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CINE HOLLIÚDY

Posted by Clenio on 23:41 in
Chega a ser desanimador o panorama da comédia feita no Brasil. Uma vez que a Globo Filmes assumiu o monopólio do gênero com produtos de gosto duvidoso - pra não dizer de extremo mau-gosto - ficou difícil ao espectador com um mínimo de inteligência conseguir dar risadas no escurinho do cinema com produções brazucas. Felizmente focos de resistência sempre existem e as produções regionais acabam surgindo como luzes no fim do túnel. Um exemplo vivo dessa afirmação e dessa tendência é "Cine Holliúdy", de Halder Gomes. Distante anos-luz da pasteurizada produção oriunda da Globo, a comédia do diretor cearense brinca com os clichês cinematográficos para contar a emocionante saga de Francisgleydsson (Edmilson Filho), proprietário do cinema do título, em busca de manter seu negócio no interior do Ceará dos anos 70, apesar da ameaçadora presença da TV, iniciando sua dominação popular.

A temática que contrapõe a invasão da televisão contra as salas de cinema lembra o mote do setentista "Bye bye, Brasil", de Cacá Diegues, onde um grupo de artistas de circo precisavam lidar com o esvaziamento de seus espetáculos diante da máquina de fazer doidos. Mas as semelhanças param por aí: enquanto o filme de Diegues utilizava-se de rostos conhecidos do público para contar sua história - e tinha música-tema composta especialmente por Chico Buarque - "Cine Holliúdy" tem como principais atrativos seu elenco de atores locais, de rostos marcantes como personagens de Fellini e a trilha sonora deliciosa que resgata clássicos do cancioneiro brega, de Odair José a Márcio Greyck, que brinda o público com uma participação afetiva que dá o tom exato entre despretensão e carinho que define o filme.

Buscando em sua infância a inspiração para a gama de personagens engraçadíssimos que desfila pela tela, Halder expande, em seu filme, a ideia de seu próprio curta "Cine Holiúdy, o astista contra o caba do mal", premiadíssimo em festivais de cinema de 20 países. Utilizando-se de legendas para facilitar o entendimento do dialeto cearense utilizado nos diálogos hilariantes criados por seu roteiro, o diretor não hesita em abraçar firmemente suas origens, sem medo de soar bairrista ou ininteligível. Cantando sua aldeia para tornar-se universal, conforme aconselhado por Tolstói, Gomes conquista pela simplicidade de seus protagonistas e pelo amor que eles tem pela sétima arte, maior até do que seus problemas financeiros. Assim como Selton Mello fez em seu ótimo "O palhaço", Halder descreve a paixão pela arte, pelo riso e pela fantasia como válvula de escape de um mundo sofrido e opressor. É no escurinho do cinema que um menino pobre que toma caldo de feijão imaginando um copo de Toddy sente-se feliz. É assistindo às lutas de artes marciais capengas projetadas no telão que os rapazes da cidade dão vazão a seus sonhos de transformarem-se em super-herois. É naquele espaço abafado que todos são iguais, o prefeito e os desocupados, os gays e os heteros, as mulheres e os homens, os jovens e os velhos. A coleção de figuras que ocupa a pequena Pacatuba se encontra no Cine Holliúdy e ali, todos sonham e viajam juntos.

Não é à toa que "Cine Hollyúdi" tem esse título, que remete diretamente ao inesquecível "Cinema Paradiso", que ganhou o Oscar de filme estrangeiro em 1990. Assim como no filme de Giuseppe Tornatore, a comédia de Gomes também tem a sétima arte como personagem e mola-mestra. Semelhante ao já clássico italiano, o conto de superação de Francisgleydsson (vivido com extraordinária graça por Edmilson Filho, que tem uma cena genial onde dramatiza um filme inteiro diante dos espectadores) é uma ode ao espírito humano e à paixão pela arte. É simples, é direto e é uma das melhores comédias que o cinema nacional já criou.

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JOBS

Posted by Clenio on 20:31 in
Falta mais do que simplesmente um diretor experiente, um roteiro inteligente e um ator central competente para que "Jobs" seja um bom filme: falta-lhe alma. Dirigida pelo desconhecido Joshua Michael Stern - cujo trabalho mais conhecido é a semidesconhecida comédia "Promessas de um cara-de-pau", estrelado por Kevin Costner e ignorado em larga escala - a cinebiografia do criador da Apple esbarra em um roteiro didático e sem emoção, em uma direção acadêmica e sem inspiração e um Ashton Kutcher que, se não chega a constranger, também não atrapalha (além de estar fisicamente bastante parecido com o empresário). Apesar disso, não é tão ruim como parece: se não chega aos pés de "A rede social", de David Fincher - que conta a criação do Facebook com uma energia que Stern apenas sonha - ao menos serve para ilustrar a vida de uma das mais influentes personalidades do século XX.

O roteiro de "Jobs" é linear, começando em 1971 - quando o protagonista ainda era um estudante quase relapso - e vai até 2000, quando ele reassume o poder na Apple, que ele cria no meio do caminho. Assim como no filme de Fincher, o genial Steve tem sérios problemas de socialização e não hesita em trair os melhores amigos em prol do sucesso, mas a forma com que tudo é contado não permite ao espectador mais do que o papel de testemunha passiva. Porem, enquanto Aaron Sorkin brincava de ir e vir no tempo para montar o quebra-cabeças das relações de Mark Zuckerberg com seus associados, contando com a ajuda da excepcional montagem, Matt Whiteley, em seu primeiro roteiro, não ousa, preferindo seguir um caminho mais direto e talvez por isso, menos interessante. A impressão que fica, na verdade, é que o filme é uma série de cenas quase independentes, contando anedotas a respeito das criações mais famosas do protagonista sem preocupar-se em dar a ele uma personalidade. Como está no filme, Steve Jobs é quase unidimensional e desinteressante, não permitindo ao público que realmente se importe com seus problemas nem mesmo quando ele prova o próprio veneno e se vê afastado do que criou. E talvez boa parcela dessa apatia venha do que poderia ser seu maior trunfo: Ashton Kutcher.

O ex-marido de Demi Moore já provou que, quando quer, sabe sair da persona meio debilóide que lhe fez a glória na série "The 70's show" e em filmes como "Cara, cadê o meu carro?". Sua performance no suspense "O efeito borboleta" mostrou que por trás do corpo de galã há um ator com potencial. Mas o que poderia ser o seu pulo do gato rumo à respeitabilidade artística acabou sendo um tiro n'água: apesar da semelhança física com Steve Jobs e de seu perceptível empenho em fazer o melhor trabalho possível, Kutcher tropeça no roteiro quadrado e na direção sem inspiração. São essas falhas cruciais que impedem que o filme decole e seja mais do que apenas correto. Podia ser pior, mas também podia ser bem melhor.


 

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OS SUSPEITOS

Posted by Clenio on 21:10 in
Realizar um filme de gênero é sempre um desafio para um grande diretor: é preciso jogar com os elementos clássicos de forma inteligente, de maneira a prender a atenção de um público mal-acostumado com os clichês e ainda assim imprimir uma marca que o distingua de dezenas de outros lançamentos. Para sorte dos cinéfilos, vários mestres conseguiram esse feito: Pedro Almodovar fez isso magistralmente em "Má educação". David Fincher também, em "Zodíaco". Scorsese idem, em "A época da inocência" e Woody Allen em "Match point". A lista, agora, tem um novo nome: Dennis Villeneuve, o canadense do sublime "Incêndios" (2010). Seu "Os suspeitos" foge da simples definição de filme policial para transformar-se, em suas mãos, em um sério e claustrofóbico estudo sobre a culpa, a justiça pelas próprias mãos e o sentimento de perda.

O título original - "Prisioners" - pra variar tem muito mais camadas do que a tradução preguiçosa escolhida pela distribuidora, que já havia batizado outro grande filme, dirigido por Bryan Singer em 1995 e que deu o primeiro Oscar a Kevin Spacey. No filme de Villeneuve, os protagonistas são realmente prisioneiros, cada um a seu modo, das consequências do desaparecimento de duas meninas no feriado de Ação de Graças em Boston. O pai de uma delas, Keller Dover (Hugh Jackman) parte em uma busca obsessiva por seu paradeiro, que ele julga ser de conhecimento de Alex Jones (Paul Dano), um rapaz com problemas mentais visto nas redondezas do rapto. O policial Locki (Jake Gyllenhaal), encarregado do caso, sente-se em dívida de honra com o desesperado pai, especialmente quando o principal suspeito é liberado apesar de sua promessa de mantê-lo sob vigilância. E, logicamente, as duas famílias também estão aprisionadas à dúvida sobre a vida ou morte de suas crianças.

