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AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL

Posted by Clenio on 19:39 in
Sempre que um livro ou filme tenta "definir" uma geração ou descrevê-la com intenções sociológicas corre o sério risco de uma generalização oca e simplista. A sorte é que, apesar da desvantagem numérica, para cada dezena de bombas metidas a profundas surge uma pérola capaz de devolver aos cinéfilos a esperança e o sorriso. É o que acontece com "As vantagens de ser invisível", a delicada, terna e sensível adaptação de um romance... delicado, terno e sensível, que narra as aventuras de um adolescente desajustado quando finalmente encontra em uma dupla de meio-irmãos a turma pela qual sempre ansiou. Escrito e dirigido pelo mesmo Stephen Chbosky que escreveu o livro que lhe deu origem, o filme conquista o espectador graças principalmente por jamais tentar parecer mais do que é: um simples entretenimento de qualidade - ainda que justamente essa sua discrição o eleve acima da média do gênero e o faça ser interessante até mesmo por quem já saiu da faixa etária de seu público-alvo há um bom tempo.

O protagonista do filme é o tímido Charlie (interpretado com sutileza e talento por Logan Lerman), um rapaz de 16 anos com um pesado histórico de problemas psicológicos que carrega consigo o trauma da morte de uma tia querida (Melanie Linskey, a paixão de Kate Winslet em "Almas gêmeas") e um profundo desajuste ao mundo que o cerca. Inteligente e dedicado, ele chega em uma escola nova e logo faz amizade com o professor de Inglês (Paul Rudd), que se comunica com ele através de alguns livros clássicos que o fazem perceber o mundo à sua volta. Mas o que acaba sendo mais importante que tudo é seu encontro com Sam (Emma Watson, deixando a Hermione da série "Harry Potter" pra trás) e Patrick (Ezra Miller, de "Precisamos falar sobre o Kevin"), dois jovens que não se importam em seguir as regras pré-estabelecidas e, por consequência, não chegam a ser os mais populares da escola: ela vem de uma série de fofocas a respeito de seu comportamento promíscuo e ele vive um relacionamento escondido com o esportista Brad (Johnny Simmons) e não faz questão de esconder sua sexualidade. Ao lado dos novos amigos - em especial Sam, por quem se apaixona - Charlie passa a ter uma nova visão da vida e de si mesmo.

Apesar de sua trama não parecer exatamente empolgante - e chegar perigosamente perto de todos os clichês que sufocam o gênero - "As vantagens de ser invisível" tem a seu favor a delicadeza com que Chbosky trata suas personagens e a maneira com que jamais as julga. Mesmo que as atitudes de Sam e Patrick (e até mesmo algumas de Charlie) não sejam exemplares, elas não soam artificiais nem tampouco forçados, boa parte devido à sensibilidade com que o escritor/cineasta conduz as interpretações de seu elenco juvenil. Enquanto Emma Watson demonstra uma segurança de veterana a despeito de sua pouca idade e Erza Miller exercita novamente sua veia rebelde, o novato Logan Lerman seduz a audiência com uma aura de inocência convincentes como poucas vezes o cinema registrou. É difícil ficar imune ao charme e à beleza de suas cenas com Watson, que transmitem a sensação exata do primeiro amor e das descobertas a respeito da vida e das relações - o que a bela trilha sonora ainda reitera com precisão, em especial quando David Bowie solta a voz na bela "Heroes", que ilustra com perfeição os sentimentos dos protagonistas e sintomaticamente comenta uma das mais belas sequências do filme.

Tratando de assuntos polêmicos - drogas, homossexualidade, rebeldia juvenil - com respeito e nunca ultrapassando os limites do bom-gosto e da discrição, Chbosky faz um gol de placa já em sua segunda incursão às telas, e demonstra habilidade em dirigir seus atores - vale lembrar que o elenco ainda inclui Joan Cusack e Dylan McDermott, que, mesmo em papéis pequenos, se saem bastante bem. Feito com o objetivo de não decepcionar os (muitos) fãs do livro, "As vantagens de ser invisível" acaba por se tornar independente de sua origem literária: é um dos grandes pequenos filmes de 2012.

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A ESCOLHA PERFEITA

Posted by Clenio on 11:34 in
Sabe aquela tarde chuvosa em que só dá vontade de assistir a um filme bem boboca pra relaxar e ficar de bem com a vida? Pois é justamente para dias assim que foi feito "A escolha perfeita", uma deliciosa comédia musical que, quase do nada, tornou-se um grande sucesso de bilheteria nos EUA, arrecadando mais de 60 milhões de dólares contra um orçamento relativamente baixo de apenas 17 milhões. Lembrando em vários momentos da bem-sucedida série de TV "Glee", o filme do estreante Jason Moore - que comandou episódios de "Dawson's Creek" e "Brothers and sisters", entre outros seriados - é engraçado, leve e não tem medo de abraçar velhos clichês do gênero "filme de faculdade", transformando-os em trunfos ao invés de deixá-los se tornarem problemas.

Escrito por Kay Cannon, roteirista de "30 rock" - o que já dá uma pequena ideia do tipo de humor do filme - e baseado em um livro do jornalista Mickey Rapkin (que acompanhou uma disputa semelhante a que acontece na trama), "A escolha perfeita" une uma trilha sonora antenada e alto-astral a um elenco afiado e diálogos ácidos, que o distingue tanto de seu irmão televisivo quanto da maioria das produções musicais que vem chegando às telas com frequência desde que "Moulin Rouge" revitalizou o gênero. Mas que não se espere um musical tradicional, daqueles em que as personagens começam a cantar do nada. Em "A escolha perfeita" a música é mais uma protagonista do que um acompanhamento.

Quem lidera o elenco é a ótima Anna Kendrick - que equilibra no currículo a sofrível saga "Crepúsculo" e uma merecida indicação ao Oscar de coadjuvante por "Amor sem escalas". Ela vive Beca, uma aspirante a DJ que entra na universidade com o objetivo único de agradar ao pai, professor de Literatura Comparada. Assim que chega - e arruma um trabalho como assistente da rádio local - ela acaba indo parar em um grupo de alunas que tem por missão vencer o concurso nacional de música a capella depois de um vexame no ano anterior. Ao lado das patricinhas Chloe (Brittany Snow) e Aubrey (Anna Camp) e de várias outras colegas menos favorecidas fisicamente, Beca tenta transformar o repertório rígido do grupo em algo mais empolgante e acaba se envolvendo com Jesse (Skylar Astin), que faz parte do grupo rival - o que é terminantemente proibido pelas regras impostas por suas líderes.

Mesmo que nem ao menos tente aprofundar suas personagens - em especial as coadjuvantes, que tem como função quase única divertir o espectador com diálogos inteligentes e sarcásticos - o roteiro de Cannon tem a seu favor o perfeito equilíbrio entre música e humor, entre o moderno e o nostálgico (representado pela bela homenagem ao já clássico "Clube dos cinco", de John Hughes). Funciona em todos os níveis a que se propõe, entretendo sem exigir mais de seu público do que o desejo de duas horas de diversão. Perfeito para uma tarde chuvosa ou para escapar do calor em uma sala com ar-condicionado.

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AS PALAVRAS

Posted by Clenio on 00:59 in
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Em 1999, os cineastas Lee Sternthal e Brian Klugman ofereceram a seu amigo Bradley Cooper o papel principal de um roteiro que haviam acabado de escrever. Ainda desconhecido do grande público - conhecimento esse que veio com "Se beber, não case" - Cooper comprometeu-se com o filme. Passou mais de dez anos, porém, antes que finalmente o script da dupla finalmente visse a luz dos refletores e, nesse meio tempo, Cooper tornou-se famoso - e a julgar pelos elogios à sua atuação na comédia "O lado bom da vida" um possível indicado ao Oscar. E é seu nome (e seu rosto no cartaz) a principal atração de "As palavras" - o tal roteiro escrito no final do século passado. Intrigante em seu princípio e emocionante em seu desenvolvimento, o filme peca apenas por não ter um final à altura de suas possibilidades.

Cooper se sai bastante bem na maior parte do tempo na pele de Rory Jansen, o bem-sucedido escritor de um best-seller aclamado pela crítica que é, na verdade, a personagem central de um romance escrito por Clay Hammond (Dennis Quaid). O livro de Hammond conta a trajetória de Jansen, um jovem escritor que não consegue vender seus trabalhos nem mesmo trabalhando em uma editora. Sentindo-se fracassado, ele encontra apoio na namorada Dora (Zoe Saldana) e, com menos intensidade, no pai (J.K. Simmons). Sua vida se transforma completamente quando, em viagem à Paris, ele ganha da amada uma bolsa que, sem que ela saiba, contém, escondido, o manuscrito de um livro perceptivelmente perdido pelo autor. Fascinado pela obra, Jansen a copia e vende como se fosse sua, tornando-se então famoso e rico. O que ele não poderia esperar, porém, é que o verdadeiro autor do livro (Jeremy Irons) fosse aparecer para lhe contar a origem da história.

É fascinante a maneira com que os roteiristas e diretores inserem uma história dentro da outra, envolvendo a audiência em um suspense delicado e inteligente que apresenta também uma devastadora história de amor na Paris pós-guerra. O problema é que, a partir de determinado ponto da narrativa, tudo acaba perdendo a força e a impressão que fica é de que nem mesmo eles sabiam como finalizar sua história. Nem mesmo o trabalho do sempre competente Jeremy Irons - talvez um tanto jovem pro papel - consegue se sobressair diante de um texto que começa interessante para, aos poucos, virar um samba do crioulo doido. O excesso de viradas também é prejudicial, diluindo a força do final - que, apesar de abrupto, poderia ser bastante impactante não fosse justamente sua pressa.

No final das contas, "As palavras" é bem mais interessante do que muitos filmes lançados semanalmente, mas se ressente de uma mão mais firme no roteiro final. Uma pena.

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CURVAS DA VIDA

Posted by Clenio on 00:28 in
 
 
Já faz tempo que Clint Eastwood vem desenvolvendo o papel de "velho ranzinza" que encontrou seu auge no elogiado "Gran Torino" - alardeado por ele mesmo como sua última atuação nas telas. O tempo passou, o papel foi se refinando e o velho e bom Eastwood acabou por não deixar as telas, para alegria de seus (muitos) fãs. Seu novo filme, "Curvas da vida", dirigido por seu antigo produtor e assistente de direção Robert Lorenz aproveita mais uma vez a persona com que o veterano ator/diretor vem construindo essa nova fase da carreira, mas esbarra na própria inexperiência e em um roteiro sem novidades e, pior ainda para quem não entende (ou não dá a mínima) para beisebol, repleto de termos técnicos e tramas que envolvem o jogo.

A personagem de Eastwood é Gus, um experiente caça-talentos cuja carreira está com os dias contados devido a uma doença degenerativa que em breve o deixará cego. Escondendo de todos a sua situação, ele se vê obrigado a conviver com a filha, Mickey (Amy Adams), uma advogada com quem não tem a mais saudável das relações, quando ela vai passar um tempo com ele, a pedido de um amigo antigo, Pete (John Goodman). Enquanto seu relacionamento aos poucos começa a melhorar - boa parte devido às tentativas de comunicação da jovem - ela passa a demonstrar interesse na profissão do pai e se envolve com Johnny (Justin Timberlake), ex-jogador que está tentando uma nova carreira na área esportiva.

