge Benjor e "Lencinho querido" com a participação do Café de Los Maestros) - seu novo disco é agradável, solar e simples como a boa MPB deve ser. Marisa canta a felicidade do amor ("amar alguém só pode fazer bem"), dos relacionamentos ("você veio pra ficar, você que me faz feliz, você que me faz cantar"), de estar em casa ("hoje eu não saio, não, não troco meu sofá por nada") e da vida em si ("tão curta a vida, curta a vida"). Mas ainda sabe partir corações com sua voz privilegiada ("depois de tantos desenganos nós nos abandonamos como tantos casais") e ainda encontra espaço para contar com a participação de Rodrigo Amarante (da banda Los Hermanos) em "O que se quer" e agradar aos fãs dos Tribalistas em três das melhores canções do álbum (a que dá título ao disco, a arrasadora "Depois" e "Verdade, uma ilusão"). Não há como não gostar de "O que você quer saber de verdade", a não ser que não se seja fã de Marisa ou que procure nele uma revolução musical e temática que há muito tempo a música brasileira não conhece.

Talvez o maior problema desse novo disco de Marisa - que começou a carreira como uma cantora cult e chegou às paradas populares com a infame "Amor, I love you" - seja o excesso de expectativa a seu redor. Desde que lançou dois discos simultaneamente em 2006 - o pop "Infinito particular" e o sambista "Universo ao meu redor" - toda a sua legião de fãs incondicionais (e eventuais críticos azedos em busca de um escorregão) esperava com ansiedade sua volta. Ela voltou. E, se não é mais o inalcançável rouxinol distante de seu primeiro disco, ainda se mantém como a melhor cantora do Brasil. Que se danem os detratores! Marisa ainda é majestade!

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TRÊS FILMES COM TEMÁTICA GAY

Posted by Clenio on 23:36 in
Em uma época em que a diversidade sexual anda encontrando tanta dificuldade (não nos iludamos, a homofobia ainda grassa célere, ainda que muitas vezes disfarçada) nada como a sétima arte para chamar-nos à razão (ou até mesmo filmes feitos para a televisão americana, frequentemente brindando o público com trabalhos admiráveis). Recentemente três filmes de temática homossexual me fizeram pensar, emocionar ou simplesmente divertir. Vamos a eles;

STRAPPED - Lançado no Chicago LGBT Film Festival de 2010, este filme dirigido por Joseph Graham nunca chegou a ser distribuído comercialmente no Brasil, nem mesmo em DVD, mas é uma pequena pérola do gênero. Escrito pelo próprio diretor, "Strapped" foge do lugar-comum ao contar uma história sem maiores compromissos com a realidade lógica (ainda que suas personagens sejam extremamente realistas e verossímeis). O protagonista (vivido com graça e carisma por Ben Bonenfant) é um michê que, depois de um programa, se descobre preso dentro de um prédio em San Francisco que, conforme ele descobre pouco a pouco, é, segundo um morador, "o prédio mais gay da rua mais gay da cidade". Tentando encontrar a saída, ele dá de cara com um viciado em cocaína que o apresenta a dois amigos também pouco afeitos a sutilezas sexuais, um homem casado que não aceita pacificamente seu lado gay e parte pra violência depois do ato sexual, um homem de idade que lhe dá conselhos e carinho e até mesmo um rapaz que se apresenta como uma possibilidade de amor. Do primeiro encontro do protagonista sem nome (com um homem que não consegue esquecer uma paixão da adolescência) aos créditos finais, Graham apresenta um desfile de tipos que abrange se não a totalidade ao menos boa parte do universo gay, sem julgamentos morais. O roteiro (kafkiano em seu tom onírico e quase surreal) é sustentado por um elenco competente e um ator central que dá o equilíbrio perfeito entre sensualidade, mistério e timidez. Um filme a ser descoberto!

 

UM AMOR NA TRINCHEIRA - Pouca gente sabe, mas a atriz Jane Fonda tem um filho ator! Pouco conhecido do grande público, Troy Garity tem uma atuação bastante competente em "Um amor na trincheira", filme feito para a TV americana em 2003 que chegou a ser indicado ao Golden Globe de Melhor Filme. Ele interpreta Barry Winchell, um soldado americano que se apaixona por Calpernia (Lee Pace, da série "Pushing Daisies", absolutamente irreconhecível), um travesti que faz shows em boates. O romance entre os dois passa a incomodar o colega de quarto de Winchell, Justin (Shawn Hatosy), um rapaz em luta constante contra uma homossexualidade reprimida. As coisas saem do controle quando um novo recruta entra na jogada e, desequilibrado, começa a ser dominado por Justin até uma tragedia acabar com a história de amor. Baseado em fatos reais, "Um amor na trincheira" é dirigido por Frank Pierson (que ganhou um Oscar pelo roteiro de "Um dia de cão") e, considerando o fato de ter sido feito para a TV é bastante ousado, além de apresentar atuações acima da média de Garity e de Lee Pace (ambos também foram indicados ao Golden Globe).