Os desdobramentos da trama, criada pelo roteirista Aaron Guzikowski, não valem a pena ser mencionados, sob pena de estragar a diversão - se é que "diversão" é o adjetivo adequado a um filme que mantém a tensão da plateia à flor da pele. No pleno domínio de seu trabalho como cineasta, Villeneuve constroi um suspense crescente, espalhando pistas sobre a resolução do caso (quase simplista, mas coerente) pelas cenas, dirigidas com economia de movimentos de câmera e atenção redobrada aos detalhes. A fotografia úmida e noir do mestre Roger Deakins colabora para o tom sombrio da narrativa, que não dá espaço para momentos desnecessários (e o faz com tanta competência que as duas horas e meia passam sem que se perceba). O roteiro segue o padrão que todos conhecem - o crime, a investigação, as pistas falsas, o clímax, o desenlace - mas o faz com uma propriedade ímpar, que faz com que tudo soe como novidade aos olhos da plateia, principalmente por dar uma importância rara às consequências dramáticas dos atos de seus personagens.

Ao contrário da maioria dos filmes policiais, onde os personagens existem somente para empurrar a história, em "Os suspeitos" é a história que empurra os personagens. Interessa a Villeneuve, cineasta com um olho cuidadoso para as mazelas do ser humano, mais a violência psicológica que se passa no subterrâneo da mente de Dover, Jones e Locki do que a violência física que porventura possa estar ocorrendo no cativeiro das meninas sequestradas. É a forma com que o pai angustiado e o policial dedicado lidam com o caso que eleva o filme a um patamar acima de seus congêneres, e para tal conta com um elenco brilhante, liderado por Hugh Jackman na melhor atuação de sua carreira - muito superior à sua interpretação indicada ao Oscar pelo modorrento "Os miseráveis" - e Jake Gyllenhaal, que constrói seu Locki com uma expressão corporal sutil e eficaz. O cada vez melhor Paul Dano e a oscarizada Melissa Leo também tem interpretações de destaque, em papéis que exploram a contento suas melhores qualidades.

Forte, intenso e digno de figurar entre os indicados ao próximo Oscar - o que infelizmente não deve ocorrer, haja visto sua ausência nas listas divulgadas até o momento - "Os suspeitos" é uma estreia alvissareira do diretor Dennis Villeneuve em Hollywood. Que se mantenha assim.

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ALÉM DA FRONTEIRA

Posted by Clenio on 18:33 in
Em um mundo perigosamente à beira de um retrocesso gigantesco em termos de direitos humanos - que o digam os Felicianos e Bolsonaros da vida - o filme "Além da fronteira" não deixa de ser um contundente e oportuno grito de alerta. Ao contar uma história de amor gay entre um judeu e um palestino, o diretor Michael Mayer costura dois temas polêmicos - a homossexualidade e a guerra religiosa - tendo como linha o preconceito, que, utilizando-se de várias faces, ainda é a principal arma dos hipócritas e limitados. Mesmo que peque por não aprofundar as discussões a que se propõe - e de ter semelhanças temáticas com o ótimo "Bubble", de 2006 - o filme de Mayer tem a seu favor uma dupla central carismática e a capacidade de indignar e questionar.

Nimr Mashrawi (Nicholas Jacob) é um brilhante estudante de Psicologia palestino que tem ambições de chegar à uma universidade americana, onde poderá ter seus talentos reconhecidos. Premiado com um passe livre que lhe permite estudar em Israel, ele conhece e se apaixona por Roy Schaefer (Michael Aloni), um jovem advogado que trabalha com o pai e tem uma relação liberal com a família, que aceita e lida com naturalidade com sua sexualidade. Esse liberalismo mostra reservas, no entanto, quando Roy apresenta o novo namorado, que eles consideram uma espécie de afronta a suas crenças. O preconceito da família de Roy, porém, se torna o menor dos problemas do casal quando Nimr descobre que seu irmão mais velho, Nabil (Jamil Khoury), esconde em sua casa armas do exército palestino. Separados pela geografia - quando Nimr tem seu passe cancelado graças ao envolvimento do irmão no conflito - e pelo crime que a homossexualidade representa na Palestina (e cuja penalidade é a morte), Nimr e Roy precisam, então, encontrar uma maneira de manter-se juntos e salvar seu relacionamento.

Econômico nas cenas mais quentes de homoerotismo por preferir dar ênfase ao teor mais romântico e trágico da relação entre seus protagonistas, Michael Mayer opta por fazer, de seu filme, um libelo à liberdade e ao amor, independente de sexo, religião, nacionalidade ou ideologias. Para ganhar uma audiência maior do que o nicho do cinema de temática gay, ele acerta ao acrescentar elementos de suspense em seu terço final, onde todos se veem torcendo por um final feliz entre os protagonistas, sem importar-se se eles são dois homens. É o pulo do gato do roteiro, que até então poderia ser apenas mais uma história de amor proibido direcionada a uma parcela restrita de espectadores. Pode soar um tanto frio para a plateia homossexual, mas é uma forma de atingir um espectro maior de público e fazer com que sua mensagem anti-intolerância seja ouvida com mais atenção.

No final das contas, "Além da fronteira" é uma simples história de amor, valorizada por uma interessante discussão político-religiosa que, nunca é demais relembrar, tem como meta impedir a força do amor e da felicidade pessoal. Vale experimentar e pensar sobre sua mensagem.

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A FAMÍLIA

Posted by Clenio on 17:16 in
Cineastas como o francês Luc Besson sofrem de um mal que acomete a todos aqueles que tem a sorte de chamar a atenção do público e da crítica já em seus primeiros trabalhos: a obrigação de ser sempre grande. Besson, que conquistou a audiência mundial nos anos 80, com filmes como o belo "Imensidão azul" (88) e "Nikita, programada para matar" (90), adentrou os 90 com os badalados "O profissional" (94) - que tem o mérito de ter lançado Natalie Portman - e o cultuado "O quinto elemento" (97), mas entrou em uma curva descendente na carreira desde que impôs sua então namorada Milla Jovovich como estrela do polêmico "Joana D'Arc" (99). A partir daí nunca mais fez um trabalho digno de seus primeiros, chegando inclusive a comandar produções infanto-juvenis. Por isso, é difícil entender tanta fúria contra "A família", seu mais recente filme. Taxada de dispensável, decepcionante e outros adjetivos tão beligerantes quanto, a comédia policial de Besson pode não ser inovadora como seus trabalhos mais conhecidos, mas cumpre o que promete. E qual o pecado em ser despretensioso?

Tudo bem que a reunião em um filme dos astros Michelle Pfeiffer e Robert DeNiro - este último voltando a viver um mafioso, como em seus bons tempos - com um diretor que já mostrou em outras ocasiões que sabe perfeitamente equilibrar cenas de violência com momentos dramáticos (ou cômicos) tinha tudo para ser um filmão, mas daí a apedrejar tão impiedosamente uma obra que tem por objetivo apenas divertir por duas horas chega a ser inexplicável. Mesmo que não se aprofunde no desenho de seus personagens e fique na superficialidade a maior parte do tempo, o roteiro de "A família" faz bom uso das diferenças culturais entre EUA e França - coisa que nem todo filme consegue fazer sem soar repetitivo - e faz rir quando destrói sistematicamente a imagem da tradicional família suburbana ianque - como também o fez, com maior sorte em termos de apreciação, o hoje mainstream John Waters em seu "Mamãe é de morte".

No filme de Waters, Kathleen Turner é uma dona-de-casa aparentemente normal que não hesita em eliminar qualquer pessoa que ameace o bem-estar de sua família de comercial de margarina. Porém, enquanto Waters deixava claro sua intenção de zoar o american way of life, Besson prefere fazer uma espécie de sátira aos filmes de Máfia - e talvez aí esteja o calcanhar de Aquiles de sua obra. Enquanto mostra a adaptação da família - com hábitos alimentares pouco saudáveis, por exemplo - a um estilo novo de vida na Normandia, o roteiro diverte e faz rir, em especial nos momentos em que todos os membros (sem exceção) deixam aflorar seus reais métodos de solução de problemas, inspirados nas violentas regras da Cosa Nostra. No entanto, quando tenta ser violento de verdade, Besson não consegue fazer a transição com a mesma desenvoltura: não se sabe, quando o clímax chega, se trata-se de um filme policial para ser levado a sério ou uma comédia que perdeu o senso de humor. Essa indecisão, em uma hora tão crucial, enfraquece o conjunto da obra.