E é só isso. O roteiro nunca tenta aprofundar nenhuma das relações mostradas em cena, desperdiçando o enorme talento de Amy Adams, que passa o filme inteiro dividida entre brigar com seus colegas advogados, tentar estreitar os laços com o pai e iniciar um romance pouco convincente com um Justin Timberlake que já demonstrou talento em outros filmes mas que aqui é subaproveitado. E a subtrama dos caça-talentos que buscam jogadores através de estatísticas e números já foi desenvolvida com mais propriedade no recente "O homem que mudou o jogo", que pelo menos tinha um foco mais específico.

"Curvas da vida" não é ruim. Tem gente boa demais envolvida  para isso. Mas não emociona como poderia, não empolga como deveria e nem dá a seus atores chances de grandes interpretações. Em sua meia-hora final até engata uma terceira, mas há muito pouco a ser salvo, uma vez que a plateia já deixou de se importar com seus protagonistas há um bom tempo.

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MOONRISE KINGDOM

Posted by Clenio on 23:37 in
Não é todo mundo que gosta de Wes Anderson. Dono de um estilo único de filmar e bastante afeito a personagens que pairam acima do naturalismo que é moeda corrente na indústria hollywoodiana, o cineasta americano é queridinho da crítica mas ainda não tem nenhum enorme sucesso de bilheteria no currículo - e, a julgar pelos projetos que escolhe provavelmente nem tem intenções nesse sentido. Por outro lado, é inegável que justamente sua falta de compromisso com as caixas registradoras é que lhe permite ousadias narrativas como as que ele comete em seu novo filme, "Moonrise kingdom". Aparentemente uma história de amor adolescente, o sétimo longa de Anderson é, de longe, um dos mais criativos filmes do ano, dono de um visual arrebatador que torna absolutamente perdoável alguns momentos menos brilhantes.

Já fazendo parte da lista dos melhores filmes de 2012 - o que pode se refletir na próxima cerimônia do Oscar - "Moonrise kingdom" começa já mostrando que não é um filme comum, apresentando à audiência a forma com que a adolescente Suzy (Kara Hayward) vive sua rotina familiar. Única filha mulher de um casal de advogados (os sempre fabulosos Frances McDormand e Bill Murray, ator-fetiche do cineasta) que comandam a casa através de alto-falantes, a jovem sente-se extremamente solitária, o que acaba a aproximando - através de cartas tão contundentes quanto lacônicas - de outro adolescente desajustado, o órfão Sam (Jared Gilman). Frequentemente incomodado pelos colegas escoteiros - cujo líder é o atrapalhado Ward (Edward Norton) - Sam se apaixona por Suzy e, juntos, eles planejam uma fuga e uma vida à beira do mar, em uma cabana, cercados apenas pelos livros e discos da menina. Logicamente sua fuga cai como uma bomba, tanto na família aparentemente perfeita de Suzy quanto no acampamento de escoteiros de Sam. Todos se unem, então, para encontrar os jovens amantes.

É imprescindível, para que melhor se aproveite das delícias de "Moonrise kingdom", que se tenha plena consciência de que ele não é um filme como outro qualquer. Tudo na obra de Anderson - desde o roteiro repleto de diálogos quase surreais até as atuações anti-naturalistas, passando pelos cenários fascinantes - foge do convencional, do corriqueiro. Nem mesmo o romance entre Sam e Suzy é exatamente o que se espera de uma história de amor adolescente - o primeiro beijo entre eles é absurdamente estranho - e nem mesmo a subtrama que envolve o policial Sharp (Bruce Willis) com a mulher que ama soa desnecessária, dando ao ator uma cena bastante emocionante (ainda que seja preciso atenção para encontrar momentos nitidamente comoventes na anarquia organizada do diretor).

"Moonrise kingdom" é estranho. Mas, debaixo de sua estranheza, de sua excentricidade e de seu visual bizarro é também um belo filme a ser descoberto por aqueles que não se arriscam ao novo.

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W.E. - O ROMANCE DO SÉCULO

Posted by Clenio on 22:39 in
A primeira coisa que é preciso ter em mente quando se propõe a uma sessão de "W.E. - O romance do século" é o fato de Madonna ter contra si a imensa má-vontade dos críticos e da própria indústria do cinema. Salvo raríssimas exceções - e mesmo assim longe de uma margem confortável de elogios - a estrela pop é sistematicamente bombardeada com uma animosidade quase inexplicável sempre que tenta a sorte na sétima arte. Um exemplo claro e insofismável dessa antipatia generalizada pela ex-mulher de Sean Penn e Guy Ritchie - ambos bem-sucedidos nas carreiras de cineastas - foi a forma violenta com que seu novo filme como diretora foi recebido de forma quase unânime. Malhado impiedosamente pela crítica, "W.E" não mereceu toda essa enxurrada de pedras. Mesmo que esteja bem longe de ser uma obra-prima - e também peque em alguns itens cruciais - a história de amor entre o rei Eduardo VIII e a americana divorciada Wallis Simpson é contada por Madonna com um senso estético e um refinamento que revelam que suas três décadas como estrela de videoclipes lhe ensinaram muita coisa.

Fotografado com requinte e sutileza pelo alemão Hagen Bogdanski, "W.E" começa com uma cena de inegável impacto, quando Wallis (Andrea Riseborough) é violentamente espancada pelo primeiro marido durante a gravidez. Essa cena - aparentemente desnecessária - fará eco mais tarde com a situação triste vivida pela jovem Wally Winthrop (Abbie Cornish), que passa por uma séria crise em seu casamento justamente por desejar ardentemente um bebê. Wally - assim batizada justamente porque sua mãe era fã da famosa Wallis - é a verdadeira protagonista do filme, deixando o romance entre a americana à frente de seu tempo e o rei que abdicou do trono por amor (e o deixou com o irmão, protagonista do filme "O discurso do rei") quase como uma trama secundária que comenta (às vezes sem a força necessária) a trajetória da Wally contemporânea e seu tímido romance com Evgeni (Oscar Isaac), o segurança russo do museu onde acontece uma exposição sobre o célebre casal. E é justamente essa opção do roteiro - escrito pela cantora e por Alek Keshishian, que a dirigiu em "Na cama com Madonna" - que acaba sendo sua maior e mais crítica falha.

Ao dividir a atenção em duas histórias que não precisariam necessariamente estar conectadas - ao menos de forma tão frágil - Madonna tira o foco daquela que poderia ser a trama mais interessante e que dá título a seu filme. A história de amor que abalou a realeza inglesa é contada de maneira um tanto confusa e superficial, obrigando a plateia a adivinhar certos acontecimentos e encontrar-se sozinha no emaranhado de imagens que sublinham a ligação entre as duas protagonistas. Demora um pouco para que o público finalmente perceba as intenções do roteiro e essa confusão é quase fatal, em especial para uma audiência não exatamente acostumada a pensar. Prejudicado ainda pelo fato de não ter astros de primeira grandeza em seu elenco - Ewan McGregor chegou a ser confirmado como Eduardo VIII mas teve de cair fora por problemas de agenda - o filme rendeu pouco mais de 500 mil dólares no mercado americano contra seu custo estimado de 15 milhões (bancados pela própria Madonna), o que apenas reitera o desprezo do público pela Madonna cineasta.

Apesar de ter custado barato, porém, "W.E" em nenhum momento passa essa impressão. Cuidadosamente produzido - chegou a concorrer ao Oscar de figurino e rendeu à cantora uma indicação ao Golden Globe pela bela canção "Masterpiece" - e visualmente excitante, é um produto que seduz sua audiência pela sutileza e pela delicadeza. Vindo de Madonna - não exatamente um exemplo de discrição - não deixa de ser positivamente surpreendente.

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"FLOR DE OBSESSÃO" E A MAGIA DO TEATRO

Posted by Clenio on 00:42 in
Estar em um palco é algo inexplicável. A sensação de estar defendendo uma personagem com a qual muitas vezes não se tem a menor identificação social, física ou emocional é talvez o mais perto de uma esquizofrenia a que uma pessoa sã (ao menos na definição médica do termo) pode chegar. E podem me rotular de maluco ou coisa que o valha, mas alguns dos melhores momentos pelos quais passei até hoje na minha vida estão intimamente relacionados aos palcos. É ali, naquele perímetro limitado por marcações imaginárias, luzes fortes e música potente que eu encontro quem eu sou realmente. Eu não sou apenas um. Eu sou vários. Eu sou Lucas de "Como dizia o poeta". Sou Afrânio de "Pouco amor não é amor". Sou Arthur de "Nunca mais até amanhã". E nesse último final de semana eu fui Humberto e Herculano - duas personagens antagônicas e fascinantes - em "Flor de obsessão", revisitando o dramaturgo mais importante do Brasil, o saudoso Nelson Rodrigues.

Mais do que estar no palco interpretando cenas de duas peças de repercussão distintas - a quase desconhecida "A mulher sem pecado" e a consagrada "Toda nudez será castigada" - eu estava saindo da minha realidade para embarcar em mundos novos, em dramas muito mais potentes e trágicos, atravessando a fronteira entre o real e o sonho. Dançar um tango com Thai Ribeiro e tentar convencer Ramiro Corrêa de que o "sexo é uma coisa nobre, linda..." me tiraram de Porto Alegre, me jogaram em um universo único, onde prostitutas, gigolôs, tias solteironas, travestis, colegiais virginais com pensamentos lúbricos e famílias disfuncionais convivem pacificamente e se esbarram constantemente, em um jogo - talvez a melhor definição de todas - de onde todos saem vitoriosos. Todos ali fizeram gols, todos os 26 jogadores tiveram seu momento de atacante e de zagueiros. Todos driblaram a timidez, a insegurança, as limitações e os medos para, diante de uma plateia lotada, fazerem seus gols de placa. Todos ali estavam loucos, todos ali estavam dando o melhor de si, todos se entregaram alucinadamente ao prazer de teatrar, de brincar de ser outra pessoa, de alucinar por duas horas. E essa união, essa energia única que uniu quase 3 dezenas de pessoas de origens, pensamentos e ideais diferentes me faz ter a certeza ainda maior de que estou no caminho certo para encontrar a minha felicidade profissional.

Depois desse final de semana eu só posso agradecer a cada um dos meus colegas por terem me dado a chance de conhecê-los, de ter feito exercícios com eles, de tê-los visto crescer e se aprimorar até que o grande dia chegou. Não foi com todos que tive uma relação mais próxima - e deixo minha mea culpa aqui, para a posteridade - mas em alguns encontrei uma sintonia que certamente nos manterá unidos como profissionais e amigos. Eis outro milagre do teatro: colocar em meu caminho aqueles que certamente não sairão dele nunca mais. Obrigado, teatro. E obrigado a todos que aplaudiram mais uma vez a transformação de uma ficção literária em uma realidade imaginada.