PECADO DA CARNE - É preciso muita coragem para um filme israelense tocar em um assunto tão polêmico e tabu quanto a homossexualidade e só por isso "Pecado da carne" já merece ser aplaudido. Dirigido por Haim Tabakman, essa co-produção Israel/Alemanha/França foi premiada no Festival de Cinema de Jerusalém devido à atuação de Zohar Strauss, que vive Aaron Fleischmann, um judeu ortodoxo, pai de família e dono de um açougue que se apaixona perdidamente pelo jovem Ezri (Ran Danker), que está na cidade atrás de um ex-amante. Logicamente a sociedade não aprova nem mesmo a amizade entre os dois e o romance secreto logo passa a cumular Aaron de culpa e remorso. Por não apelar para cenas mais quentes entre os dois protagonistas - preferindo a discussão sobre amor, religião e culpa - o filme de Tabakman não chegou a causar a controvérsia que poderia, ao menos em grande escala. Talvez por ter tratado tudo com delicadeza, o cineasta não ofendeu os pruridos de ninguém e ainda por cima legou ao "cinema gay" um filme de inquestionável relevância. Vale a pena conhecer!

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QUINTA AVENIDA, 5 DA MANHÃ

Posted by Clenio on 00:03 in
Em 1961, uma comédia romântica aparentemente inofensiva mudou a forma com que as mulheres se comportavam e principalmente se vestiam. Baseado em um romance de Truman Capote, "Bonequinha de luxo" conquistou a crítica e o público ao apresentar como protagonista uma garota de programa distante anos-luz da maneira com que Hollywood tratava o assunto. Dirigido por Blake Edwards, o filme que deu ao mundo a bela "Moon River" e legou ao universo cinematográfico a deliciosa Holly Golightly de Audrey Hepburn tem seus bastidores meticulosamente analisados em "Quinta Avenida, 5 da manhã", escrito pelo crítico de cinema Sam Wasson, publicado no Brasil pela editora Zahar.

Narradas em capítulos curtos e ágeis, as aventuras e desventuras que levaram o romance de Capote às telas são contadas de maneira leve e fluente por Wasson, que esmiuça detalhes saborosos aos ávidos fãs de Hepburn, do filme em si, do cinema em geral e da moda como forma de comportamento. O autor revela as dúvidas de Truman Capote em relação à escalação da linda, esguia e elegante Audrey para o papel da doidivanas protagonista (que ele imaginava ter o rosto e o corpo de Marilyn Monroe), a maneira com que o roteiro driblou os olhos severos da censura e principalmente a divisão da atriz principal entre a carreira e a vida doméstica. Todos os caminhos que levaram ao filme são examinados pelo autor, desde os primórdios de Hepburn como atriz até seu estrelato absoluto (e a seu status de ícone fashion), sempre de maneira divertida e interessante.

Pode não ser literatura de primeira nem mesmo um marco na história editorial mundial, mas "Quinta Avenida, 5 da manhã" é uma leitura obrigatória para quem acha que "Bonequinha de luxo" é apenas mais uma comédia romântica como outra qualquer. Para ler em uma tarde e ouvindo Henry Mancini.

Alan Raspante, leia o mais rápido que puder...

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REFÉNS

Posted by Clenio on 13:22 in
Quando Nicole Kidman foi indicada ao Oscar deste ano por seu sensível desempenho em "Reencontrando a felicidade" seus fãs respiraram aliviados. Parecia que finalmente a bela e talentosa australiana estava voltando a encontrar seu caminho em direção a trabalhos mais honestos do que coisas como "A feiticeira", "Invasores" e até mesmo o decepcionante "Austrália". Porém, basta alguns minutos de "Reféns" para que todas as esperanças caiam por terra. É simplesmente inexplicável a presença de uma atriz do porte de Kidman em um filme tão banal e derivativo quanto este.

Dirigido por Joel Schumacher, que não dá uma dentro há quase uma década - seu último trabalho digno de nota foi o pouco visto "O custo da coragem", com Cate Blanchett, de 2003 - "Reféns" foi praticamente escorraçado das telas de cinema americanas, tendo ficado em cartaz por meros dez dias e com uma vergonhosa arrecadação de menos de trinta mil dólares. Tal fracasso pode soar estranho haja visto que, além de Nicole o cartaz também estampa com destaque o nome de Nicolas Cage (também vencedor do Oscar, mas que, apesar dos horrendos filmes que vem cometendo, parece ter um público cativo), mas é simplesmente impossível gostar de tamanho erro. Com cara de Supercine, o suspense escrito por Karl Gajdusek - autor de episódios da série "Dead like me" - não passa de uma sucessão de clichês mal ajambrados que não surpreendem nem ao mais distraído espectador. Nem as supostas reviravoltas da trama conseguem despertar mais do que sono (ou raiva) na plateia.