Mas esses pecadilhos de Besson são facilmente perdoáveis quando se percebe o quanto Michelle Pfeiffer e especialmente Robert DeNiro estão à vontade em seus papéis. DeNiro, inclusive, é o protagonista da melhor sequência do longa, quando é convidado a palestrar sobre "Os bons companheiros", de seu velho colega Martin Scorsese: uma brincadeira simpática e carinhosa do roteiro, que deixa até mesmo o normalmente apático Tommy Lee Jones dentro do clima. "A família" é, na verdade, isso mesmo: uma brincadeira agradável e despretensiosa, que deve ser vista e apreciada como tal.

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CAPITÃO PHILLIPS

Posted by Clenio on 22:07 in
Doze anos depois de sua última indicação ao Oscar de melhor ator - pelo filme "Náufrago" - Tom Hanks pode estar a um passo de repetir a sensação de ver seu nome anunciado quando os indicados da Academia forem divulgados. Seu trabalho no filme "Capitão Phillips", dirigido por Paul Greengrass já o garantiu nas listas do Golden Globe e do Screen Actors Guild e somente se houver uma hecatombe essas lembranças não irão se converter em sua 6ª indicação. Melhor que o retorno de Hanks às telas e às cerimônias de premiação em si, porém, é o fato de que todos os elogios que vem recebendo são absolutamente justos. Na pele de um homem preso em uma situação extrema e de grande perigo, o duplamente oscarizado ator apresenta seu melhor desempenho em anos, em um filme dirigido com grande competência - e que também pode ser homenageado com uma indicação ao Oscar.

Uma história real, "Capitão Phillips" se passa em 2009, quando o capitão do título - vivido por um Tom Hanks maduro e tentando deixar de lado sua marcante simpatia - inicia uma viagem com seu Maersk Alabama com o objetivo de levar comida, água e remédios para a população de Mombasa, na Somália. No meio do caminho, porém, o navio é abordado por um grupo de piratas somalianos, que não hesitam em invadir a embarcação para levar dinheiro para seu chefe. Liderados pelo violento Abduwali Muse (Barkhad Abdi), os homens exigem mais do que os marinheiros americanos, o que os leva a um tenso impasse, que resulta na fuga dos criminosos, que levam Phillips como refém.

Dirigido com energia por Greengrass - que tem experiência em filmes de ação, como comprovam os dois últimos capítulos da trilogia Bourne estrelados por Matt Damon e o elogiado "Voo United 93", que lhe deu uma indicação ao Oscar em 2007 - e interpretado com absoluta entrega por um elenco sempre à flor da pele, "Capitão Phillips" surpreendeu nas bilheterias americanas, onde já ultrapassou a barreira dos 100 milhões de dólares de arrecadação. Realizado por um modesto orçamento de 55 milhões (levando-se em consideração a presença de Hanks e o detalhismo da produção), o filme também vem colhendo elogios pela atuação de Barkhad Abdi, ator somaliano que, assim como Hanks, também já está no páreo das principais premiações do cinema americano. Estreante, Abdi - que trabalhava como motorista e nunca teve ambições de tornar-se ator - encara Hanks em confrontamentos de grande força dramática e, apesar de demonstrar sua falta de experiência, consegue manter o nível de tensão nas alturas, o que por si já é bastante difícil, principalmente se for levado em conta o fato de que muitas cenas passadas em um bote salva-vidas foram realmente filmadas em uma réplica minúscula.

Quanto à Hanks, pouco precisa ser dito. Um dos mais carismáticos astros do cinema americano em atividade, ele dá a seu Capitão Phillips a medida exata de heroísmo, humanidade e ousadia que fazem com que o papel lhe caiba como uma luva. Em um ano em que também interpreta Walt Disney no ainda inédito "Saving Mr. Banks" - onde atua ao lado de Emma Thompson - ele mostra que fez mais falta do que parecia.

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GRAVIDADE

Posted by Clenio on 19:30 in



Vez ou outra acontece de um filme despertar uma espécie de alucinação coletiva entre crítica e público. Quando isso acontece, filmes comuns - quando não medíocres - são elevados inexplicavelmente à condição de obra-prima sem que tenha armas para isso. Em 2013 esse fenômeno voltou a acontecer com "Gravidade". Primeira ficção científica do cineasta mexicano Alfonso Cuarón, rendeu mais de 100 milhões de dólares somente no mercado americano e vem sendo louvado com um dos melhores filmes do ano, com possibilidades bem reais de estar entre os indicados ao Oscar - haja visto o prêmio da Associação de Críticos de Los Angeles e as generosas indicações ao Golden Globe. O problema é que, a despeito de seus efeitos especiais de última geração e da fotografia extraordinária de Emmanuel Lubezki, "Gravidade" é extremamente chato - cortesia da história rasa e da sempre enfadonha Sandra Bullock.

Bullock -  prejudicada pelo uso de botox e por sua habitual auto-confiança e inexplicavelmente incensada por sua atuação - vive Ryan Stone, uma especialista da NASA que se vê à deriva no espaço, depois que sua nave é destruída pelos resquícios de um satélite russo e ela perde o contato com seus dois colegas, entre eles George Clooney. O filme narra, então, suas tentativas desesperadas de voltar à órbita da Terra, boa parte delas atrapalhada por sua falta de experiência.

O problema de "Gravidade" nem é a sua dependência de se gostar ou não de Sandra Bullock como atriz, ainda que, estando ela em cena 100% do tempo e quase sempre sozinha, seja mandatório que se tenha ao mínimo simpatia por ela. O que atrapalha ao filme de Cuarón é seu roteiro superficial, que não é capaz de aprofundar nem ao menos sua protagonista. De Ryan, por exemplo, sabe-se apenas que perdeu uma filha de quatro anos e não é exatamente uma pessoa feliz. E essa falha torna-se imensa quando se procura algo mais no filme do que belos efeitos visuais, ainda que muita gente tenha tentado encontrar em sua trama frágil metáforas para praticamente qualquer coisa - desde a insignificância do homem diante do universo até implicações políticas que somente uma mente muito criativa consegue explicar.

A questão que fica, portanto, é uma só: vale a pena assistir? Depende. Se você é fã de ficção científica, Sandra Bullock ou efeitos especiais caprichados a resposta é sim: dentro do gênero, o filme de Cuarón é coerente e realista, Bullock oferece tudo aquilo que se espera dela e o visual é deslumbrante. Caso contrário, a única coisa que "Gravidade" irá lhe causar é sono e a sensação de tempo perdido.

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QUEDA LIVRE

Posted by Clenio on 18:57 in
"Queda livre" já chegou ao Brasil com a pecha de "Brokeback Mountain alemão". O que poderia ser uma boa propaganda - afinal o premiado filme de Ang Lee é respeitado e admirado por qualquer bom fã de cinema, independente de sua sexualidade - acaba sendo, no final das contas, um peso. Por que o público iria às salas exibidoras assistir a um filme com uma história já conhecida, afinal? No entanto, à parte esse deslize de marketing - e as inúmeras semelhanças que tem com o filme estrelado por Heath Ledger e Jake Gyllenhaal - o trabalho do cineasta Stephan Lacant tem suas próprias qualidades e, embora não acrescente muito ao cinema de temática gay, serve para, mais uma vez, levantar questões importantes em um mundo perigosamente à beira de uma hecatombe religiosa.

Enquanto "Brokeback Mountain" tinha como sua maior ousadia localizar seus protagonistas em um mundo notoriamente viril e masculino, "Queda livre" encontra seus personagens também em um ambiente claramente hostil a manifestações homoafetivas: o corpo policial. Marc Borgmann (Hanno Koffler) é um policial com um futuro promissor e que está em vias de tornar-se pai. Morando com a esposa Bettina (Katharina Schuttler) e os pais, ele se surpreende com a força de sua atração por um colega de treinamento, Kay Engel (Max Riemelt), com quem se envolve numa relação passional e romântica. Dividido entre suas duas vidas, ele ainda testemunha o preconceito que circunda os homossexuais em seu meio, sentindo-se incapaz tanto de assumir sua nova condição - e logicamente ter de enfrentar as consequências disso - quanto de levar uma vida normal com a família.