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NA TERRA DE AMOR E ÓDIO

Posted by Clenio on 18:28 in
Alguém duvidava que a estreia de Angelina Jolie como cineasta trataria de um tema polêmico e socialmente relevante? A bela atriz, que é embaixadora da ONU sempre preocupou-se com a situação dos países menos privilegiados - e tem filhos adotivos do Camboja, da Etiópia e do Vietnã. Por isso, não deixa de ser previsível que seu primeiro filme como diretora seja "Na terra de amor e ódio", que versa sobre as tragédias humanas que são consequência da guerra da Bósnia. Por ser falado em bósnio (o que lhe aumenta a veracidade mas diminuiu consideravelmente suas chances de sucesso comercial), seu trabalho chegou a ser indicado ao Golden Globe de filme estrangeiro, mas não agradou à boa parte da crítica, que condenou seu tom de discurso político e sua falta de ousadia narrativa. Mas é inegável que a história contada por Jolie - também roteirista e produtora - é forte e intenso o bastante para deixar prever uma nova e promissora carreira atrás das câmeras para a bela sra. Brad Pitt.

Ousando de cabo a rabo, Jolie também preferiu atores locais para contar sua história, em detrimento de astros hollywoodianos que poderiam, em tese, tornar seu projeto mais comercial. Mas desde as primeiras cenas de "Na terra de amor e ódio" fica bastante claro que as intenções da nova diretora não tinham a menor relação com sucesso financeiro. Mantendo-se fiel a seus princípios, Angelina nem se dá ao trabalho de tentar esconder a sujeira e o clima pesado do cenário de sua trama. Fotografado com um realismo que beira o desagradável, seu filme parece gritar a todo momento que o mais importante ali são os seres humanos retratados e seus dramas pessoais e políticos. O problema é que, optando por esse viés mais social e menos artístico, ela também afastou consideravelmente o público das salas de exibição. Ela realmente conta uma história forte e pungente, mas praticamente pregou no deserto: a renda americana de pouco mais de 300 mil dólares não chegou nem perto de cobrir o orçamento de 10 milhões.

Quem ignorou o filme, porém, perdeu a oportunidade de testemunhar um trabalho consistente e triste, que retrata com bastante precisão (ainda que por vezes escorregue no maniqueísmo) os horrores de uma guerra sangrenta e sem explicações racionais. A história de amor entre Danijel (Goran Kostic), um soldado lutando pelos sérvios e a sofrida Ajla (Zana Marjanovic), que nutre por ele um misto de amor/desejo/medo, é repleta de cenas chocantes, filmadas com sobriedade e distanciamento. É apenas quando foge das sequências violentas e se concentra no romance que o filme esbarra em uma inadequada pieguice, que fica ainda mais acentuada pela falta de carisma dos atores centrais, que são talentosos e estão bem dirigidos mas falham em provocar empatia na audiência.

"Na terra de amor e ódio" é um belo trabalho de estreia. Mesmo que não seja uma obra-prima,seus pecados são bem menores do que os cometidos por gente muito mais experiente. Vale a pena conferir nem que seja por sua relevância histórica e política.

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MADONNA - SEMPRE MAJESTADE

Posted by Clenio on 21:48 in
Há duas maneiras de se julgar o megashow apresentado por Madonna ontem à noite em Porto Alegre e os veredictos são previsivelmente distintos. Quem acompanha a carreira da Rainha do Pop e sabe que no mínimo desde "Drowned World Tour", de 2001 seus espetáculos são bem mais um mix de teatro, circo, dança e música do que exatamente um desfile de sucessos, esperava exatamente o que viu: uma superprodução que unia tecnologia, efeitos visuais arrebatadores, dançarinos absurdamente elásticos e um show conceitual e que exige mais da plateia do que simplesmente disposição para cantar e dançar como se o mundo fosse acabar - e logicamente saiu das duas horas de show extasiado com tanta beleza e criatividade. Por outro lado, os fãs ocasionais - ou aqueles pseudo-fãs, que ouvem meia dúzia de faixas na MTV e criticam todo e qualquer CD seu lançado no século XXI - e que esperavam um concerto nos moldes "greatest hits" provavelmente saíram desapontados. "MDNA Tour" é, como seus últimos shows, uma experiência sensorial muito mais gratificante e inesquecível.

Logicamente faltaram hits no show - e até mesmo o fã mais fiel pode ficar um pouco incomodado com esse grande senão. Concentrando-se nas faixas de seu último álbum - que dá o título ao espetáculo - Madonna optou por deixar de fora do setlist algumas de suas canções icônicas ("Like a virgin", "Ray of light", "Music" e a até então onipresente "La isla bonita" ficaram de fora e várias outras foram apenas lembradas com trechos frustrantemente curtos), o que deixou um gostinho de quero mais aos fãs que cresceram e se divertiram por três décadas de um repertório sempre delicioso e pop na medida certa. Por outro lado, esses mesmos fãs - os de verdade, aqueles que sabem que cantoras de verdade precisam se reinventar a cada trabalho ao invés de manter-se na zona de conforto - não tem como não perdoar essa decisão assim que a mãe de Lourdes Maria e Rocco (que faz uma sensacional participação especial em "Open your heart") entra em cena em um cenário religioso para começar a entoar "Girls gone wild": aos súditos fiéis só resta esquecer o atraso (que, ao contrário do que a mídia mal-informada insiste em dizer não foi de 3h40min mas de apenas 1h) e o cansaço de horas de espera para curtir cada minuto.

Aos 54 anos de idade, Madonna é assustadoramente mais capaz de seduzir sua audiência do que qualquer imitadora de quintal - e não, não incluo aqui Lady Gaga, que tem personalidade o bastante para fugir da pecha de derivativa em pouquíssimo tempo - e é incrível sua capacidade de cantar e dançar loucamente em um palco enorme por duas horas de um show que nunca perde o pique. Comprovando seu talento também em escolher seus colaboradores, ela se cercou novamente de dançarinos extraordinários e uma produção gigantesca que, por si só, já valeria a pena assistir. Tudo bem, o show tem um roteiro um tanto engessado que impede o improviso - e portanto surpresas - mas é tão bem amarrado, tão bem dirigido e coreografado que fica difícil reclamar. E se não fica horas conversando com a plateia - ela dirige-se ao público poucas vezes mas sempre com simpatia - ao menos Madonna oferece a ela duas horas de diversão da mais alta categoria e do melhor entretenimento que o dinheiro pode comprar.

Se reinventado há praticamente trinta anos - e se mantendo na mídia como pouquíssimas celebridades que realmente tem algo a dizer - Madonna não é majestade à toa. Seus seguidores não a amam incondicionalmente por todo esse tempo somente porque ela é libertária, orgástica e debochada - mesmo porque, no decorrer desses anos todos ela já foi também mãe de família, escritora de livros infantis e volta e meia flerta com problemas sociais e políticos (o telão de seu show, por exemplo, apresenta uma lista de jovens mortos por homofobia nos EUA). Eles a amam porque Madonna é uma artista completa, que canta, dança, representa e agora é também cineasta. Eles a amam porque ela não tem medo de se expor. Porque ela rompeu barreiras, porque pôs as mulheres no seu devido lugar de igualdade financeira e sexual, porque exigiu os direitos gays antes que virasse assunto do dia. Porque é notícia a cada videoclipe novo, a cada namorado, a cada respiro. Quem no universo pop sobreviveu com tanto sucesso assim por tanto tempo? Oportunista? Lógico que sim, mas com inteligência e discernimento o suficientes para que, unido ao oportunismo também estivesse um talento gigantesco que atravessa gerações.

Falar mal de Madonna porque ela é velha chega a soar ridículo - então Mick Jagger e Paul McCartney devem abandonar os palcos porque já não são mais jovenzinhos desejáveis? Criticá-la porque ela não tem mais o mesmo poder de vinte anos atrás é risível - sua turnê terá um lucro estimado em 300 milhões de dólares. Dizer que suas novas canções não empolgam a audiência é mentira - qualquer uma das 43 mil pessoas que lotaram o estádio Olímpico pode confirmar que "Girls gone wild" e "Give all your luvin'" levantou os fãs quase como seu hino máximo "Like a prayer" - talvez sua canção mais emblemática e completa. Ser um detrator de Madonna só revela uma absoluta falta de senso pop. Madonna ainda é majestade.

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PARA MEU BEICINHO ELÉTRICO

Posted by Clenio on 13:21
Para ler ao som de "You and I"... ou "At my most beautiful"... ou "Lucky"...

Era uma vez um menino tímido e quieto que só se acalmava quando se enfiava debaixo da mesa, em uma barraquinha improvisada, para assistir a "Chaves" e "Castelo Rá-tim-bum". Esse mesmo menino, de cabelos negros e pele branquinha, filho único e solitário por natureza, não via nas outras crianças de sua idade a companhia ideal, preferindo utilizar seu tempo lendo, perdido em um mundo muito mais interessante do que brincadeiras comuns.

Esse mesmo menino - que para sua vergonha futura usava sungas cor de laranja que constrastavam com sua pele e seu cabelo - cresceu isolado das pessoas tidas com normais, mas que a ele pareciam aborrecidas e ordinariamente fúteis. Desmaiava em consultórios médicos, se traumatizava com as brigas domésticas e passou por mesas de cirurgia, provavelmente com o mesmo olhar triste mas nunca menos do que profundo e apaixonante.

Esse menino cresceu, obviamente. Mas sempre teve dentro de si, desde a mais tenra infância, uma personalidade além de sua idade. Lia muito, assistia a filmes, se dedicava a atividades distantes do esperado para sua faixa etária. Não era amigo de todo mundo, preferindo qualidade à quantidade. E cresceu desconfiado, não entregando sua confiança plena a quase ninguém - e quando isso acontecia as decepções eram tantas que era impossível não se fechar ainda mais.

Esse menino - apesar da pouca idade - é um nostálgico de coisas que nunca viveu. Adora seriados antigos - "A feiticeira" e "Star Trek" só pra citar alguns - e é viciado em filmes de Natal, apesar da data nunca ter dado a ele a oportunidade de uma noite realmente feliz. Adora reality shows musicais - celeiro de seu conhecimento a respeito das subcelebridades mais louvadas da música americana (ao menos por ele!). Adora ler, mas de vez em quando não consegue esconder que gosta de coisas sofríveis como "50 tons de cinza". É azedinho, é estressado, é mau-humorado e tem um olhar pessimista em relação ao mundo - a não ser quando pensa nos futuros filhos, Lucas e Bruno (um louro e o outro ruivinho) e em todos os pequenos detalhes que farão parte de sua vida.

Esse menino - hoje já um homem - é honesto, é íntegro, é uma das pessoas mais especiais do mundo. É capaz de arrancar sorrisos de outro mau-humorado crônico que vive a milhares de quilômetros mas que não consegue dormir sem ouvir sua voz e seu sotaque falando coisas que o sono torna sem sentido em muitas ocasiões. É carinhoso, é terno, é engraçado e dá a seu grande amor os melhores momentos do seu dia. E nem imagina o quanto importante se tornou...

Esse menino/homem está de aniversário hoje. E hoje, ainda mais do que em qualquer outro dia, merece todas as homenagens possíveis. Infelizmente, só o que posso oferecer agora é esse texto desajeitado e um tanto fora de contexto e a promessa de um encontro o mais rápido possível. E a afirmação de que ele nem desconfia do quanto já conquistou alguém que já tinha perdido todas as esperanças de um amor bem-sucedido...