Para quem não viu o trailer (que conta quase tudo), Cage e Kidman vivem um casal de milionários, pais de uma filha adolescente rebelde (a péssima Liana Liberato, que estava bem melhor em "Confiar", de David Schwimmer) que vê sua mansão invadida por um quarteto que procura milhares de dólares em diamantes. Enquanto tenta sobreviver ao ataque, o casal precisa lidar também com a fragilidade de seu casamento e com uma série de mentiras que surgem no decorrer da noite - inclusive ligado a um dos criminosos, o jovem Jonah (Cam Gigandet, da série "Crepúsculo").

Joel Schumacher, quando quer, consegue ser um bom diretor de suspense - quem viu "Por um fio", com Colin Farrell, sabe do que estou falando. Mas pelo jeito há muito tempo anda no piloto automático. "Reféns" é um dos maiores passos em falso de sua carreira - e isso que estamos falando do homem que quase aniquilou a franquia "Batman" no final dos anos 90. Só serve mesmo pra quem é fã incondicional da bela Nicole ou do canastrão Cage (aqui exercitando a fundo sua veia exagerada). E isso que nem citamos o poster doloroso!!!

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CONTÁGIO

Posted by Clenio on 12:27 in
O elenco é estelar, repleto de nomes vencedores do Oscar. O diretor também já papou sua estatueta - por "Traffic", que já brincava com o estilo Robert Altman de fazer cinema. E a trama por si só já é palpitante o bastante em um mundo tão suscetível a epidemias - e tão facilmente manipulável pela mídia. Portanto, "Contágio", novo trabalho de Steven Soderbergh, é um filme cujos fãs de cinema não podem perder. Além dos créditos recheados de estrelas, da direção segura e do tema interessante, é também uma pequena aula de como contar uma história quase aterrorizante sem precisar assustar ninguém com truques baixos.

"Contágio" não é um filme de suspense, mas não deixa de ser apavorante. Tudo começa quando a bela Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow em participação rápida e crucial) volta de uma viagem a Hong Kong para os braços do marido, Mitch (Matt Damon) e do filho. Junto com ela, porém, veio um vírus mortal, capaz de matar em poucos dias. O vírus, desconhecido pela medicina, começa a fazer uma vítima atrás da outra em várias partes do mundo, o que leva o planeta a um pânico generalizado. Para manter o povo informado, o blogueiro Alan Krumwiede (Jude Law) torna-se persona non grata da indústria farmacêutica e da cena médica, enquanto uma equipe de doutores (Laurence Fishburne, Marion Cottilard, Kate Winslet e Jennifer Ehle) busca maiores detalhes sobre o vírus, com o objetivo de impedir sua disseminação.

A trama de "Contágio" se divide em vários campos, como o cineasta já fez em seu premiado "Traffic", mas dessa vez não existe a preocupação de alertar o público sobre um problema premente, como acontecia com o filme estrelado por Benicio Del Toro e Michael Douglas. Aqui, Soderbergh se concentra em mostrar, de forma quase didática, a evolução de uma tragédia de grandes proporções que pode começar de maneira inocente (como fica claro na sequência final). Para isso, ele conta com rostos conhecidos do grande público em papéis importantes mas relativamente pequenos - e ainda encontra tempo para cenas de grande delicadeza, como o primeiro baile da filha da personagem de Matt Damon, já no final da projeção. São momentos assim que humanizam a história, aproximando a audiência do que é mostrado na tela - sem, no entanto, desvalorizar o aspecto técnico da situação.

No final das contas "Contágio" é um bom filme de um cineasta extremamente competente, mas que não chega a empolgar como poderia. Ainda assim, vale uma conferida, ao menos para prestigiar o elenco extraordinário reunido por Soderbergh.

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A CASA DOS SONHOS

Posted by Clenio on 15:15 in

A primeira pergunta que vem à cabeça dos fãs de cinema no final da projeção de "A casa dos sonhos" é a seguinte: por que diabos Jim Sheridan assinou este filme tão absurdamente distante de seu estilo (e o que é pior, tão assustadoramente aquém de seu talento)? Tudo bem que ele brigou com o estúdio (Morgan Creek) antes do lançamento do filme, assim como os astros Daniel Craig e Rachel Weisz - por discordar da edição final - mas ainda assim a dúvida permanece. Indicado duas vezes ao Oscar - pelos ótimos "Meu pé esquerdo" e "Em nome do pai" - o irlandês Sheridan parece ter cedido de vez às pressões do cinemão comercial hollywoodiano, em um filme que, apesar da premissa interessante (ainda que não exatamente original), não a desenvolve a contento, apresentando, além de tudo, um desfecho derivativo e anticlimático.