Não há maiores surpresas ou inovações na maneira com que Lacant conta sua história. Assim como acontece nos filmes do gênero, a ligação entre Marc e Kay vai tornando-se cada vez forte, forçando os personagens ao encontro de seus destinos mesmo contra sua vontade. Como normalmente ocorre, é Kay, o bem-resolvido, o catalisador de todas as mudanças e, como de praxe, não existe crescimento sem dor. O roteiro é, ao menos, esperto em fugir do previsível em seu terço final, buscando resolver as situações propostas de maneira realista - ainda que talvez suas escolhas não agradem a todo mundo.

Fotografado com grande competência - em especial nas cenas de amor entre os protagonistas, que prescindem do vulgar mas não do calor - e interpretado com vigor por dois atores entregues sem medo a seus papéis, "Queda livre" não é uma obra-prima do gênero, mas está muitos degraus acima de muitos produtos feitos apenas para chocar.

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SAUDADES

Posted by Clenio on 14:35 in
Saudade. Saudade de tudo. Saudade de mim mesmo. Saudade de dar gargalhadas ao ar livre, enchendo a cara de cerveja ao lado dos meus amigos. Saudade do cheiro das salas de cinema e dos trailers antes de começar o filme. Saudade de sair pra dançar. Saudade de dormir na minha cama, na minha casa, com as minhas coisas me rodeando. Saudade de poder acordar sem gente gritando por perto. Saudade de acordar sem ter que perceber que NADA à minha volta é o que eu quero pra mim. Saudade de não ter que odiar diariamente a quem eu deveria no mínimo respeitar.

Saudade de gostar das coisas. Saudade de ter prazer ao ler um bom livro, ao ouvir uma música nova, ao assistir a um filme. Saudade de sentir coisas. Sentir coisas que não sejam ódio, revolta, tristeza e angústia. Saudade de acordar pensando que as coisas poderiam dar certo. Saudade de dormir porque estou com sono e não porque é a única forma que tenho de fugir de uma vida que eu odeio. Saudade do tempo em que eu acreditava em mim mesmo e achava que conseguiria ser feliz um dia. Um dia. Nunca chegou.

Saudade de gostar do horário de verão. Saudade de me preparar pra balada. Saudade de chegar na balada. Saudade de me divertir. Saudade de ter alegria nas pequenas coisas. Saudade de falar besteira e dar risada - nem me lembro a última vez em que achei graça de alguma piada. Saudade de me empolgar. Saudade de fazer minha própria e comê-la na hora em que me der na telha. Saudade de dormir às seis da manhã e não ficar com sentimento de culpa. Saudade de não ter sentimento de culpa.

Saudade dos meus ensaios de teatro. Saudade de IR ao teatro. Saudade de comprar um livro. Saudade de tomar um sorvete no shopping, sem pensar em mais nada. Saudade de poder ligar pros meus amigos e marcar um encontro pra daqui a duas horas. Saudade de olhar pela janela e ver a minha cidade, e não um inferno desértico e atrasado. Saudade de ter saudades da minha mãe e meus sobrinhos. Saudade de gostar das pessoas e não achar que quase todas são inúteis, medíocres e indubitavelmente chatas.

Saudade de ter esperanças. Saudade de achar que eu era bom em alguma coisa. Saudade do melhor de mim, que está soterrado em algum lugar e sem forças pra se salvar. Saudades daquela parte de mim que achava que o futuro traria luz e felicidade. Não trouxe. Pelo contrário, só trouxe tristeza, decepção, frustração e dor. Saudade de dormir sem a dor de cabeça lancinante que as lágrimas trazem. Saudade de ter vontade de chegar em casa quando estou na rua. Saudade de TER VONTADE de sair pra rua.

Saudade de ser feliz, mesmo sem a consciência da felicidade. Saudade de acreditar em mim. Saudades de proporcionar aos outros um pouco de alegria, ao invés de tanta amargura e fel. Saudades de me encantar. Saudades, saudades, saudades.

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BLING RING, A GANGUE DE HOLLYWOOD

Posted by Clenio on 22:35 in
Em sua ainda curta mas interessante filmografia, a cineasta Sofia Coppola sempre voltou seu interesse mais às pessoas do que aos acontecimentos à sua volta - até mesmo quando elegeu como protagonista a rainha da França Maria Antonieta. Em seu novo trabalho, "Bling ring, a gangue de Hollywood" ela surpreendeu ao optar pelo caminho inverso: o que importa a ela não são os jovens que se tornaram famosos por seu hábito nada saudável de invadir as mansões das celebridades californianas e roubar objetos de luxo. Seu interesse é retratar uma juventude fútil e desprovida de valores, sem deter-se em elocubrações psicológicas para justificar suas ações. A neutralidade de Sofia, que a muitos desagradou e soou como defeito de roteiro, casa com perfeição, porém, em seu desejo de fazer de seu filme não um julgamento moral, mas uma versão em celuloide de um exercício de superficialidade juvenil.

Os protagonistas de "Bling ring" - jovens de classe média alta, sem problemas domésticos e sem maiores ambições senão frequentar baladas caras, usar roupas de grife e postar fotos provocantes em redes sociais - não tem, sob a visão de Coppola, nada que os separe da grande maioria daqueles de sua idade. Nenhum deles é particularmente inteligente e talentoso, ou especialmente belo, e justamente devido a essa mediocridade os objetos furtados das mansões de Paris Hilton e Lindsay Lohan - entre outros menos cotados - são como troféus, mais do que qualquer outra coisa. São as invasões noturnas que fazem deles especiais para os outros e principalmente para eles mesmos. E mesmo que o roteiro não tente investigar a fundo quaisquer razões que os protagonistas possam ter, o filme atinge seu objetivo de - com um visual semidocumental reiterado por entrevistas de suas personagens após o desfecho de suas incursões criminosas - documentar um grupo específico de jovens tão ou mais impactante do que aqueles retratados por Larry Clark em seu "Kids", que nos anos 90 deu o que falar dentro da indústria de cinema e nas rodas de sociológos mundo afora.

Filmado com elegância e frescor, "Bling ring" ainda conta com um elenco dos mais acertados, no qual se destacam a bela Emma Watson (abandonando de vez sua Hermione, da série "Harry Potter") e Israel Broussard, uma revelação que ainda vai muito longe. Pode não ser um filme marcante ou capaz de arrancar prêmios - como a obra-prima da diretora, "Encontros e desencontros" - mas, visto pelo que ele deseja ser e não pelo que o público espera, é mais um belo trabalho de Sofia Coppola.

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UNPRODIGAL DAUGHTER

Posted by Clenio on 18:12 in ,
E quando você achava que tinha se livrado de toda essa sensação maligna e desesperadora, ela volta com toda a sua força, manchando seus dias e te puxando para o abismo que você julgava ter deixado definitivamente para trás. É difícil ser imparcial e perceber exatamente como você é se essa sensação tão conhecida faz questão de lhe mostrar o seu pior lado. É ela - com toda a sua capacidade de clarificar os seus inúmeros defeitos - que faz com que você se veja da pior (e bem provavelmente da real) maneira possível: inútil, incapaz, fracassado, quase patético em seu desejo infantil e irresponsável de buscar a felicidade através de talentos que - reconheça! - você não tem.

Essa sensação triste, sufocante e violenta deixa explícitas as suas falhas e não aponta solução para elas. Lhe tira o ânimo, a alegria, a esperança. Lhe prostra, lhe derruba, lhe nivela ao pior dos piores. É graças a ela que você cai na real e percebe que seu destino nunca será melhor do que servir eternamente a um mundo que você despreza com todo o seu potencial. Por causa dela é que você se olha no espelho e vê alguém que, ao contrário do que você pensava até então, não tem capacidade de arriscar a sorte utilizando de seus talentos - simplesmente porque não os tem.

A sensação nada bem-vinda de fracasso e tristeza apenas comprova que você é medíocre e precisa aprender a conviver com essa mediocridade. Lide com isso!

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TESE SOBRE UM HOMICÍDIO

Posted by Clenio on 21:46 in
Que Ricardo Darin é um ator extraordinário todo mundo que assistiu a algum de seus filmes - "Nove rainhas", "O filho da noiva" e "O segredo dos seus olhos" estão entre os melhores - sabe. Também não é novidade que um filme estrelado por ele tem boas chances de chegar até os cinemas brasileiros e levar gente às salas de exibição só pela presença de seu nome no elenco. E, por incrível que pareça, Darin acerta muito mais do que erra (ao menos quando nos referimos ao que temos a oportunidade de conferir). O mais novo da leva é "Tese sobre um homicídio", um drama policial quase corriqueiro que tem em sua atuação o maior diferencial e foco de interesse.