Te amo, Manny. Te amo, Beicinho Elétrico. Te amo, Yodinha. Feliz aniversário!

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007 - OPERAÇÃO SKYFALL

Posted by Clenio on 16:13 in
Quando a sessão acaba uma certeza fica na mente do espectador: para se assistir ao adrenalínico "007 - Operação Skyfall" não é preciso ser fã de James Bond nem ao menos ter conhecimento além do estritamente básico sobre a saga do agente secreto mais famoso do cinema e da literatura - sim, afinal de contas ele nasceu da imaginação de Ian Fleming muito antes de assumir as feições de Sean Connery. O filme de Sam Mendes - surpreendentemente o mesmo homem que assinou "Beleza americana", "Estrada para Perdição" e "Foi apenas um sonho", obras extraordinárias mas bastante diferentes do que ele mostra aqui - é uma aventura que equilibra com precisão cenas extremamente bem dirigidas de ação, uma história interessante e algumas cenas que traem seu talento em buscar a emoção de suas personagens. Em suma, é um programa imperdível para os fãs de 007 e para quem gosta de um bom entretenimento.

Independente das outras aventuras do espião, "Skyfall" tem uma história empolgante e repleta de momentos inspiradores, que comprovam o acerto dos produtores em escalar Mendes para a direção. Oriundo do meio teatral inglês, o cineasta tem uma visão elegante e esteticamente apurada, o que dá à nova aventura de 007 um visual arrebatador, desde a fotografia espetacular do veterano Roger Deakins até à edição ágil mas nunca cansativa de Stuart Baird. O roteiro mescla com segurança tanto sequências de tirar o fôlego com uma trama inteligente e que dá espaço suficiente para o desenvolvimento de suas personagens - em especial a chefe de Bond, M, vivida pela sempre ótima Judi Dench e que aqui tem a chance de mostrar porque é uma das maiores atrizes britânicas de sua geração, acompanhada por um Ralph Fiennes em vias de tornar-se ator fixo da série e por um Daniel Craig cada vez mais à vontade no papel central.

Mesmo que a premissa do roteiro não seja exatamente um primor de originalidade - em tempos de "Missão impossível" e os filmes da série Bourne inventar entrechos geniais é um exercício inglório para qualquer escriba - a forma como a trama é desenvolvida jamais deixa a peteca cair. O que começa como uma busca desesperada por um arquivo que promete desmascarar todos os agentes secretos do MI6 (e consequentemente causar suas mortes) chega a um final apoteótico que remete às origens de James Bond - não sem antes passar pelos planos megalomaníacos de sempre do vilão da vez, aqui representado - e muito bem, diga-se de passagem - pelo assustador Javier Bardem, deitando e rolando com uma personagem das mais interessantes dos últimos anos - e que quase foi parar nas mãos de Kevin Spacey. Os duelos entre Bond e Silva (o vilão) são de prender a respiração, tanto nas disputas físicas quanto nos diálogos, bem escritos na medida certa para um filme-evento.

É difícil não sair satisfeito de uma sessão de "007 - Operação Skyfall". Tudo funciona à perfeição, desde o elenco e a direção até à trilha sonora, o ritmo e a parte técnica. É uma diversão de primeira linha, que mostra ao espectador em cada cena onde foi parar seu gigantesco orçamento. Agrada aos fãs e conquista aos neófitos sem maiores dificuldades. Ah, se todos os blockbusters fossem assim....

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INTOCÁVEIS

Posted by Clenio on 22:20 in
Filmes sobre pessoas com qualquer tipo de deficiência física ou mental normalmente esbarram no sentimentalismo típico de quem procura emocionar o espectador a qualquer custo. Felizmente exceções existem e uma delas se chama "Intocáveis", um filme francês que mal estreou em seu país de origem em novembro de 2011 e tornou-se a segunda maior bilheteria da história do país. Dirigido pela dupla Olivier Nakache e Eric Toledano, a história real da amizade entre dois homens de origens e personalidades opostas caminha também para abocanhar o Oscar de melhor produção estrangeira - foi o filme escolhido pela França para representá-la na cerimônia da Academia, em fevereiro próximo, deixando pra trás até mesmo o excepcional "Ferrugem e osso", estrelado por Marion Cottilard.

Se no filme de Jacques Audiard que foi aplaudidíssimo no último Festival de Cannes a bela Cottilard interpreta uma treinadora de baleias que sofre um acidente e perde as duas pernas, em "Intocáveis" é François Cluzot quem se vê preso a uma cadeira de rodas depois de um acidente de parapente que o deixou tetraplégico. Quando o filme começa, sua secretária Magalie (Audrey Fleurot) está procurando um enfermeiro que possa lhe cuidar em tempo integral - o que inclui cuidados médicos, companhia e todo tipo de ajuda física. Contra todas as possibilidades, quem agrada Philippe, o paciente (milionário e viúvo), é Driss (Omar Sy), um refugiado senegalês que até então vivia com sua numerosa família em um bairro humilde de Paris. A princípio ignorante de boa parte de suas atribuições, Driss acaba iniciando uma forte amizade com seu patrão, a quem ajuda inclusive a ir adiante em uma relação epistolar com uma mulher desconhecida. O bom-humor constante de Driss e seu carisma transformam o até então sisudo Philippe em um homem que volta a ter prazer na vida.

Tendo como trunfo principal a química extraordinária entre o veterano François Cluzot - de filmes de prestígio como "Ciúme, o inferno do amor possessivo", de Claude Chabrol - e o até agora desconhecido Omar Sy, "Intocáveis" foge habilmente das armadilhas do melodrama barato, concentrando-se no surpreendente senso de humor do roteiro, que em momento algum cede à tentação de procurar as lágrimas do espectador. Porém, se por um lado essa opção pelo viés mais humano da trama dá um ritmo mais leve à narrativa, o roteiro acaba por se tornar, em alguns momentos, um tanto superficial. Pouco se sabe a respeito da vida anterior de Phillipe e Driss - que só são brevemente explicadas em algumas linhas de diálogo - e até mesmo suas relações familiares são apenas pinceladas rapidamente (ainda que de forma bastante eficaz). Para sorte do público, no entanto, o roteiro (escrito pelos diretores) é ágil, tem um senso de ritmo invejável e dá a seus atores inúmeras possibilidades de explorar seu talento. E, mesmo que não force nada, é pouco provável que a audiência não se emocione com suas cenas finais.

Realizado para deixar o espectador com um sorriso nos lábios ao final da projeção - o que consegue sem muito esforço - "Intocáveis" é um filme raro. Emocionante, engraçado e que, mesmo falando de alguns temas de difícil digestão, jamais empurra exageros dramáticos para o colo de seu público. Não é à toa que Hollywood já está de olho grande querendo realizar um desnecessário remake. Falar de seres humanos de verdade é algo que a indústria americana ainda tem muita dificuldade.

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FERRUGEM E OSSO

Posted by Clenio on 02:53 in
Quando um cineasta acerta em cheio com uma obra, que deslumbra críticos e conquista os fãs de cinema, sempre existe aquele medo silencioso de que o sucesso tenha sido apenas um lapso de genialidade. Certamente era essa dúvida que cercava o francês Jacques Audiard depois do êxito merecido de seu "O profeta" - que levou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e chegou a concorrer ao Oscar de filme estrangeiro. Será que o homem que contou com tanta propriedade a história da formação de um criminoso dentro da cadeia conseguiria se reinventar ou se manteria na zona de conforto, assim como muitos de seus colegas de profissão americanos? Felizmente a primeira opção mostrou-se a correta: "Ferrugem e osso", seu novo filme é, acreditem ou não, uma bela e delicada história de amor que em nada lembra seu filme mais famoso. E melhor ainda, é um filme que acompanha o espectador um bom tempo depois do término da sessão.

Baseado em dois contos do escritor canadense Craig Davidson - cujo protagonista masculino mudou de sexo quando Audiard achou que já tinha homens demais em "O profeta" e quis mudar o foco da trama - "Ferrugem e osso" fala de perdas, de recomeços e da coragem de enfrentar de frente problemas bastante graves sem perder a esperança. O ótimo Matthias Schoenaerts interpreta Ali, que chega à casa de sua irmã acompanhado do filho de cinco anos para recomeçar a vida. Logo que arruma emprego como segurança de uma boate ele conhece a bela Stéphanie (Marion Cottilard, perfeita como sempre), que trabalha como adestradora de baleias em um espetáculo local. Algum tempo depois, eles voltam a se encontrar em circunstâncias bem diferentes: ele está envolvido em lutas de quintal de boxe tailandês para ganhar dinheiro e ela perdeu as duas pernas em um acidente com um dos animais de seu show. Depois de se tornarem amigos eles acabam se envolvendo romanticamente, apesar da resistência dele em assumir compromissos.

Ao contrário dos romances hollywoodianos, onde as personagens enfrentam problemas risíveis ou absolutamente inverossímeis, no filme de Audiard os caminhos que separam e unem Ali e Stéphanie soam reais e dolorosamente próximos da audiência. As cenas de sexo - delicadas e fotografadas com discrição - não buscam excitar o público e sim ilustrar a tristeza e a urgência das personagens e é exemplar o uso da luz solar nos momentos em que Stéphanie consegue sair da escuridão de sua situação para relembrar seus dias de felicidade e plenitude física e a forma como o cineasta conduz a trama sem deixá-la previsível e oca. O terço final do filme - depois que Ali é obrigado mais uma vez a mudar de vida - consegue até mesmo deixar o espectador com o coração na mão, em uma situação apavorante que comprova sem sombra de dúvidas o quanto o roteiro conseguiu driblar as armadilhas propostas pela proposta inicial (que poderia facilmente descambar para o dramalhão) para envolver o público com gente de verdade, com sentimentos muito mais reais do que ele está acostumado a ver no escurinho do cinema. E para isso ele conta também com um elenco formidável.

Se Marion Cottilard mais uma vez dá um banho de coragem e entrega com sua Stéphanie - cuja história trágica jamais busca a compaixão leviana da audiência e que arrancou aplausos entusiasmados no último Festival de Cannes - seu parceiro de cena não fica atrás. Desconhecido no Brasil, Matthias Schoenaerts conquista pela sutileza com que compõe seu Ali, um homem que alterna momentos de extrema ternura com rasgos de uma violência que encontra origem em uma vida difícil e sem maiores espaços para delicadeza. Sempre que os dois contracenam o filme cresce, mostrando o talento de Audiard na direção de atores e sua força em extrair deles atuações gigantescas. É impossível manter-se incólume quando os dois estão juntos e essa talvez seja a maior das várias qualidades de um filme poderoso o bastante para confirmar que um raio pode sim cair duas vezes no mesmo lugar. Jacques Audiard caminha com determinação para tornar-se um dos maiores cineastas franceses de sua geração.