Daniel Craig está bastante bem no papel principal, um homem que abandona a editora onde trabalhava para dedicar-se a um livro que pretende escrever (escritores que querem se dedicar à arte são clichê no gênero desde, no mínimo, "O iluminado") e à família, formada pela bela esposa Libby (Rachel Weisz) e por duas adoráveis filhas pequenas. Como sempre acontece em filmes de suspense, porém, a casa que acabaram de comprar tem um passado sangrento: o pai matou a mulher e as filhas a tiros, e a vizinhança parece saber bem mais a respeito do crime do que confessa. Para tranquilizar-se (e a todo o núcleo familiar), o escritor resolve investigar mais a fundo a história e descobre que nem mesmo a vizinha, Ann Patterson (Naomi Watts, perdida no papel) foi totalmente verdadeira em suas declarações a ele.

Contar muito a respeito de "A casa dos sonhos" é tirar dele um de seus poucos trunfos, que é o elemento-surpresa do roteiro (mesmo que o trailer já entregue o ouro descaradamente). Apesar de beber na fonte de outros filmes (que não convém citar pelo mesmo motivo acima), tudo poderia ter sido melhor se Sheridan tivesse conseguido sobressair-se aos executivos do estúdio e mantido o tom inicial da obra, que causa sustos, mas de forma austera e elegante (cortesia também da bela fotografia do veterano Caleb Deschanel). Em sua segunda metade, porém, tudo desanda de forma grotesca, com soluções de roteiro pouco criativas e quase preguiçosas.O final, então - que se pretendia apoteótico - não passa de um amontoado de efeitos pirotécnicos que nada acrescentam à trama.

"A casa dos sonhos" pode até agradar a eventuais frequentadores de cinema que não procuram obras-primas. Mas para os cinéfilos é triste constatar que Jim Sheridan não é mais o mesmo!

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O PALHAÇO

Posted by Clenio on 12:32 in
Em 2008, o ator Selton Mello lançou seu primeiro longa-metragem como diretor, o denso "Feliz natal" (ver crítica aqui: http://blogdofrid.blogspot.com/2008/12/feliz-natalquase-um-trauma-de-infncia.html). Quem achava que o sucesso crítico do filme era apenas sorte de principiante deve ter ficado de boca aberta com esta sua segunda incursão para trás das câmeras: "O palhaço" revela em Selton um cineasta seguro, honesto e principalmente sensível às relações humanas. É simplesmente impossível não encantar-se com essa pequena pérola do cinema nacional.

O jovem Benjamin (vivido pelo próprio Mello) está passando por uma grave crise de identidade. Apresentando-se pelo interior do Brasil (em especial Minas Gerais, terra do ator e diretor) com o circo Esperança - na pele do palhaço Pangaré, ao lado do pai, Puro Sangue (Paulo José, fantástico) e de um trupe de personagens felinnianos - ele sente que não está mais feliz ("quem vai me fazer rir?", ele pergunta melancólico a uma fã com segundas intenções). Sem carteira de identidade, nem CPF e muito menos comprovante de residência, ele sente-se solitário, perdido e desprovido de qualquer real motivação para manter-se na vida artística. Enquanto tenta encontrar um caminho - e sua paixão por ventiladores tanto pode significar a eterna busca circular pelos sonhos, como disse o cineasta, como a ideia da necessidade de um pouco de ar - Benjamin acompanha seus colegas por cidadezinhas tristes, modorrentas e áridas, que remetem ao país retratado na poesia brutal de "Central do Brasil".

Selton Mello acerta em cheio em não deixar-se contaminar totalmente pela tristeza que a história poderia provocar. Enquanto Benjamin se mantém como um anti-herói tragicômico (com ecos de Carlitos), em sua busca quixotesca por uma loja de auto-peças que pode significar seu rompimento com o passado, o elenco coadjuvante faz a festa em sequências de um humor puro, ingênuo e leve como um bom número de palhaços de circo. Moacyr Franco levou o prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Paulínia por sua atuação antológica como um delegado, mas é injusto não citar as participações de Emilio Orciollo Neto, Jorge Loredo (o Zé Bonitinho em pessoa), Fabiana Karla, o sumido Ferrugem e até mesmo de Danton Mello, irmão de Selton, em uma aparição carinhosa.

Aliás, carinho parece ser a palavra-chave de "O palhaço". Nota-se perfeitamente em cada plano, em cada cena, o carinho de Selton por suas personagens, por sua história, por suas influências e principalmente por seus atores, todos extremamente bem dirigidos. Em tom quase anedótico, "O palhaço" é a prova viva de que, apesar da tradicional afirmação de que todo palhaço é triste - e não deixa de ser irônico que Selton, mais conhecido por seus papéis cômicos seja tão emocional em sua carreira de cineasta - fazer rir é não apenas uma vocação. É destino! Bravo, Selton! Que venha o próximo filme.