Baseado em um romance de Diego Paszlowski, "Tese sobre um homicídio" não ousa nem em sua temática nem em seu desenvolvimento, preferindo uma narrativa linear para conquistar a plateia, mesmo que apresente um final capaz de dar um nó na cabeça do espectador. Como bom filme do gênero, apresenta sua trama, suas personagens e seus conflitos da maneira mais simples possível, para, a partir daí, envolver o público em um emaranhado de pistas falsas e um jogo psicológico interessante o bastante para prender a atenção do início ao fim.

Darin interpreta Roberto Bermudez, um especialista em direito criminal que passa a suspeitar que um de seus alunos, filho de um antigo conhecido, é o responsável pelo brutal assassinato de uma jovem mulher, cujo corpo foi jogado no estacionamento da faculdade. Desacreditado por todos à sua volta, ele acaba por investigar o crime por conta própria, sempre lutando contra o desejo de confrontar o jovem - que inicia um romance com a irmã da vítima.

"Tese sobre um homicídio" é um filme policial acima da média, com uma trama inteligente e um elenco capaz de dar credibilidade até mesmo a momentos que não fogem do clichê. Em uma temporada tão carente de boas opções no gênero não deixa de ser uma excelente pedida.

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A CAÇA

Posted by Clenio on 21:18 in
Fãs de um cinema mais denso, com ambições mais profundas do que simplesmente entreter já conhecem Thomas Vinterberg. Dinamarquês nascido em 1969, ele foi um dos criadores do malfadado Dogma 95 - que, nos anos 90 tentou mudar a forma de se fazer cinema, com uma sucessão de regras que aboliam artifícios externos na narrativa, como trilha sonora. Fez enorme sucesso entre os intelectuais com "Festa de família", mas depois seu trabalho ficou restrito a festivais e mostras internacionais. Com "A caça", seu novo filme - que deu a Mads Mikkelsen o prêmio de melhor ator no festival de Cannes de 2012 - ele demonstra que seu êxito na polêmica obra de 1998 não foi mero golpe de sorte. Forte e angustiante, seu novo trabalho já merece crédito por quebrar o velho paradigma que diz que as crianças são sempre sinceras.

A criança de "A caça" - uma menina de aparência angelical e modos delicados - não apenas mente como sua mentira destroi a vida de um homem inocente, a quem ela prejudica (talvez sem ter a plena consciência das possíveis consequências de seu ato, mas ainda assim de maneira irresponsável) quando o acusa de abuso sexual. Solitário e discreto, o professor Lucas (vivido por Mikkelsen, agora conhecido por sua interpretação como o psiquiatra canibal da série "Hannibal") tem sua vida abalada quando uma aluna, filha de um amigo seu, o denuncia para a diretora da escola. Transtornado pela acusação, Lucas imediatamente se vê privado da confiança dos colegas, sem trabalho e com a suspeita de tal ato sobre sua cabeça. Tratado com violência pelos conterrâneos e humilhado publicamente, a ele resta apenas o carinho do filho único e sua consciência limpa.

A intenção de Vinterberg - também um dos atores do roteiro - não é esmiuçar as investigações a respeito da denúncia infantil, nem tampouco fornecer à plateia um estudo voyeurista da decadência de um homem comum que tem seu mundo chacoalhado por uma mentira contada por alguém aparentemente incapaz de faltar com a verdade. O que "A caça" apresenta é o desenho melancólico de um homem que tem tirado de si a dignidade, a confiança e o respeito. Para isso, conta com uma atuação fantástica de Mads Mikkelsen, que faz de seu Lucas a encarnação perfeita de alguém cuja perplexidade impede de tomar quaisquer atitudes. E é justamente essa quase apatia do protagonista que talvez seja o calcanhar de Aquiles da obra de Vinterberg: o público assiste, atônito, um cidadão ser acusado, achincalhado, humilhado e agredido por algo que não cometeu e permanecer quieto, quase como uma personagem bíblica, disposta a oferecer a outra face. Esse sofrimento - que rivaliza com os calvários das personagens femininas de Lars Von Trier, colega de Vinterberg no Dogma 95 - encontra eco no roteiro coeso e no elenco coadjuvante, que dá suporte ao trabalho impecável de seu protagonista.

"A caça" é uma mostra definitiva do talento de Vinterberg e de sua inteligência em jamais deixar que um tema tão forte e denso como o tratado em seu filme descambe para o sensacionalismo barato. É cinema em estado bruto.



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HOMEM DE AÇO

Posted by Clenio on 21:01 in
Em 2006, quando Bryan Singer lançou "Superman, o retorno" não faltou quem reclamasse de cada escolha do cineasta (responsável pelo sucesso enorme dos dois primeiros capítulos de "X-Men"). Reclamações procedentes - como a escolha da insossa Kate Bosworth como Lois Lane - e improcedentes - como a opção por não fazer um reboot, como era moeda corrente entre as adaptações de quadrinhos para o cinema - acabaram se tornando verdades absolutas quando a bilheteria do filme não atingiu as expectativas da Warner. A ideia de uma franquia imediatamente foi arquivada e dedos foram apontados para Singer, para os roteiristas e até para Brandon Routh - que viu sua carreira definhar depois de interpretar um dos ícones mais absolutos da arte pop do século XX. É difícil de acreditar, portanto, que muitos dos detratores da obra de Singer tenham ficado satisfeitos com "O Homem de Aço", que Zack Snyder - do criativo "300" e do interessante porém cansativo "Watchmen, o filme" - assina, tentando mais uma vez dar início a uma série com a personagem. Misturando um visual "Matrix reloaded" com destruições exageradas ao pior estilo "Transformers", a nova aventura do Superman tem muito mais erros do que acertos - e dessa vez não tem Brandon Routh para carregar nas costas seus pecados.

Ignorando completamente a obra de Singer, o roteiro de "Homem de aço" - cuja estória é assinada por Christopher Nolan, que não demonstra aqui a mesma segurança e seriedade que imprimiu à trilogia do Homem-morcego - utiliza elementos do segundo filme estrelado por Christopher Reeve em 1980 para tentar reconquistar o público perdido. O roteiro não ignora as origens do heroi, mostrando seu nascimento em um planeta Krypton à beira da hecatombe - e com um visual exagerado - e o início da revolta de Zod (Michael Shannon tentando dar dignidade a um vilão mal-escrito). Depois do prólogo longuíssimo - que é mais tarde narrado em sua totalidade por Jor-El (Russell Crowe) a seu filho, em uma prova da prolixidade da trama - o filme dá um salto e mostra como o bebê salvo por seu pai  e adotado por um casal de fazendeiros interpretados por Kevin Costner e Diane Lane aprendeu a lidar com seus super-poderes. Sua vida - tão normal quanto possível sendo ele tão diferente de todas as pessoas que o rodeiam - sofre uma reviravolta quando o próprio Zod chega à Terra, disposto a aniquilar o planeta.

A trama de "Homem de aço" não foge aos lugares-comuns dos filmes de super-herois a que o público vem se acostumando há alguns anos e não é seu principal defeito. Apesar de estar longe da qualidade do roteiro das trilogias de Batman e X-Men (que se preocupava com as personagens tanto quanto com as cenas de ação), o filme de Snyder esbarra principalmente em seu desespero em cumular a plateia com sequências de destruição e uma violência que não choca nem empolga. Sua excessiva e desnecessária duração também atrapalha sua ambição a tornar-se lembrado com mais respeito do que seu antecessor: duas horas e meia sem uma história pra contar é demais até para o mais fiel fã, que chega a seu terço final testemunhando apenas cenas cansativas que remetem aos piores momentos de "Transformers" - e que anulam as boas ideias que surgiram no decorrer do caminho, como intercalar à ação presente alguns flashbacks que mostram a trajetória de Clark Kent rumo às pazes com sua origem.

É uma pena que um cineasta tão criativo quanto Zack Snyder tenha perdido a oportunidade de fazer de "Homem de aço" um filmaço, capaz de rivalizar com o que Christopher Nolan fez em sua trilogia com Christian Bale. Seu filme é chato, derivativo e cansativo. Dessa vez o exagero só atrapalhou.