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GONZAGA, DE PAI PRA FILHO

Posted by Clenio on 18:45 in
Primeiro foi "2 filhos de Francisco", em que contava a história de Zezé di Camargo & Luciano. Depois foi a vez de "À beira do caminho", onde utilizava o cancioneiro de Roberto Carlos para ilustrar a trajetória de um caminhoneiro em busca de seu passado. Agora o cineasta Breno Silveira apresenta ao público brasileiro mais um candidato a sucesso afetivo: "Gonzaga, de pai pra filho" ilustra a compliada relação entre o Luiz Gonzaga e seu filho mais velho, o cantor e compositor Gonzaguinha. Mesmo que nos dias de hoje o nome do Rei do Baião não chegue perto da popularidade da dupla sertaneja que protagonizou o primeiro filme de Silveira - o que talvez atrapalhe seus planos de levar multidões às salas de exibição - o tom emotivo impresso pelo diretor, a história humana e brasileira e o impressionante trabalho do ator gaúcho Julio Andrade na pele de Gonzaguinha são motivos mais do que suficientes para uma conferida.

Tudo bem que em diversas ocasiões o roteiro de Patricia Andrade soe como um especial de tv, e que a divisão dos protagonistas em vários atores (três para cada um) acabe sublinhando a irregularidade das interpretações (e justamente o mais fraco de todos, Chambinho do Acordeon é quem fica mais tempo em cena, na pele de Luiz Gonzaga adulto), mas no final das contas o resultado final é de uma felicidade ímpar. Lindamente fotografado pelo argentino Adrian Tejido - que eleva o Nordeste brasileiro como uma personagem de grande importância para a narrativa - e editado de forma a mesclar imagens de arquivo com as cenas do filme, "Gonzaga" mostra mais uma vez que, em termos técnicos, não há motivos para vergonha no cinema nacional. Soma-se a essa qualidade de importância vital uma história emocionalmente forte, personagens carismáticos que estão no imaginário popular desde sempre e uma fórmula testada e aprovada previamente e pronto: mais um belo e comovente trabalho de um cineasta que, se não ousa em temática e estilo, ao menos vem mostrando uma constância e uma coerência admiráveis.

O filme de Breno começa em 1981, quando o cantor Gonzaguinha (já interpretado de forma quase mediúnica por Julio Andrade) está no auge de sua popularidade, sendo capa de revistas nacionalmente conhecidas. Sabendo das dificuldades que seu pai vem passando, ele vai até ele, na pequena cidade de Exu (sertão do Pernambuco) e o encontra negando seus problemas financeiros e de saúde. Depois de algumas discussões a respeito de seus problemas de relacionamento, pai e filho finalmente começam a se entender quando o veterano músico passa a contar a sua história de vida, voltando ao ano de 1929, quando abandonou sua cidade natal depois de se ver impedido de consumar sua paixão pela bela Nazinha (Cecília Dassi), filha de um coronel da região (Domingos Montagner). A partir daí, sua trajetória é contada de forma linear pelo roteiro - voltando ocasionalmente para o "presente". Ao contar uma história que atravessa mais de cinco décadas, é notável a reconstituição de época e o cuidado com o visual e até mesmo com as caracterizações. O que realmente atrapalha um pouco é, conforme afirmado antes, a irregularidade do elenco.

Protagonizado por atores desconhecidos do grande público - e até por músicos sem experiência anterior em cinema - "Gonzaga, de pai pra filho" esbarra inevitavelmente nessa pedra no meio do caminho. Se Julio Andrade entrega uma atuação quase mediúnica de Gonzaguinha, o mesmo não pode ser dito, por exemplo, do novato Chambinho do Acordeon, que tem a maior responsabilidade de todas ao encarar Gonzagão pela maior parte do filme - e passar por sentimentos díspares como amor, tristeza, solidão e entusiasmo. Adélio Lima, que assume a reta final da personagem se sai melhor, talvez por ter um desafio um tanto menor. E o elenco coadjuvante salva o espetáculo de forma magistral. Silvia Buarque e Luciano Quirino estão ótimos como os pais adotivos de Gonzaguinha (e melhores amigos de Luiz em sua chegada ao Rio). Roberta Gualda brilha como Helena (a segunda mulher do pai de "Asa Branca"). E Claudio Jaborandy e Cyria Coentro dão um baile como seus pais, em cenas emocionantes na medida certa. Uma pena que Nanda Costa exagere nas caras e bocas na pele de Odaleia, justamente a mais importante personagem feminina da trama...

Mesmo que não dê a devida importância à obra e música de Gonzaguinha tanto quanto dá a de seu pai - afinal, segundo o diretor o enfoque é a relação paternal entre eles - "Gonzaga, de pai para filho" cumpre boa parte de suas promessas e comove a audiência, proporcionando a ela uma viagem sentimental e musical como pouco se faz no Brasil. Um filme que merece ser visto e apreciado!

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LADY GAGA EM PORTO ALEGRE... EU FUI. E ADOREI!

Posted by Clenio on 17:25 in
"Sou ambiciosa, mas se não fosse tão talentosa como sou ambiciosa, eu seria uma monstruosidade atroz." Essa afirmação, feita para a revista Time de 1985 é de Madonna, certamente a mais bem-sucedida estrela da música pop de todos os tempos. Mas também cai como uma luva em um outro ídolo da música norte-americana que, sintomaticamente, começou a ainda curta carreira bebendo na fonte da Material Girl. Em pouco mais de quatro anos, a nova-iorquina Stefani Joanne Angelina Germanotta pulou do anonimato para a fama absoluta, inundando as pistas de dança com seus hits contagiantes e causando estranheza com seu figurino bizarro, suas polêmicas visuais e - para sorte dos fãs de boa música pop - seu enorme talento musical. Confirmando o que disse Madonna, se junto com todo o festival de bizarrices não viesse também um descomunal talento, hoje em dia Lady Gaga seria apenas um apêndice de pé de página nos compêndios musicais - limbo onde se encontram hoje em dia dezenas de wannabes que não resistiram à potencial efemeridade do sucesso imediato.

Mas o assunto desse post não é fazer um inventário sobre a carreira e a música de Lady Gaga - mesmo porque falta-me conhecimento de causa para isso. Esse texto é apenas para registrar a excelência do show apresentado por Gaga em Porto Alegre, diante de um público relativamente pequeno - apenas 16 mil pessoas. A baixa vendagem dos ingressos pode ser creditada a vários fatores - o show foi divulgado em cima da hora, os ingressos não eram tão baratos assim e o público-alvo já tinha gastado bastante com o show de Madonna (olha ela aí de novo), no próximo dia 09 de dezembro. Mas nada como um bom "cala-te boca". A essa altura os detratores devem estar roendo o cotovelo: não há quem tenha saído do espetáculo - sim, espetáculo é a palavra que melhor define o que foi apresentado - sem estar apaixonado pela Monster.

A superprodução de "Born This Way Ball" é simplesmente impecável. Os bailarinos, as coreografias, o setlist e o clima teatral são absurdamente competentes. Gaga não é apenas uma estrela excêntrica e sim uma cantora de extrema qualidade e carisma. É atenciosa, carinhosa, bem-humorada e gentil - coisas que Madonna, por mais fã que eu seja, não é. Demonstra ser mais humana do que seus vídeos assustadores afirmam. E não deixou nenhum - NENHUM - sucesso de fora do show. Difícil não ficar abismado com a quantidade de hits que a cantora já coleciona em tão pouco tempo de estrada - assim como é emocionante perceber como o discurso de autoaceitação que ela proclama desde sempre acaba sendo o seu diferencial junto a uma parcela do público que nem sempre tem essa mesma autoestima - afirmação essa que encontra respaldo em seu carinho para com os fãs que tem a sorte de subir ao palco e conhecer o camarim da estrela. Mais do que roupas de carne ou polêmicas religiosas/sexuais (que em pouco tempo entram para um museu de grandes novidades), é a forma com que Gaga encara as diferenças - e a devolve transformada em boa música - que faz dela a grande estrela na qual ela vem se transformando. Como ela mesma declara no show, música é feita para falar de paz. E é isso que - a despeito de algumas vozes dissonantes que a encaram como emissária de Satã, para dizer o mínimo (preguiça dessa gente) - ela fez na noite fria de terça-feira em Porto Alegre. Seu show foi divertido, empolgante, visualmente arrebatador e artisticamente inspirador. Madonna é estrela absoluta. Mas o mundo tem - e precisa - de um lugar de honra para Lady Gaga.

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SELVAGENS

Posted by Clenio on 03:16 in
Ausente das telas de cinema desde a recepção polêmica a seu "Wall Street, o dinheiro nunca dorme", de 2010, o cineasta Oliver Stone surpreendeu o público com seu novo projeto. Bem menos ambicioso - mas nem por isso menos controverso - "Selvagens", adaptado de um romance de Don Winslow, mostra um Stone ainda extremamente no domínio da técnica cinematográfica, mas mais preocupado em contar uma história do que exibir seus dotes de polemista. Se isso talvez decepcione os fãs de seu estilo exaltado de comprovar seus pontos de vista radicais por outro lado pode lhe dar créditos junto àqueles que esperam de uma sessão apenas um competente entretenimento. E, falem bem ou mal, é inegável que o vencedor de 2 Oscar - pelos contundentes "Platoon" e "Nascido em 4 de julho"- sabe muito bem como contar uma história.

Aqueles que reclamam da forma como Stone editou seu alucinante "Assassinos por natureza", por exemplo, podem ficar tranquilos: em "Selvagens", o cineasta não exagera no ritmo, preferindo um estilo um tanto menos lisérgico, ainda que, devido a seu tema e seus protagonistas, tal escolha não fosse necessariamente equivocada. Os tais protagonistas são Ben (Aaron Johnson) e Chon (Taylor Kitsch), dois jovens amigos que ganham (muito bem) a vida distribuindo a maconha cuja semente o segundo contrabandeou do Afeganistão e o primeiro desenvolve em laboratório. Bonitos, sarados e ricos, eles também dividem, sem frescura ou ciúmes pequeno-burgueses, o corpo e o amor da bela patricinha O (Blake Lively, da série "Gossip Girl"). Seu idílio na paradisíaca Laguna Beach começa a transformar-se em inferno quando os dois espertinhos resolvem passar a perna na temida Elena (Salma Hayek), chefona do cartel de tráfico de drogas mexicano, que lhes havia oferecido um negócio aparentemente irrecusável. Com sua namorada sequestrada, resta aos rapazes partir pro ataque, mesmo sabendo do perigo que é enfrentar Lado (Benicio Del Toro), braço-direito da traficante.

Deixando de lado sua tendência ao exagero estilístico, Oliver Stone realiza, em "Selvagens", um filme de ação perfeitamente equilibrado entre cenas de grande impacto visual - e de uma violência crua e por vezes bastante cruel - e uma história quase banal. O roteiro - bem acima da média, mas muito aquém do material com que o cineasta costuma trabalhar - assume sem medo sua vocação pop, o que a fotografia colorida e a edição ágil confirmam com ênfase, além do elenco central, fotogênico mas não exatamente genial. Aaron Johnson - que já foi John Lennon em "O garoto de Liverpool" - e Taylor Kitsch - protagonista do hypado "John Carter, entre dois mundos" - convencem como garotões de praia, mas em poucos momentos saem de sua zona de conforto, nem mesmo quando suas personagens enfrentam situações apavorantes. Mas se sua falta de ousadia não chega a incomodar, o mesmo não pode ser dito a respeito de Salma Hayek. Dona do papel crucial da letal Elena, a atriz mexicana mostra toda sua fragilidade dramática ao enfraquecer um papel que, em mãos mais capazes, poderia tornar-se uma vilã antológica. Sua deficiência fica ainda mais patente quando ela atua ao lado de Benicio Del Toro - assustador e sempre brilhante - e na impressionante sequência em que ordena a morte de um suposto traidor (uma cena extremamente violenta e talvez a melhor do filme).