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A PELE QUE HABITO

Posted by Clenio on 11:08 in
Deve ser difícil ser Pedro Almodóvar. Um dos cineastas europeus mais celebrados das últimas décadas, o espanhol sempre se vê cercado de enormes expectativas em relação a seus projetos, sendo cobrado a realizar uma obra-prima atrás da outra (e o fez, "Tudo sobre minha mãe" e "Fale com ela" que o digam). O problema é que nem só de obras-primas vive um cineasta e quando ele entrega aos fãs (e aos detratores) filmes como "Abraços partidos" (que tem momentos espetaculares, diga-se de passagem) todo mundo acha que é "um filme menor". O que talvez essa gente nem perceba é que até mesmo os filmes "menores" de Almodóvar são sensacionais. Uma prova dessa afirmação? "A pele que habito", seu novo longa, foi recebido com certa frieza no Festival de Cannes, apesar do frisson de promover a reunião do diretor com seu antigo colaborador Antonio Banderas. Mas o filme, baseado em um romance de Thierry Jonquet, é uma bela fábula sobre obsessão e vingança (temas tão caros ao cineasta).

Trabalhando pela segunda vez sobre o material alheio - a primeira foi em "Carne trêmula", em que adaptou livremente um romance policial da americana Ruth Rendell - Almodovar realiza, em "A pele que habito", um filme de gênero, ou seja, segue alguns padrões pré-estabelecidos, mas nunca deixa de lado algumas de suas características mais marcantes (a desinibição de mostrar o sexo como ele é, a imprevisibilidade, a opção por personagens complexas, o gosto pelo melodrama). Apesar de não deixar muito espaço para gargalhadas, a trama ainda consegue permitir a ele que enxerte seu tradicional humor negro, mesmo que ele não ocupe (talvez infelizmente) muito tempo. "A pele que habito" é um conto sombrio e talvez justamente este lado negro de Almodóvar é que tenha assustado parte de seus fãs (que deveriam dar uma revisada em "Matador" para lembrar que o diretor nem sempre foi engraçado....)

Como sempre nos filmes do autor de "Mulheres à beira de um ataque de nervos", é difícil resumir a trama - mesmo porque qualquer coisa que seja dita a mais pode estragar as reviravoltas do roteiro - mas o que se pode ser dito sem prejuízo à história é que o protagonista é Robert Ledgard (um Banderas amadurecido e controlado), um famoso e bem-sucedido cirurgião que está no estágio final de uma experiência de criar uma pele humana nova, imune a queimaduras e picadas de inseto, por exemplo. Sua cobaia no experimento é a bela Vera (Elena Ayala), que vive trancada dentro de sua mansão, sendo vigiada pela copeira Marilia (Marisa Paredes, outra habitual parceira do realizador). Quando o filho de Marilia, o foragido Zeca (Roberto Álamo) reaparece, ele traz de volta um trágico passado envolvendo a esposa e a filha de Robert, assim como o do jovem Vicente (Jan Cornet), que se torna vítima da fúria do médico.

É bom chegar ao cinema sem maiores informações sobre "A pele que habito". Como toda a obra de Pedro Almodóvar, é delicioso, é surpreendente, é sensual, é talvez chocante. Mas é, acima de tudo, grande cinema, como somente ele e poucos outros cineastas em atividade conseguem proporcionar.

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"DEPOIS", MINHA MÚSICA DO MOMENTO

Posted by Clenio on 23:04 in
Essa letra diz muito melhor do que eu poderia dizer sobre meu momento.


"Depois
De sonhar tantos anos
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
Depois
De tantos desenganos
Nós nos abandonamos
Como tantos casais
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também


Depois
De varar madrugada
Esperando por nada
De arrastar-me no chão
Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu precisava escutar
Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também
Nós dois
Já tivemos momentos
Mas passou tanto tempo
Não podemos negar
Foi bom
Nós fizemos história
Pra ficar na memória
E nos acompanhar
Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também
Depois
De acertarmos os fatos
De trocar seus retratos
Pelos de um outro alguém
Meu bem
Vamos ter liberdade
Para amar à vontade
Sem trair mais ninguém
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois"  (Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown)

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AO ANOITECER

Posted by Clenio on 16:15 in
Publicada em 1922, a novela "Morte em Veneza", do alemão Thomas Mann, é hoje considerada um clássico absoluto - fato que o belíssimo filme dirigido por Luchino Visconti em 1971 apenas confirmou. Narrando a obsessão de um escritor de meia-idade (ter cinquenta anos na época era praticamente estar com um pé na cova) por um adolescente esteticamente perfeito, Mann deu voz a um estudo sobre a fugacidade da juventude e a perenidade da beleza como forma de arte. Agora, o americano Michael Cunningham, de certa forma, dá a sua visão sobre o assunto com seu particular estilo de prosa. "Ao anoitecer" (Companhia das Letras) é seu quarto romance a chegar às livrarias brasileiras e aporta cinco anos depois de seu último lançamento - o livro de contos "Dias exemplares" - para, mais uma vez, encantar os leitores com uma história psicologicamente forte e inteligente. E a menção à "Morte em Veneza" não é apenas casual.