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O GRANDE GATSBY

Posted by Clenio on 20:33 in
Quem conhece o cinema do australiano Baz Luhrmann sabe exatamente o que esperar de sua adaptação do clássico americano "O grande Gatsby", de F. Scott Fitzgerald. Deixando de lado a suntuosidade discreta e fleumática da versão de Jack Clayton, lançada em 1974 e estrelada por Robert Redford e Mia Farrow - e vencedora do Oscar de figurino - o homem que deu ao mundo obras que são um louvor incontestável ao kitsch, como "Vem dançar comigo" e "Moulin Rouge", reitera seu ponto de vista estético ao compor uma sinfonia de cores e opulência que, ao contrário do que se poderia esperar, casa-se perfeitamente com a história do romance de Fitzgerald. Se o filme de Clayton é considerado quase unanimemente chato pela crítica e pelo público por seguir fielmente o livro, a obra de Luhrmann irradia luz, calor e paixão na medida certa - ainda que, como sempre acontece com seus trabalhos, carregue nas tintas em seu começo, para somente depois envolver a plateia na história.

Tendo em vista seu currículo - onde o luxo e a efervescência cultural são ingredientes indispensáveis - é quase impossível pensar em outro diretor mais capaz do que Luhrmann de traduzir em imagens as palavras clássicas do homem que é também o criador do inesquecível Benjamin Button. Fotografada com precisão pelo neozelandês Simon Duggan, a recriação da Long Island dos anos 20 é perfeita em sua concepção: a ideia do diretor e de seus fieis colaboradores (entre eles a sua mulher, Catherine Martin, responsável pelo desenho de produção e pelos figurinos) não é ser fiel à realidade, e sim, às memórias de quem narra a estória, no caso, o escritor Nick Carraway (vivido com a habitual falta de entusiasmo por Tobey Maguire). Com sua visão de literato, Carraway não deixa de misturar ao real uma pitada bastante grande de poesia e ludicidade. Os olhos da audiência são os olhos de Carraway, e essa liberdade de ponto de vista é que transforma "O grande Gatbsy" via Luhrmann em, mais do que uma história de amor, um espetáculo de forma, cor e o sempre bem-vindo anacronismo musical que faz a delícia de seus fãs.

Se em "Moulin Rouge" o cineasta contou uma história passada no final do século XIX utilizando como trilha sonora nomes tão aparentemente incongruentes como Madonna, Nirvana, Paul McCartney e David Bowie, dessa vez ele conta com Beyoncé, Lana Del Rey e Florence Welch como moldura para suas insanidades visuais. Porém, aqui a música não é o prato principal, e sim um acompanhamento de luxo a uma trama de amor desesperado, contada com a sensibilidade e o ritmo do século XXI. Para tal, Luhrmann volta a contar com Leonardo DiCaprio, a quem ajudou a transformar em ídolo adolescente em 1996, com sua versão psicodélica de "Romeu e Julieta". DiCaprio - ainda tentando livrar-se da eterna imagem juvenil - vive a personagem-título, Jay Gatsby, um milionário conhecido por oferecer festas gigantescas em sua mansão em Long Island e que desperta a curiosidade de seu jovem vizinho, um aspirante a escritor que se vê envolvido no mundo alucinante e festivo dos anos 20. Não demora muito, porém,  para que as razões que levam Gatsby a ser o anfitrião mais conhecido das redondezas sejam conhecidas: apaixonado por uma antiga namorada, ele vê nessa vida de pompa e circunstância a oportunidade de reencontrá-la. O escritor não demora também a descobrir que tal namorada é sua prima, a bela Daisy Buchanam (Carey Mulligan), casada com o infiel e pouco dado a delicadezas Tom (Joel Edgerton). O triângulo amoroso, potencializado pelo caráter violento de Tom e pela impossibilidade de Daisy em abdicar de sua vida familiar, acaba banhando o belo litoral em sangue e lágrimas (sempre iluminados com um capricho arrebatador).

Se Leonardo DiCaprio não consegue fazer de seu Jay Gatsby uma figura potente e carismática a ponto de justificar o título do filme - chegando a ser irritante em alguns importantes momentos - e Tobey Maguire nunca ultrapassa o seu nível tradicional de interpretação, é inegável que Baz Luhrmann tem em mãos dois trunfos absolutos em termos dramáticos: Carey Mulligan e Joel Edgerton. O ator - que esteve em filmes elogiados como "Reino animal" e "Guerreiro", mas ainda não teve o devido reconhecimento - encontra o tom perfeito para seu Buchanan, roubando todas as cenas em que aparece. E Mulligan - que dispensa maiores comentários - cria uma Daisy etérea, delicada e frágil na medida certa, valorizada pelo figurino impecável e por seu talento imenso. Se o visual acachapante criado por Luhrmann é o corpo de "O grande Gatsby", Carey é sua alma.

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MINHA MÃE É UMA PEÇA - O FILME

Posted by Clenio on 03:52 in
Há no mínimo duas formas distintas de se assistir à "Minha mãe é uma peça", adaptação do bem-sucedido espetáculo teatral escrito e estrelado pelo ator (seria injusto chamá-lo de comediante) Paulo Gustavo: como um programa despretensioso e divertido, feito com a única intenção de fazer rir sua audiência ou como cinema no sentido mais literal da palavra. Comandado por André Pellenz, que dirigiu Gustavo na série televisiva "220 volts" - origem que é nítida na linguagem pouco cinematográfica de seu filme - "Minha mãe é uma peça" se sai muito bem na primeira abordagem, mas peca na segunda. Em compensação, comparando-se com a enxurrada de comédias mal-escritas, mal-dirigidas e vulgares que vem assolando o cinema nacional, a história da dona-de-casa Hermínia e seus filhos ingratos mostra-se bastante superior em humor, talento e emoção.

Interpretada com gosto e perfeição por Paulo Gustavo, Hermínia é uma mãe igual a milhares de outras espalhadas pelo mundo, a despeito de morar em Niterói com seus dois filhos adolescentes, Marcelina (que sofre de excesso de peso) e Juliano (que é gay e esconde a condição da mãe, mesmo que ela saiba disso e tente disfarçar), depois de ter sido abandonada pelo marido (Herson Capri) e trocada por uma perua mais jovem (Ingrid Guimarães repetindo seu papel clássico). Exagerada, dramática e dedicada, ela escuta sem querer uma conversa dos filhos com o pai e a madrasta em que eles falam mal da forma como ela os cria e, magoada, foge de casa e vai passar uns dias com uma tia (Suely Franco). Nesse meio-tempo, os jovens começam a sentir sua falta e perceber sua importância em suas vidas.

Sim, a trama (simples mas direta) é o que menos importa. Fazendo rir com o absurdo das situações cotidianas e das relações familiares - com uma linguagem direta e sem rodeios - Paulo Gustavo chega rapidamente às risadas e à emoção, atingindo o público com a identificação imediata com as personagens. Sua Hermínia é desbocada, atrevida e exagerada como todas as mães sabem ser quando preciso e é difícil não reconhecer nela características comuns a qualquer progenitora - afinal, não é à toa que dizem que mãe é mãe e só muda de endereço. Engolindo todos à sua volta, o ator tem um carinho nítido por sua personagem, inspirada em sua própria mãe (cuja imagem é vista no final da projeção e desperta tantas gargalhadas quanto o restante da obra) e que conquista justamente por essa coragem em não fugir até mesmo de alguns escorregões sentimentaloides. Se alguns momentos muito engraçados já não fossem o bastante para garantir o sucesso do filme (que já chegou à marca de dois milhões de espectadores e ganhou uma continuação já para o ano que vem), o carisma de Gustavo já valeria a pena.

E chegamos, então, aos pecadilhos do filme. Com algumas falhas gritantes - vícios televisivos, cenas um tanto inúteis e o desperdício de algumas personagens em cenas pouco inventivas do ponto de vista criativo - "Minha mãe é uma peça" sofre do mesmo mal do qual sofreram algumas adaptações teatrais nacionais para a telona, como "A partilha" e "Trair e coçar... é só começar": a dificuldade de transportar para a linguagem cinematográfica as qualidades das versões dos palcos. É perceptível que o lugar ideal para as aventuras das personagens criadas por Paulo Gustavo é o palco, que permite ao ator uma interação maior com a plateia. No entanto, sem a pretensão de assinar uma obra-prima da sétima arte, o diretor André Pellenz oferece à plateia exatamente o que promete: boas risadas e momentos de descontração. É mais do que muito filme com objetivos maiores consegue.

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2 MAIS 2

Posted by Clenio on 01:11 in
Por mais sucesso que façam nas bilheterias, é difícil encontrar qualidades nas comédias nacionais. Tranqueiras como "Até que a sorte nos separe", "E aí, comeu?" e "Cilada.com" podem até conquistar público, mas, para isso, abdicam de inteligência e sutileza. Vendo por esse prisma, o divertido "2 mais 2" é mais um gol do cinema argentino contra nossa filmografia. Dirigido sem pretensões por Diego Kaplan - que está longe de ser um gênio da sétima arte, mas tem senso de ritmo e estética - o filme fala de um assunto que, em mãos erradas, poderia facilmente descambar pro vulgar e pro exagerado: o swing, também conhecido como troca de casais - modalidade tão em voga nos anos 70 e que é o pomo da discórdia entre dois casais de amigos cujos relacionamentos são, ao menos na aparência, sólidos e bem-resolvidos.