Surpreendentemente normal - em comparação com outras obras geniais de Stone - "Selvagens" ousa ao eleger como seus protagonistas um trio de personagens à margem da sociedade sem nunca tratá-los com condescendência ou julgamentos morais e fazer com que a audiência torça por eles. Também não tem medo de mostrar cenas de sexo bastante quentes (onde os corpos masculinos estão bem mais em evidência do que o feminino) e de dar a John Travolta um de seus melhores papéis em anos (o policial corupto que ajuda os protagonistas). Mesmo que seu final deixe um pouco a desejar - acabasse cinco minutos antes e seria esplêndido - é um filme que dificilmente irá decepcionar aos fãs de entretenimento de qualidade.

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RUBY SPARKS, A NAMORADA PERFEITA

Posted by Clenio on 18:27 in
O que se faz depois que seu filme de estreia faz um estrondoso e inesperado sucesso, conquista público e crítica e sai com dois Oscar debaixo do braço mesmo tendo custado míseros 8 milhões de dólares (o que não paga nem o cabeleireiro de Julia Roberts)? Se seu nome for Jonathan Dayton ou Valerie Faris a resposta é uma só: se espera seis anos por um novo projeto, novamente independente e torce para que a mágica se repita. Diretores do cultuado "Pequena Miss Sunshine" - que em 2006 papou as estatuetas de roteiro original e ator coadjuvante (Alan Arkin)  e rendeu mais de 100 milhões de verdinhas mundo afora - Dayton e Faris, casados e pais de três filhos, demoraram mais de meia década para voltar às telas de cinema. Só que, ao contrário de seu filme anterior, "Ruby Sparks, a namorada perfeita", apesar de bastante interessante, carece do que "Miss Sunshine" tinha de sobra: personagens carismáticas e um ritmo agradável.

O protagonista da trama é Calvin Weir-Fields (Paul Dano), um jovem escritor que, depois do estrondoso sucesso de seu primeiro romance, passou a sofrer de um grave bloqueio criativo. Abandonado pela namorada e pressionado pelo irmão (o ótimo Chris Messina) e o terapeuta (Elliot Gould) a encontrar um novo amor - e por consequência uma nova inspiração - ele cria em um texto fictício uma namorada ideal, a quem dá o nome de Ruby Sparks. Para sua surpresa, essa personagem inexistente se materializa (na pele da roteirista Zoe Kasdan) e os dois iniciam um idílico relacionamento.

Nem sempre é cabível julgar um filme comparando-o com seu antecessor, mas "Ruby Sparks" tem a mesma vibe indie de "Miss Sunshine", ainda que seu objetivo dramático e suas intenções temáticas sejam bem diferentes. Enquanto as idiossincrasias da família Hoover serviam como uma espécie de microcosmo de qualquer núcleo familiar e versavam - de forma irônica, engraçada e carinhosa - sobre a obsessão dos americanos (e por que não dos ocidentais como um todo?) pela perfeição e pelo sucesso, a história de Calvin e Ruby serve para ilustrar temas como a falta de autoestima e a busca incessante (e inglória) pelo amor perfeito. O roteiro de Kazan, no entanto - e vale lembrar que ela é neta do cineasta Elia e filha do roteirista Nicholas - é falho em muitos pontos, não explorando a contento todas as suas possibilidades. A mãe de Calvin, por exemplo, e seu novo marido - atuações simpáticas de Annette Benning e Antonio Banderas - não tem praticamente nenhuma função na trama, dando a impressão de estar ali apenas para passar o tempo. E a própria Zoe Kazan não tem carisma e beleza suficientes para justificar que um homem a crie em sua imaginação, o que enfraquece bastante a premissa central.

Não é que "Ruby Sparks, a namorada perfeita" seja ruim, muito pelo contrário. É uma variação inteligente de "Mais estranho que a ficção" - em que Will Ferrel descobre ser personagem de um livro - misturada com "A rosa púrpura do Cairo" - obra-prima de Woody Allen em que Mia Farrow vê a personagem central de seu filme preferido sair da tela para ficar com ela - e como tal não faz feio. Mas lhe falta uma consistência maior e um roteiro mais forte. Ainda assim, tem qualidades em número suficiente para agradar a quem procura um divertimento menos pesado.

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HISTERIA

Posted by Clenio on 01:45 in
Levando-se em consideração a vulgaridade com que o sexo é tratado nas comédias que chegam semanalmente às salas de exibição, não deixa de ser uma surpresa positiva perceber que um filme cujo tema é a invenção do vibrador seja tão sutil quanto "Histeria". Fosse assinado pelos irmãos Farrelly, por exemplo - e não pela desconhecida Tanya Wexler - certamente o público seria brindado com dezenas de piadas escatológicas e de gosto duvidoso (ainda que provavelmente engraçadas). Nas mãos de Wexler, dirigindo aqui seu terceiro longa - sendo "Finding North" (98) e "Ball in the house" (01) os anteriores - a história do surgimento de um dos mais festejados aparatos sexuais criados pelo homem tornou-se uma comédia romântica que, a despeito de seu ritmo irregular, serve como um passatempo agradável e inteligente.

Obviamente, a história se passa na Inglaterra vitoriana, quando o jovem médico Mortimer Granville (o simpático Hugh  Dancy, senhor Claire Danes na vida real) arruma emprego como assistente do renomado Robert Dalrymple (Jontahan Pryce) para tratar com massagem pélvica de suas pacientes que sofrem de um mal chamado histeria - originalmente definido como uma disfunção do útero. Aos poucos Mortimer passa a se tornar o médico preferido da ala feminina da cidade graças à sua habilidade, mas, exausto, cria um aparato que, movido à bateria, se transforma em coqueluche. Enquanto luta para transformar o aparelho em algo comercialmente aceito - e para isso conta com a ajuda de seu melhor amigo Edmund St. John-Smythe (Rupert Everett perceptivelmente com botox no rosto) - ele acaba sentindo uma forte atração pela filha mais velha de Dalrymple, a feminista Charlotte (Maggie Gyllenhaal).

Cuidadosamente produzido e dirigido com sensibilidade, "Histeria" tem a seu favor uma história interessante e ainda inédita (por incrível que pareça) e um elenco caprichado. Enquanto Maggie Gyllenhaal exercita uma vez mais sua preferência por personagens de personalidade forte, o jovem Hugh Dancy se sai bem com uma personagem que perde a força no terço final da narrativa. E se Jonathan Pryce interpreta seu veterano doutor com um pé nas costas o outrora celebrado Rupert Everett surpreende negativamente: seu excesso de caras e bocas e seu limitado leque de expressões demonstra que o sucesso da época de "O casamento do meu melhor amigo" foi realmente fogo de palha. Felizmente sua atuação medíocre não chega a atrapalhar o trabalho de Dancy ou a simpatia da trama.

Mesmo que tenha alguns sérios problemas de foco - a história segue vários rumos ao mesmo tempo sem conseguir costurá-los a contento durante o tempo todo - "Histeria" é acima da média. É um respiro de leveza em meio a filmes que muitas vezes não cumprem nem metade do que prometem. Vale uma espiada.

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TED

Posted by Clenio on 22:04 in
Nada como uma boa polêmica para servir de marketing gratuito, não? Apesar do enorme sucesso que fez nos EUA - onde há inclusive uma sequência engatilhada - a comédia "Ted", escrita e dirigida por Seth McFarlane (criador da série de animação "Uma família da pesada") poderia tranquilamente passar sem maior alarde pelas salas de exibição brasileiras não fosse o ataque histérico de um deputado ofendido com o teor adulto de um filme estrelado por um aparentemente inofensivo ursinho de pelúcia. Causando um efeito totalmente contrário com sua indignação, o nobre político despertou em muita gente uma curiosidade até então quase inexistente a respeito de um produto que, se tem a coragem de deixar de lado o ranço politicamente correto que vem extinguindo o humor das comédias americanas, também não é tão bom quanto muitos fãs entusiasmados fazem crer.

Pra quem não sabe, o Ted do título é um ursinho de pelúcia que, por graça de uma estrela cadente, ganhou vida e tornou-se o melhor amigo de John Bennett, um menino solitário e carente da companhia de outras crianças. Vinte e sete anos depois, ele já não é mais tão famoso quanto no passado e vive uma relação de companheirismo à toda prova com o já adulto Bennett (interpretado com gosto por Mark Wahlberg). Usuário de drogas, promíscuo e boca-suja, Ted é o único amigo do rapaz, que não consegue deixar pra trás sua eterna infância/adolescência e acompanha o ursinho em noitadas e programas absolutamente perdedores - como cultuar Flash Gordon. Quando a bela Lori (Mila Kunis) passa a pressionar o namorado para que ele finalmente cresça e assuma uma relação mais comprometida com ela, um conflito instala-se na vida de John.

E é isso. Com uma história central bastante rala e que esbarra no clichê em inúmeros momentos, "Ted" salva-se pela saraivada de citações de cultura pop, sendo que algumas funcionam e outras nem tanto. A ideia principal - um inocente ursinho cometendo atrocidades - é interessante na primeira meia-hora de projeção, mas torna-se cansativa conforme o público vai percebendo que o roteiro se encaminha para um final já visto dezenas de vezes em comédias ou dramas românticos. E mesmo que muita gente possa gargalhar ao assistir a uma briga de socos e pontapés entre Bennett e seu melhor amigo (ou encontrar graça nos desvarios do protagonista em relação ao ator Sam Jones) é difícil entender como esse tipo de humor por vezes rasteiro consegue atingir a um público tão amplo. Talvez por ser tão raro falar tanta barbaridade sem ofender ao planeta inteiro, um filme como "Ted" surge como uma válvula de escape. Mas não se pode julgé-lo melhor do que ele é simplesmente porque ele não tem papas na língua...

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MAGIC MIKE

Posted by Clenio on 21:51 in
Quando surgiu, na segunda metade da década de 90, Steven Soderbergh chamou a atenção por ter feito seu "sexo, mentiras e videotape" com uns trocados, uma ideia na cabeça, uma câmera na mão e um roteiro forte e inteligente. Aos poucos foi se tornando mainstream - com filmes bem-sucedidos comercialmente como a trilogia "Onze homens e um segredo" e um Oscar por "Traffic" - e volta e meia desafia seus fãs a encontrarem alguma qualidade em filmes fraquíssimos como "Full frontal" ou apenas corretos, como "Contágio". Mas até mesmo os mais entusiastas membros do fã-clube de Soderbergh terão muito trabalho em achar o que elogiar em seu mais recente trabalho. A despeito de sua bilheteria generosa nos EUA - mais de 100 milhões de dólares de arrecadação - "Magic Mike" chega a ser quase constrangedor.