Assim como no livro de Thomas Mann é o quase infante Tadzio que inicia o processo obsessivo do protagonista, na obra de Cunningham é o jovem Mizzy (abreviação de mistake - erro) quem deflagra a onda de crise existencial em Peter Harris, o dono quarentão de uma galeria de arte que vê no rapaz de vinte e poucos anos (belo, rebelde e com problemas com drogas) uma espécie de reencarnação de seu irmão homossexual cuja beleza lhe despertou o senso estético e sensações dúbias ainda na pré-adolescência. O problema com Mizzy - além de ser homem, mais jovem e consideravelmente problemático - é o fato de ser o irmão caçula de Rebecca, esposa de Peter. E é o jovem (sensual, inteligente e desprovido de quaisquer convenções sociais rígidas) cunhado quem desencadeará no correto Peter uma onda de lembranças, desejos e dúvidas sobre sua vida, seu trabalho e até mesmo sobre seu casamento.

"Ao anoitecer" não se desvia para o lado homoerótico da atração de Peter por Mizzy, ainda que toque no assunto sem medo. A trama de Cunningham abrange bem mais do que simplesmente o tesão de um homem de 44 anos por um jovem de 21. Harris não se excita apenas pelo corpo de Mizzy e sim pela beleza que representa, pela juventude que exibe, pelos sonhos que ainda possui - e pelo tempo que ainda tem para realizá-los. O livro é uma ode à beleza, uma homenagem às boas memórias, um estudo sobre a avaliação que fazemos de nossas vidas periodicamente. Os personagens do escritor podem transitar por círculos sofisticados de uma Nova York cosmopolita e bem nascida, mas seus sentimentos de saudade e ânsia de viver (ou deixar de) são universais e profundos. Michael Cunningham é um mestre no assunto e é difícil ficar indiferente à sua obra (seja ela este novo livro ou os geniais "As horas" e "Uma casa no fim do mundo").

Talvez seja exagero equiparar "Ao anoitecer" a um livro tão amplamente estabelecido como obra-prima quanto "Morte em Veneza". Mas cada geração tem seu Aschenbach (protagonista da novela de Mann) apropriado e este novo romance caminha para se tornar um pequeno clássico.

"Não, Rebecca, você não quer isso. Você quer continuidade. EU é que quero ser livre. Eu é que faço as coisas indizíveis. (...) Rebecca, você não pode ter essa fantasia. Essa fantasia é minha."

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DOIS FILMES COM RYAN GOSLING - ENTRE SEGREDOS E MENTIRAS/HALF NELSON

Posted by Clenio on 15:16 in
Os filmes menos comerciais do ator canadense Ryan Gosling tem uma má sina no Brasil. Quando são lançados (SE são lançados), sempre é com atraso, como aconteceu com o belo "Namorados para sempre" (que sofreu com o título nacional equivocado) e com "Entre segredos e mentiras" (que estreou nos EUA em dezembro do ano passado e só agora aporta por aqui). Caso pior aconteceu com "Half Nelson", que lhe deu uma indicação ao Oscar em 2006 e nunca passou nas telas brazucas, não tendo sido nem mesmo lançado em DVD. Para assistí-lo, somente com insônia o bastante para cruzar com ele na programação da madrugada da TV a cabo. Um dos atores mais intensos e impressionantes de sua geração, Gosling, às vésperas de completar 31 anos, é provavelmente a melhor promessa com que Hollywood acena aos fãs de cinema desde que Edward Norton surgiu em "As duas faces de um crime", em 1996.