Conciso e repleto de bons diálogos, o roteiro de "2 mais 2" começa quando o casal formado por Richard (Juan Minujín) e Emilia (Julieta Díaz) revela aos amigos Diego (Adrián Suar, ótimo) e Betina (Carla Petersen) que seu relacionamento de dez anos mantém-se saudável graças a uma forma inusitada de casamento: eles fazem sexo com outros casais, sem que haja envolvimento sentimental de nenhuma forma. Para deixar a revelação ainda mais apimentada, eles convidam os antigos amigos - os rapazes são inclusive sócios em uma clínica cardiovascular - para unirem-se a eles em sua experiência. Enquanto Betina sente-se atraída pela ideia, porém, Diego, menos aberto a novidades sexuais, tenta fugir da possibilidade.

Não é justo revelar os desdobramentos propostos pela trama do filme, que, apesar de seguir em alguns momentos a cartilha das comédias dramático/românticas que todo mundo conhece, segue por caminhos imprevistos. O que pode-se dizer a seu respeito sem que se perca a diversão é que tudo acontece de uma maneira que equilibra com precisão um humor que jamais ofende a inteligência ou as suscetibilidades do espectador e um drama leve, apropriado ao tema e ao gênero. Sem estender-se em demasia ou apelar para um excesso de coadjuvantes - quando existem eles são engraçados e úteis para a discussão do tema central - "2 mais 2" é o tipo de filme capaz de agradar a quem procura um programa leve e adulto que não precisa tentar aproximar-se do público com piadas vulgares ou atores histéricos. Uma surpresa das melhores dentro do cinema argentino, sempre tão afeito a obras mais densas.

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GUERRA MUNDIAL Z

Posted by Clenio on 02:53 in
Em uma época em que zumbis viraram mainstream - graças ao sucesso da série de TV "The walking dead" - não é de se admirar que até mesmo Brad Pitt - um dos atores mais confiáveis de Hollywood, incapaz de entrar em um projeto no qual não acredite - tenha aderido à tendência. A boa notícia é que "Guerra Mundial Z", um dos filmes mais caros da história do cinema - ao custo estimado de 400 milhões de dólares - e, segundo consta, com uma história de bastidores das mais complicadas, é um filmaço, capaz de deixar o espectador tenso e grudado na poltrona do início ao fim da projeção. Comandada com surpreendente segurança por Marc Forster - acostumado a produções menos ambiciosas e mais intimistas, como "A última ceia" e "Em busca da Terra do Nunca", mas que teve a experiência de dirigir um filme de James Bond em "007 - Quantum of Solace" - a adaptação bastante livre do livro de Max Brooks (filho de Mel) é capaz de agradar até mesmo àqueles que não são fãs do gênero, graças a um roteiro bem equilibrado, cenas de ação impressionantes e um elenco bem escalado.

O herói do filme - logicamente interpretado pelo sr. Angelina Jolie - é Gerry Lane, agente aposentado da ONU que é chamado às pressas para ajudar a organização quando um vírus desconhecido começa a atacar a população do mundo inteiro. Sem saber as origens ou as características específicas do vírus - que transforma imediatamente os infectados em zumbis ágeis e vorazes - o alto escalão da agência insiste para que Gerry os auxilie em sua busca por maiores informações que possam resultar em uma cura ou vacina para a pandemia. Para manter a família em segurança, ele aceita a missão, que o leva à Coreia do Sul, à Israel e à Moscou - sempre testemunhando sanguinolentas batalhas entre os humanos e os mortos-vivos.

Violento - mas não a ponto de impedir que o público juvenil lote as salas de exibição e garantam sua continuação - e capaz de momentos mais tranquilos - que tentam explicar a situação caótica do mundo em tempos de contaminação - "Guerra Mundial Z" é um filme raro, que sustenta sua ação não apenas em sequências aterrorizantes (e elas realmente o são) mas também em caprichadas cenas dramáticas, que dão o tom de urgência e suspense necessário para seu desenvolvimento. A estrutura do roteiro - que joga Gerry sempre no meio do furacão, lutando por sua vida enquanto tenta encontrar uma saída para a grave crise mundial - segue os livros policiais clássicos, sempre empurrando seu protagonista em direção à verdade através de coadjuvantes bastante interessantes (como o jovem médico que dá a primeira pista a respeito do vírus ou os líderes políticos que podem ou não saber mais do que aparentam). Esses personagens secundários são tão cruciais à trama quanto Gerry, e Forster, como bom diretor de atores, tira o melhor deles, sem deixar de preocupar-se com o que realmente é o ponto forte de seu filme: as impressionantes cenas dos ataques dos zumbis.

Desde a primeira sequência - que começa com um caminhão desgovernado destruindo o que vê pela frente em plena Filadélfia - até o tenso ato final em um laboratório (que deixa qualquer "Resident evil" com vergonha de ter sido feito), "Guerra mundial Z" não poupa os nervos do espectador, praticamente jogando-o dentro da estória - especialmente quando assistido em uma sala com tecnologia IMAX. A fotografia de Ben Seresin e a edição quase histérica são componentes essenciais para que a concepção de Forster atinja seus objetivos: em alguns momentos fica quase impossível saber o que está acontecendo em cena, devido à velocidade da câmera, exatamente como ocorre com as personagens, que só são realmente ter noção da desgraça quando talvez já é tarde demais. E se normalmente os zumbis da ficção são morosos e dormentes, aqui a coisa é bem diferente: basta piscar o olho para perder o ataque dos vilões, que apavoram os habitantes das cidades justamente por sua velocidade estonteante.

Visto na tela grande, "Guerra mundial Z" parece exatamente o que é: um filme extremamente caro e complicado. Cada centavo gasto na produção está visível ao público, em momentos intensos que mostram os ataques zumbis e no cuidado com a direção e a técnica. Diferentemente do que acontece com a maioria dos blockbusters, que gasta centenas de milhões em filmes onde não se percebe os motivos para tal, é um produto caprichado, forte e por que não?, inteligente. Pode não ser seu gênero, mas jamais será uma perda de tempo.

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OS AMANTES PASSAGEIROS

Posted by Clenio on 01:41 in
Depois de aventurar-se pelo lado negro da alma humana no denso "A pele que habito", Pedro Almodovar parece ter voltado às origens transgressoras e debochadas do início de sua carreira com "Os amantes passageiros". Despretensioso e abertamente escrachado, seu novo filme mostra que aquele senso de humor que era a essência de obras como "Labirinto de paixões" e "Pepi, Luci, Bom" continua intacto debaixo do verniz de cineasta sério e consagrado com dois Oscar. Centrado quase que exclusivamente em um único cenário - um avião com uma pane que ameaça a todos os tripulantes e passageiros - o roteiro de Almodovar usa e abusa de diálogos surreais, personagens ensandecidos (por nascimento ou pelo abuso de álcool e drogas) e atores velhos conhecidos do diretor, como Cecilia Roth, Lola Dueñas e Javier Camara - até mesmo Antonio Banderas e Penélope Cruz participam da brincadeira, em uma participação especial nos primeiros minutos de projeção.

Conforme o próprio trailer já deixava antever, "Os amantes passageiros" não se leva a sério - e nem pede à audiência que o faça. A começar pelo trio de protagonistas - comissários de bordo gays vividos por Javier Camara, Raúl Arévalo e Carlos Areces em atuações pra lá de inspiradas - tudo no filme pede que o público deixe do lado de fora da sala de exibição qualquer preconceito e se entregue sem medidas às loucuras do roteiro. Só mesmo assim - com total consciência da real essência do diretor - é que a experiência se torna ainda mais divertida. O Almodovar de "Os amores passageiros" está muito mais para o diretor trash e criativo de "Maus hábitos" e "O que fiz eu para merecer isto?" do que para o bem mais comportado (mas nem por isso menos genial) criador de "Tudo sobre minha mãe" e "Fale com ela". Estão em cena situações bizarras que combinam muito mais com a primeira fase de sua carreira - em que desafiava com humor e ironia o governo franquista - do que com seu momentos mais reflexivos, que lhe tornaram o cineasta espanhol mais respeitado desde Buñuel. É esse Almodovar original que consegue fazer com que o absurdo se torne crível, como nos melhores momentos de sua filmografia.