Segundo a lenda de bastidores, a história de "Magic Mike" é vagamente inspirada na trajetória de seu galã, Channing Tatum - também um dos produtores do filme - que foi um dançarino de strip antes de sua carreira cinematográfica. Falta, no entanto, um roteiro que consiga dar um pouco mais de substância a uma sucessão de cenas de um bando de homens sarados dançando seminus em cima de um palco (ainda que provavelmente esse seja o motivo pelo qual o público acorreu aos cinemas). Carregado dos clichês mais batidos da história do cinema e contando com um elenco que nem mesmo Soderbergh (que arrancou de Jennifer Lopez uma atuação decente em "Irresistível paixão") consegue fazer soar convincente, o filme é um desfile de erros em um belo embrulho (mas que mesmo assim provavelmente só vá atrair um público feminino ou gay).

A história - se é que se pode chamar assim - é centrada no jovem Adam (Alex Pettyfer), que, sem rumo profissional na vida, encontra um bico consertando telhados e conhece Mike (Channing Tatum, sem o timing cômico demonstrado em "Anjos da lei"), que junta dinheiro dançando em um clube de mulheres de propriedade de um ex-performer chamado Dallas (Matthew McConaughey), que ainda faz seus shows ocasionais. Aos poucos Mike vai ensinando Adam a melhorar suas apresentações, assim como apresenta a ele o glamour de um modo de vida calcado no prazer e na sensualidade. Enquanto Adam começa a aproveitar os bons momentos - e também a sofrer a pressão de Dallas, que o escolhe para trabalhos ilegais - Mike tenta conquistar o amor de sua irmã, Joanna (a péssima Olivia Munn).

Fosse um filme dirigido por um cineasta sem talento - ou alguém precisando pagar a hipoteca - "Magic Mike" seria apenas mais um lixo cinematográfico a aportar nas salas de exibição. O problema é tentar descobrir como um nome como Soderbergh pode entrar em uma barca tão furada. Nada no resultado final lembra a criatividade e a inteligência de seus melhores filmes. O roteiro fraco, a edição preguiçosa (que nem torna as cenas musicais tão atraentes quanto poderia) e o elenco no piloto automático só sublinham a incompetência da realização como um todo. Só vai agradar a quem for procurar unica e exclusivamente belos corpos masculinos em danças sensuais. E mesmo assim pode ser que decepcione. Channing Tatum pode estar no caminho certo em termos de bilheteria, mas precisa escolher melhor seus projetos futuros se quiser ser levado a sério....

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A CULPA É DAS ESTRELAS

Posted by Clenio on 00:19 in
Hazel é uma adolescente que convive com um câncer terminal. Obrigada pelos pais a frequentar um grupo de apoio, ela conhece e se apaixona por Augustus Waters, também castigado pela doença - que já lhe tirou uma perna e acabou com sua carreira esportiva. Testemunhando o sofrimento das pessoas que os cercam - e ao mesmo tempo sendo apoiados pelos pais - eles encontram um objetivo para suas vidas: conhecer um escritor recluso, autor de um livro que os inspira a ter esperanças de uma vida plena. Com essa história, cuja premissa melancólica pode afastar a quem procura uma leitura mais leve, o autor norte-americano John Green conquistou milhares de leitores mundo afora. "A culpa é das estrelas" (Ed. Intrínseca), no entanto, consegue fugir do dramalhão e agrada justamente por ter como protagonistas um casal que, apesar dos pesares, tem fé em um futuro menos doloroso.

Mesmo que esteja longe de ser uma obra-prima inesquecível, "A culpa é das estrelas" é uma leitura agradável, com personagens bem delineados e alguns momentos de pura poesia. Soa como infantojuvenil em várias passagens, mas nunca se torna fácil demais ou condescendente. A história de amor entre Hazel e Augustus é apaixonante e seduz pela inocência na medida certa. O autor não cede à tentação de criar milagres, mas também consegue a façanha de emocionar sem apelar para a pieguice que lhe clama a cada página. E além disso, algumas passagens são tão lindas e inocentes que fica difícil não se emocionar.

"A culpa é das estrelas" é um livro que tem tudo para tornar-se o livro preferido dos jovens mais sensíveis, principalmente porque seus direitos já foram adquiridos para o cinema e em breve deve estar chegando às telas para levar o público às lágrimas...



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LOUCAMENTE APAIXONADOS

Posted by Clenio on 00:02 in
Às vésperas de voltar para a Inglaterra depois de formar-se, a britânica Anna (Felicity Jones) se apaixona perdidamente por um colega, o sensível Jacob (Anton Yelchin), com quem passa a viver uma idílica história de amor. Sem querer abandonar o amante durante as férias de verão, ela resolve burlar seu visto de permanência por alguns meses. Depois de visitar os pais, portanto, ela descobre que não pode mais entrar nos EUA.

Desesperados de amor e saudade, os dois jovens passam, então, a administrar um romance à distância. Esta é a trama de "Loucamente Apaixonados", filme independente do jovem (28 anos) Drake Doremus que caiu nas graças da crítica americana depois de sua estreia no Festival de Sundance, em janeiro de 2011 e de sua participação em uma série de outros festivais de cinema (Toronto, Vancouver, Amsterdã, Montreal, Estocolmo). Elogiado principalmente por sua aura e frescor juvenis, o drama romântico engrendrado por Doremus tem em sua espontaneidade justamente sua maior qualidade e seu calcanhar de Aquiles. A liberdade de seu casal de protagonistas em improvisar muitos dos diálogos dá ao filme uma autenticidade sempre bem-vinda, mas também uma fragilidade no roteiro que lhe deixa, em certos momentos, um tanto capenga.

O roteiro de "Loucamante Apaixonados" é, provavelmente seu maior problema. A ideia do diretor - contar uma história de amor à distância sem o humor um tanto forçado do filme estrelado por Drew Barrymore em 2010 - é enfraquecida pelo excesso de idas e voltas das personagens centrais e pela falta de consistência dramática de suas personalidades, que não são desenvolvidas a contento. Quando estão juntos - em especial na primeira parte da narrativa - Jones e Yelchin preenchem a tela com seu carisma e convencem como amantes apaixonados. Quando separados, não conseguem manter o mesmo nível de interesse (talvez porque seus novos pares românticos não sejam suficientemente ameaças à sua relação). Doremus é um cineasta visualmente criativo e inteligente - utilizando a edição ágil e modernosa a seu favor - mas precisa dar mais atenção à profundidade de suas personagens (ainda que o final agridoce seja de um realismo doloroso).

Mas, apesar de seus pecadilhos, "Loucamente Apaixonados" é um filme que, sim, merece ser visto, se não pelo talento da dupla central ao menos para tomar contato com o estilo de um cineasta que dá sinais de um talento que, amadurecido, pode vir a dar grandes alegrias aos cinéfilos menos conservadores em um futuro próximo. Os românticos de plantão não irão se decepcionar!

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ADEUS AO OI OI OI....

Posted by Clenio on 03:12 in
Ok, o último capítulo foi um atropelo só e decepcionou 9 entre 10 fãs. Ok, o final do Adauto foi patético. Ok, o núcleo Cadinho não precisava nem constar da sinopse. Mas é inegável que, até que a palavra FIM aparecesse junto à bandeira do Divino F.C. a trama de João Emanuel Carneiro foi muitos patamares acima das novelas apresentadas nos últimos anos. "Avenida Brasil" não apenas parou o país. Foi comentada à exaustão em redes sociais, nas ruas, em locais de trabalho. Conquistou parcelas da população normalmente avessas ao gênero telenovela. E comprovou que é possível, sim, equilibrar inteligência com gosto popular. Ousou de cabo a rabo, embaralhando os papéis de vilã e heroína e mostrando um cuidado admirável ao visual - fotografia, edição, movimentos de câmera - que deu o que falar entre cinéfilos do Oiapoque ao Chuí. E, melhor ainda, criou uma comoção como não se via há muito tempo entre os telespectadores. Podia-se falar mal, sim, mas falava-se. Foi impossível, nesses sete meses em que a novela esteve no ar, fugir de Carminha, Nina (ou Rita), Tufão e todas aquelas personagens que invadiram o imaginário popular como o fazem criações dramatúrgicas que aliam bom texto e bons (e no caso de alguns, extraordinários) atores.


A trama central da novela era lugar-comum? Sim, histórias de vingança existem há milhares de anos. O roteiro teve furos quase imperdoáveis? Sim, mas que novela não os tem? Em alguns momentos ficava a impressão de que alguns núcleos não estavam adequados à qualidade dos outros? Óbvio, mas pergunte aos espectadores que gostam de humor mais explícito se isso não funcionava. "Avenida Brasil" tinha um pouco pra todo mundo. Todos os estereótipos estavam lá: a periguete, o gay enrustido, o mulherengo, o par romântico, a vilã cruel, o comparsa meio burro, as empregadas cômicas, as amigas da mocinha. Os clichês também: segredos, traições, vinganças, assassinato misterioso, redenções inesperadas. Mas João Emanuel Carneiro misturou todos esses ingredientes de uma maneira pouco convencional, dando à história um ritmo alucinante (que sofreu uma queda em alguns momentos mas nunca deixou de estar presente) e criando alguns diálogos já destinados a antológicos. Que o digam os fãs que ficavam ansiosos pelo dia seguinte a cada congelamento de final de capítulo. De quantas novelas pode-se dizer o mesmo ultimamente?

A barra era pesada? A violência em alguns momentos chegou a assustar aos mais sensíveis? Que bom, novela das nove da noite não é pra criança, mesmo. Existia negatividade, adultério, maldade? Sim, felizmente. Novela das nove não é conto de fada água-com-açúcar. O exagero às vezes dava as caras? Claro, novela é ficção - e não deixa de ser irônico ouvir os detratores falando mal da falta de verossimilhança da trama e acorrendo às cegas para assistir a produtos importados que, a despeito de sua qualidade, são bem mais fantasiosos, como "Game of thrones" e "The walking dead".  Mas quem negar a excelência da produção da novela - e aí inclui-se a direção de arte, a trilha sonora apropriada, a fotografia, a edição e a direção inspirada de Amora Mautner e José Luiz Villamarim - pode-se considerar no mínimo injusto e radical.

E isso que nem falamos ainda do elenco magistral. Cada núcleo de "Avenida Brasil" tinha um ou mais trunfos em termos de texto e interpretação. Os veteranos estiveram brilhantes: Marcos Caruso criou um Leleco triunfante, José de Abreu imprimiu seu nome na história com seu extraordinário Nilo, Vera Holtz deu um banho como Mãe Lucinda, Juca de Oliveira chegou matando como o pérfido Santiago, Marcello Novaes foi um Max acertadamente asqueroso e Murilo Benício foi um Tufão apaixonante e doce. Os novatos roubaram a cena: Juliano Cazarré foi um Adauto cujas pérolas aliviavam o clima pesado da mansão, Claudia Missura e Cacau Protásio foram empregadas geniais, cada uma com seu estilo (as grandes cenas dramáticas de Janaína e o humor certeiro de Zezé), Daniel Rocha Azevedo foi um Roni no tom certo e Emiliano D'Ávila fez seu Lúcio crescer a cada capítulo. Isis Valverde confirmou seu talento para interpretar gostosonas de índole duvidosa e José Loreto ganhou a chance de sua vida como o apaixonado Darkson. E o que dizer dos sensacionais diálogos entre a guerreira Monalisa (Heloisa Perissé) e a sexy Olenka (Fabíula Nascimento arrasando)?