ENTRE SEGREDOS E MENTIRAS - Baseado em um rumoroso caso real ocorrido em Nova York em 1982, o filme de Andrew Jarecki tem nas atuações de Gosling e Kirsten Dunst seu maior trunfo. Ele vive David Marks, filho de um empresário do ramo imobiliário nova-iorquino (Frank Langella) que hesita em seguir os passos do pai. Depois de apaixonar-se e casar-se com a bela Katie (vivida com surpreendente maturidade por Dunst), ele começa a demonstrar traços agressivos e complexos de sua personalidade, chegando até mesmo a agredir a esposa. Quando ela desaparece, ele torna-se o principal suspeito, mas até hoje não há provas de sua culpa. O roteiro explora com sutileza o desequilíbrio do protagonista, permitindo ao ator uma interpretação repleta de nuances - mesmo que, em sua reta final tudo se torne extremamente bizarro e quase inverossímil. A mistura entre drama e suspense pode causar estranheza em um primeiro momento, mas o filme se segura lindamente na dupla central de atores, em dias iluminados. Estreou por aqui sem maiores fanfarras, mas merece uma conferida - é um filme consistente e maduro de um cineasta promissor (Jarecki é o diretor do ótimo documentário "Na captura dos Friedman").

HALF NELSON - ENCURRALADOS - Merece um prêmio a criatura que deu o subtítulo de "Encurralados" a este drama difícil e um tanto quanto deprimente dirigido por Ryan Fleck (o título original se refere a um movimento de luta livre). Aqui, Gosling mereceu uma indicação ao Oscar por seu trabalho como Dan Dunne, um professor de história viciado em drogas que vê seu problema descoberto por uma aluna cujo futuro não parece nada alvissareiro (ela vive em um bairro barra-pesada, cercada por traficantes). Os dois ficam amigos e tentam ajudar um ao outro, mas o roteiro foge do convencional e do dramalhão, preferindo um distanciamento que, ao mesmo tempo em que ajuda a manter o tom quase documental, também atrapalha o envolvimento com o protagonista. Ryan mostra que sabe segurar um protagonista como poucos atores de sua geração, sem os exageros ou tiques que uma personagem assim normalmente exige. É um filme um tanto arrastado, mas que vale por seu trabalho acima da média. A indicação ao Oscar foi justa.

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HANNAH

Posted by Clenio on 13:27 in
Em mais uma amostra do quão obtusa é a distribuição dos filmes no Brasil, o filme "Hannah", dirigido pelo britânico Joe Wright chega ao formato DVD sem sequer ter passado pelas salas de exibição. Saindo lindamente de sua zona de conforto - a saber, os dramas românticos de época que lhe deram prestígio, como "Orgulho e preconceito" e a obra-prima "Desejo e reparação" - Wright brida o público, em seu novo filme, com uma bem-vinda e necessária lufada de ar fresco a um gênero que necessita há um bom tempo de renovação. Ainda que "Hannah" seja um filme de ação atípico (por inúmeras razões, sendo a principal delas a sua protagonista), é impossível negar que todos os elementos que fazem a alegria do espectador estão muito bem representados. Mesmo que não seja um filme que imediatamente possa ser reconhecido como uma obra de Wright, "Hannah" é visualmente criativo, dirigido com competência e, o que é melhor ainda, tem um elenco de encher os olhos.

Saoirse Ronan (a garotinha indicada ao Oscar de coadjuvante por "Desejo e reparação") vive a personagem-título, uma menina criada isolada do mundo e treinada por seu pai, um ex-agente da CIA (vivido pelo sempre ótimo Eric Bana) para tornar-se uma assassina perfeita. Sem contato algum com qualquer tipo de tecnologia e outros seres humanos, ela, aos 16 anos e considerada pronta em sua preparação, sai de sua cabana na Finlândia para o mundo, especialmente com o objetivo de fugir da misteriosa agente Marissa Wiegler (a esplêndida Cate Blanchett), que tem por objetivo principal eliminá-la - por motivos que o roteiro só irá esclarecer aos poucos.

O roteiro de "Hannah" não é exatamente um primor quando se trata de aprofundar suas personagens, que nunca ultrapassam o tom superficial e um tanto onírico da trama (que, segundo o cineasta, buscou inspiração em contos dos irmãos Grimm). No entanto, Wright surpreende muito positivamente nas sequências em que a protagonista vai à luta (literalmente): ao som da trilha espetacular de Chemical Brothers e com uma edição inteligente, o filme não deixa nada a dever a outras obras estreladas por heroínas femininas, como "Salt" e "Nikita" (aqui, claramente uma referência). Nesse quesito, a jovem Ronan mostra todo o potencial de tornar-se uma das atrizes mais importantes de sua geração: além de sair-se muito bem como matadora, ela também é capaz de transmitir toda a gama de emoções que sua personagem exige (e já dá pra ficar com água na boca de imaginar sua nova colaboração com Wright, na refilmagem de "Anna Karenina").

"Hannah" é visualmente arrebator desde sua primeira cena e, graças a seu diretor extremamente talentoso e um elenco impecável, consegue ser um dos entretenimentos mais consistentes do ano. Infelizmente, só mesmo em DVD...

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3

AINDA...

Posted by Clenio on 17:14 in
Oi, cadê você com suas reclamações da vida? Cadê seu sotaque preocupado que se aliviava com uma boa dose de cerveja? Cadê sua raiva do mundo, seu desprezo pela humanidade, seu sentimento de superioridade mesclado com seu senso de inadequação? Cadê você, onde anda seu pensamento, por onde vaga seu desejo? Eu preciso saber de você, da sua vida, dos seus planos, de suas crises... Eu preciso!

Em que mesas de bar você anda afogando suas eternas mágoas que tanto tentei curar? Com que tipo de pessoa você desabafa seus medos, suas bravatas? Que tipo de filmes você anda assistindo, que livros anda lendo (ou relendo)? Quais novas canções tristes e melancólicas lhe tem feito viajar para fora do seu mundo torturante? Ainda existe dentro de você aquele pedacinho de céu que impede o inferno de assolar sua existência? Quais são suas ideias para enfrentar mais um verão? Quem anda ocupando seu coração?

Eu continuo aqui, levando uma existência sem você, mas lembrando cada contorno do seu rosto, cada detalhe da sua voz, cada idiossincrasia de sua personalidade tão caótica, e isso me assusta, isso me assombra, me sufoca, me apavora. Tenho medo de não conseguir apagar de minha memória todos os planos que fiz com você, todas as certezas que construí, toda a coragem que arrumei como se fosse a última possibilidade de uma utopia inimaginável. Tenho medo - e a cada dia ele me parece menos paranoia e mais uma verdade insofismável - de nunca mais ver em outras pessoas as qualidades que vi em você, mesmo que a dor e a tristeza muitas vezes tenham acompanhado a felicidade (e quando é que não é assim quando se ama de verdade??)

Eu queria dizer que estou bem, que sua ausência me libertou e me deixou menos angustiado e mais leve, mas mentiras nunca fizeram parte do meu show junto a você. Eu poderia dizer que já me apaixonei de novo, que vislumbrei em outro alguém a alma que senti saindo de suas palavras tristes. Eu seria esperto e soaria menos fracassado se dissesse que superei a distância emocional que nos separa, mas quem sou eu para berrar inúteis falácias se o universo - pra quem soltei impropérios os mais variados - sabe da dor que se mantém viva no meu coração? Eu queria dizer que apaguei seu número de telefone da discagem rápida... mas isso tampouco é verdade. Ele ainda está lá, me chamando como um mau agouro, como um precipício, como um corvo em busca do alimento diário.

Não, eu não te esqueci. E aquelas canções dolorosas que dividimos em noites frias ainda me fazem chorar....

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3

CONTRA O TEMPO

Posted by Clenio on 13:17 in
Duncan Jones é filho do cantor David Bowie. Apesar desse impressionante pedigree, pouca gente além dos fãs de seu famoso progenitor sabia seu nome até 2009, quando ele estreou como cineasta. O filme "Lunar", estrelado por Sam Rockwell, recebeu elogios entusiasmados da crítica e, o que não é nada mal, um BAFTA de melhor diretor britânico estreante. Agora, aos 40 anos, Jones chega ao cinemão hollywoodiano com "Contra o tempo", um filme que, assim como em sua estreia, aposta mais na inteligência do que em um ritmo alucinante. O resultado é mais consistente do que a maioria dos filmes de ação da temporada, mas ainda assim dá a impressão de ter acabado rápido demais.

O filme já começa em plena ação, quando o jovem Colter Stevens (Jake Gylenhaal) acorda, sobressaltado, durante uma viagem de trem. Um tanto perdido, ele estranha o fato de, aparentemente, conhecer a mulher que está à sua frente (Michelle Monaghan), mesmo que não lembre absolutamente nada a seu respeito. As coisas ficam ainda mais confusas quando, ao olhar-se em um espelho, ele vê o reflexo de outro homem e, pior ainda, quando o trem explode. A partir daí, tanto o espectador quanto o protagonista ficam sabendo do que se trata: piloto de helicóptero do exército americano, Stevens foi ferido em combate e escolhido pela força aérea para participar de um projeto chamado "Source Code" - o que significa, basicamente, que ele utilizará o corpo de outro homem para, dentro de um prazo de oito minutos, tentar descobrir quem é o responsável pela explosão do trem. A cada vez que volta à personalidade que é obrigado a assumir, ele descobre mais detalhes sobre a missão.

Contando é confuso. Assistindo, é intrigante. O roteiro de "Contra o tempo" não é exatamente genial, mas a edição vigorosa, o talento de Jones em comandar cenas de ação que escapam do clichê e a atuação de Gylenhaal - alçado ao posto de protagonista depois do morno "O príncipe da Pérsia" - fazem do filme um entretenimento bastante eficaz e a participação dos sempre competentes Vera Farmiga e Jeffrey Wright também colaboram para confirmar o que todo fã de adrenalina no cinema já começam a desconfiar: Duncan Jones é um nome a ser guardado.

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