Mas, mesmo com todo o sucesso do elenco como um todo (vamos ignorar o núcleo Cadinho?) é impossível negar que "Avenida Brasil" tem uma dona absoluta: calando a boca de todos os críticos que detonaram sua Mariana da novela "Renascer" (de 1993), Adriana Esteves simplesmente não deixou pedra sobre pedra com sua atuação devastadora como Carminha, a grande vilã da trama. Desde o primeiro capítulo - em que não poupava nem sua enteada criança - até sua redenção final (e coerente, apesar de muitos clamarem o contrário), Esteves brilhou com uma interpretação repleta de complexidades, demonstrando em um olhar e uma entonação toda a vastidão de sentimentos que atormentava sua personagem. Nunca aquém de espetacular, ela nem deixou espaço para sua colega de cena Débora Falabella, que penou com uma personagem chata e desagradável que despertou mais raiva e tédio do que entusiasmo. Os confrontos entre as duas já podem tranquilamente figurar em qualquer antologia séria sobre teledramaturgia.

Resumindo, "Avenida Brasil" acaba com um saldo pra lá de positivo. O final foi um tanto decepcionante pela obviedade da revelação do assassino de Max, pelo final infantiloide de Adauto e pelas perguntas sem respostas que deixou (culpa da mania de todos os novelistas de deixar absolutamente TUDO pra última semana de exibição). Mas vai ser difícil uma outra novela conquistar tão ferozmente seu público quanto ela. Tenho pena da Glória Perez!!!

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VIRADA NO JOGO

Posted by Clenio on 20:01 in
Uma das personalidades mais interessantes da campanha eleitoral que culminou na vitória do democrata Barack Obama para a presidência dos EUA em 2008 se chamava Sarah Palin. Governadora do Alasca, mãe de cinco filhos (um servindo o exército na guerra do Afeganistão, outra adolescente grávida e o caçula com Síndrome de Down) e carismática, ela logo transformou-se de esperança do candidato republicano John McCain em uma espécie de constrangimento, com seu desconhecimento de política externa e despreparo para o cargo - fatores que a levaram a ser parodiada pela humorista Tina Fey e se transformar em piada. A trajetória de Palin - do momento de sua escolha para assumir a candidatura até a derrota histórica - é o tema de "Virada no jogo", telefilme dirigo por Jay Roach que saiu da última cerimônia do Emmy com as merecidas estatuetas de melhor filme/minissérie e atriz (para uma Julianne Moore impecável no papel central).

Inspirado em um livro escrito pelo analista político Mark Halperin e pelo jornalista John Heileman, o roteiro de "Virada no jogo" acerta em cheio ao focar-se bem mais na figura de sua controversa protagonista do que em meandros da política americana (o que poderia afastar uma audiência não familiarizada com o assunto). Mesmo que em vários momentos a trama se concentre em reuniões de cúpula dos organizadores da campanha republicana (algo inevitável para melhor compreensão da história), a espinha dorsal de tudo é o drama de Sarah Palin, jogada no olho de um furacão sem o respaldo necessário para tanto. Apresentado em forma de flashback por Steve Schmidt, coordenador da campanha, vivido por um contido e eficaz Woody Harrelson, o filme começa quando o senador John McCain (Ed Harris, sempre excelente), procurando por um candidato a vice-presidente que possa competir com a popularidade crescente de Obama, chega até Palin, que lhe parece a melhor opção por inúmeras razões. É somente quando a campanha está em seu auge que as falhas da ex-governadora começam a parecer reais ameaças para suas ambições de chegar à Casa Branca. Sentindo-se pressionada pela mídia (que descobre com facilidade suas dificuldades), ela chega à beira de um colapso nervoso, mas resolve dar a volta por cima.

Dirigido com sobriedade por Roach - que tem no currículo o também interessante "Recontagem", que fala sobre a questionada vitória de George W. Bush na corrida pela presidência americana em 2000 - "Virada no jogo" prende a atenção da audiência principalmente porque mostra suas personagens mais como humanos propensos a falhas do que como seres imbatíveis e sem sentimentos. E essa complexidade encontra em seu elenco os intérpretes ideais. Se Ed Harris e Woody Harrelson não precisam mais provar nada a ninguém, Sarah Paulson tem o tom perfeito de sua Nicole Wallace - assessora de Palin, que acaba sendo acusada por ela de sabotar sua imagem e Julianne Moore deita e rola com uma personagem tão saborosa que deixa nítido o seu prazer em seu trabalho. Fisicamente semelhante à real Sarah Palin, Moore presenteia o público com uma atuação das mais felizes de sua vitoriosa carreira, rica em nuances e detalhes. Fosse o filme feito para o cinema o Oscar estaria com o olhar fincado em sua performance...

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VIAJAR É PRECISO

Posted by Clenio on 20:55 in
Amigos de longa data, Jennifer Aniston e Paul Rudd contracenaram no delicado "A razão do meu afeto" e em vários episódios da saudosa série "Friends". Isso explica a química e a familiaridade entre eles em "Viajar é preciso" - título derivativo para um filme que se chama "Wanderlust" e que quase foi batizado no Brasil com o estranho "Loucuras no paraíso". Dirigida por David Wain (que dirigiu Rudd no pouco visto "Faça o que eu digo, não faça o que eu faço"), a comédia - também co-produzida pelo ator e por Judd Apatow, considerado o midas da chamada nova comédia adulta americana - passou quase em brancas nuvens nos EUA, rendendo menos de 20 milhões de dólares (o que atrapalhou consideravelmente sua distribuição mundial). Porém, comparada a tanto lixo que faz sucesso em terras ianques, seu fracasso não deixa de ser um bocado injusto. "Loucuras no paraíso" pode não ser um filme brilhante, mas é simpático o bastante pra segurar com tranquilidade uma sessão descompromissada.

Fazendo uma crítica bem-humorada a estilos alternativos de vida, o filme de Wain tem como protagonistas um casal nova-iorquino que sofre na pele os efeitos da crise econômica americana: Linda e George Gergenblatt são obrigados a se desfazer do minúsculo apartamento que acabaram de comprar quando repentinamente se descobrem desempregados. A caminho da casa do irmão de George - um executivo metido a besta que fez fortuna comercializando banheiros químicos - eles acabam, por acidente, conhecendo uma comunidade alternativa liderada pelo carismático Seth (Justin Theroux, noivo de Aniston na vida real). Encantados pela possibilidade de fugir da rotina estressante das grandes metrópoles, eles tomam a decisão de experimentar uma vida nova. Sua dificuldade de lidar com certas liberdades do grupo - não há portas na casa, não se pode matar nem mesmo insetos e todos vivem em busca da verdade absoluta - chega a um impasse quando eles descobrem que a comunidade também é adepta do amor livre: Linda passa a ser assediada por Seth e George fica tentado a ir pra cama com a bela Eva (Malin Ackerman).

Mesmo que perca o ritmo em sua segunda metade - quando as dúvidas do casal a respeito de seu relacionamento assume o foco da história - "Viajar é preciso" tem a seu favor algumas piadas realmente engraçadas, quase sempre relacionadas às regras da comunidade e valorizadas pelo excelente elenco coadjuvante - no qual se destacam o veterano Alan Alda e as ótimas Lauren Ambrose e Kathryn Hahn. Nem quando apela para uma reviravolta um tanto forçada na personalidade de uma das personagens o roteiro chega a incomodar, já que o tom nunca ultrapassa o da farsa descompromissada. E se Aniston ainda não consegue se livrar dos maneirismos de sua eterna Rachel Green isso não é problema para os fãs de sua beleza e seu carisma.

Para quem procura um filme leve e divertido sem maiores ambições que não entreter por duas horas, "Viajar é preciso" serve como uma luva. Mas não espere mais do que isso...

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ROCK OF AGES, O FILME

Posted by Clenio on 00:41 in
O diretor Adam Shankman - que já tem no currículo a divertida versão 2007 de "Haispray, em busca da fama" - declarou que "Rock of Ages, O Filme" é o primeiro "musical para heterossexuais". Deixando de lado a implicação um bocado preconceituosa da afirmação, pode-se dizer que ele não deixa de ter uma certa razão. Utilizando-se de clássicos do rock - a saber, safra anos 70 e 80 - como matéria-prima, a adaptação para as telonas da peça teatral de Chris D'Arienzo (que estreou na Broadway em 2006) usa e abusa dos clichês do gênero, mas, ao contrário de transposições bem-sucedidas como "Chicago" (que brincava com eles de forma orgânica e debochada), jamais encontra um satisfatório ponto de equilíbrio. E os problemas são tantos e tão óbvios que até mesmo os fãs do velho e bom rock'n'roll podem se sentir incomodados com as versões "Glee" de suas amadas canções.

Os problemas começam na escalação da dupla central de atores, a péssima Julianne Hough (que esteve presente na desnecessária refilmagem de "Footlose") e o fraquíssimo Diego Boneta (que fez parte da formação mexicana do grupo Rebelde). Juntos, eles fazem o espectador sofrer com sua total falta de sintonia e talento, e não são ajudados pelas personagens que lhe cabem: ela vive Sherrie Christian, uma jovem que chega a Hollywood vinda de Oklahoma, disposta a vencer na carreira de cantora (bocejo) e ele interpreta (se é que se pode dizer isso sobre seu trabalho) Drew Boley, que trabalha como bartender em um bar chamado Bourbon Club e tem o sonho de (surpresa!) tornar-se astro do rock. O dono do bar - que já teve melhores dias e está ameaçado por tubarões financeiros, como sempre - é Dennis Dupree (Alec Baldwin, fazendo o possível com seu ingrato papel), que, com a ajuda de seu velho colega Lonny (Russell Brand), tem uma grande ideia para salvar o negócio: um show com o grande astro Stacee Jaxx (Tom Cruise no auge da canastrice). Soma-se a isso uma jornalista ambiciosa (Malin Ackerman) e a primeira-dama da cidade (Catherine Zeta-Jones) - que tem na destruição da imoralidade causada pelo rock seu objetivo de vida - e o caldo está pronto. Pena que não deu liga.

O roteiro é sonolento - e para quem defende a teoria de que musicais prescindem de bom texto em favor de boas músicas vale sempre lembrar os diálogos afiados de clássicos como "Cantando na chuva" e exemplares mais recentes como "Chicago", que equilibram bons números musicais com um texto primoroso. O humor é tosco - o que justifica a inclusão do insuportável Russell Brand no elenco - e nem mesmo as cenas musicais, o que deveria ser o ponto forte da produção, conseguem empolgar (em parte pelas vozes tenebrosas de Hough e Boneta em parte pela direção frouxa e sem criatividade de Shankman). Tom Cruise - em tese a principal atração popular do projeto - falha em sua tentativa de emular roqueiros ao estilo Axl Rose, sendo nada além de patético em cena, além de comprovar que está cada vez menos infalível (a bilheteria ínfima de menos de 50 milhões nos EUA não deixou de ser um balde de água fria em sua popularidade). E, por melhor que sejam, Catherine Zeta-Jones e Alec Baldwin não tem como fazer milagres com suas personagens rasas e previsíveis.

Alguns fanáticos por rock menos exigentes podem até gostar, mas o fato é que "Rock of Ages, O Filme" é um tiro no pé de todos os envolvidos. Um fiasco que nem divertir consegue.

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