Livre da pressão de realizar mais um filme para agradar aos festivais de cinema e à crítica intelectualoide que tornou-o hype, Almodovar fez, com "Os amantes passageiros", o que há muito tempo seu público fiel vem desejando: um trabalho anárquico, sem amarras e sem preocupações que não a de fazer rir. Talvez isso decepcione quem espera algo mais impactante, mas sem dúvida agrada a quem sabe quem realmente o realizador é. O humor de seu novo filme brinca com a sexualidade, com a religião, com drogas, com redes sociais e com a família com o mesmo cáustico senso de humor que vinha sendo deixado de lado há bons anos. É iconoclasta, é cafona, é gay ao extremo - que o diga a sequência musical onde os comissários dublam a canção "I'm so excited" (título do filme para o mercado de língua inglesa).  Mas é, também, engraçadíssimo, leve, despretensioso e Almodovar na veia. Não é nem de longe seu melhor trabalho, mas é infinitamente superior a qualquer comédia em cartaz.

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O LUGAR ONDE TUDO TERMINA

Posted by Clenio on 19:40 in

O destino é irônico e cruel, como já demonstraram, sem sombras de dúvida, as tragédias gregas. E é impossível não lembrar de suas reviravoltas quando se assiste à "O lugar onde tudo termina", um filme que mistura elementos do cinema policial e dos dramas clássicos para contar três trágicas histórias que, apesar de separadas pelo tempo, estão intimamente entrelaçadas. Seguindo uma linha tradicional de narrativa, o roteiro, co-escrito por Derek Cianfrance - autor também do sofrido "Namorados para sempre" - ousa somente quando tem a coragem de mudar de foco e personagens justamente quando a plateia já está acostumada com eles. Essa coragem é uma das principais qualidades do filme, mas não a única.

Praticamente um filme que vale por três, "O lugar onde tudo termina" também abre mão do visual elaborado de "Namorados para sempre", preferindo uma fotografia seca e uma edição direta, dando prioridade à trama e às personagens, todas elas no limite da tensão. Quem começa tudo é Luke Glanton (Ryan Gosling), um motoqueiro que é conhecido por seu impecável trabalho em apresentações de extremo perigo em feiras e circos. Quando descobre que é pai do filho pequeno de sua ex-namorada, Romina (Eva Mendes), ele decide mudar de vida e abandona seu perigoso modo de vida. Sua vida honesta, porém, dura pouco, pois ele inicia uma série de roubos a bancos para providenciar ao menino uma vida mais confortável. Em um de seus assaltos, seu caminho se cruza com o do policial Avery Cross (Bradley Cooper), pai de família que acaba sendo obrigado a tomar uma séria decisão durante uma de suas missões. Dezoito anos mais tarde, os filhos de Luke e Avery se tornam colegas de classe e, oriundos de núcleos familiares distintos, descobrem que existe uma ligação entre eles em seu passado.

Quanto menos se sabe a respeito de "O lugar onde tudo termina" melhor. Basta saber que, diferentemente do trailer, o filme não trata apenas da perseguição de Avery a Luke, mas também sobre as consequências das decisões de ambos em relação a situações extremas. Nem sempre o equilíbrio das tramas é perfeito, e é é claramente perceptível que o primeiro terço do filme (estrelado pelo sempre ótimo Ryan Gosling) é superior aos demais, seja pela tensão constante, pelas cenas de ação empolgantes ou pelo desfecho surpreendente. Mas mesmo assim o roteiro consegue prender a atenção do espectador, sempre proporcionando a ele uma tensão palpável e a sensação de perigo constante - um tanto diluídas pela fragilidade dos adolescentes que interpretam os filhos dos protagonistas no ato final.

Com ambições diferentes daquelas de seu filme anterior, Derek Cianfrance construiu uma obra potente e que tem uma história forte para contar. Resta esperar agora sua nova parceria com Ryan Gosling. A dupla sabe o que faz.

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SEGREDOS DE SANGUE

Posted by Clenio on 22:39 in
Era questão de tempo que, depois do impacto de seus filmes no Ocidente, o cineasta coreano Chan-wook Park fizesse sua estreia em Hollywood. Dono de um estilo apurado, o autor de obras impressionantes como "Oldboy" (2003) e "Lady Vingança" (2005) chegou ao cinema americano cercado de altas expectativas. A boa notícia é que em "Segredos de sangue" ele manteve sua criatividade visual intocada. A má é que essa criatividade não consegue esconder a fragilidade do roteiro, que peca principalmente em não permitir ao espectador o mínimo de empatia com sua protagonista, uma jovem de 18 anos que sofre com a morte do pai e acaba sentindo-se estranhamente atraída por um tio cuja existência ela desconhecia - e que pode não ser exatamente um exemplo de ser humano.

Vivida com apatia e a habitual falta de entusiasmo por Mia Wasikowska - uma das jovens atrizes mais superestimadas da atualidade - a jovem India tem sérios problemas sociais: não se dá bem com os colegas de escola, tem uma maneira própria de ver o mundo e não tem uma relação muito carinhosa com a mãe, Evelyn  (Nicole Kidman). Quando seu pai (Dermot Mulroney) morre, em um trágico acidente de carro, ela estranha o retorno de seu tio Charlie (Matthew Goode), que ela não conhecia e que parece ter um relacionamento muito estranho com sua mãe. Conforme o tempo vai passando, porém, ela começa a desconfiar que o rapaz está envolvido na morte de algumas pessoas a seu redor, mas, ao invés de afastar-se dele, a adolescente percebe que está atraída por ele.

Não é preciso ser especialista em psicanálise para perceber que a trama de "Segredos de sangue" se presta a inúmeras leituras e tinha tudo para ser fascinante e envolvente. Porém, o roteiro do ator Wentworth Miller - um dos protagonistas da série "Prision break" - parece ter medo de ir muito longe no que se propõe, preferindo deixar pontas soltas pelo caminho, mesmo que isso deixe suas personagens superficiais e incoerentes. Por mais que Park tente imprimir um visual empolgante em seu filme - e consegue em inúmeros momentos, com uma edição caprichada e uma fotografia bem cuidada - a falta de consistência de seu roteiro acaba contagiando até mesmo seu elenco. Matthew Goode exercita seu lado canastrão sem controle e Nicole Kidman é relegada a um melancólico segundo plano, enquanto Wasikowska usa e abusa de caras e bocas tentando mostrar profundidade em uma personagem irritante e cujo final chega a ser risível.

Não foi dessa vez que Chan-wook Park encontrou o material certo para seu talento. Quem sabe com um roteiro menos metido a intelectualiades ocas ele fosse mais feliz. Do jeito que está, "Segredos de sangue" é um Supercine de luxo que mira na psicologia e acerta somente na estética.

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ANTES DA MEIA-NOITE

Posted by Clenio on 20:25 in
"Ouça-me bem, amor, preste atenção: o mundo é um moinho. Vai triturar seus sonhos, tão mesquinho, vai reduzir as ilusões a pó..." Certamente o cineasta Richard Linklater não conhece Cartola e uma de suas mais famosas composições, mas de certa forma os versos de "O mundo é um moinho" se encaixam com quase perfeição em "Antes da meia-noite", capítulo final de uma trilogia iniciada em 1995 com "Antes do amanhecer" e que prosseguiu em 2004 com "Antes do pôr-do-sol". Substituindo as altas doses de romantismo dos primeiros filmes por um tom mais amargo - e portanto mais realista - Linklater consegue uma proeza cada vez mais rara no cinema americano: contar uma história de amor que não soa artificial ou banal.



Despojado de qualquer artifício do cinema tradicional romântico americano, “Antes da meia-noite” se beneficia de sua simplicidade técnica, concentrando-se, mais uma vez, nos diálogos inteligentes escritos por Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy – que fizeram o mesmo com “Antes do pôr-do-sol” e foram indicados ao Oscar por isso. Calcado basicamente nas longas conversas entre as personagens – e dessa vez até mesmo em uma discussão dolorida e quase cruel – o filme novamente convida o espectador a uma sessão de voyeurismo, em que ele assume o papel de testemunha de uma fase crítica na vida do casal – que se conheceu em uma viagem de trem e só reencontrou-se quase uma década mais tarde, ainda apaixonados. Se nos dois primeiros capítulos o amor era o principal ingrediente da receita, no encerramento da trilogia (ao menos até que um novo projeto surja no horizonte) existe um vasto espaço para o ressentimento e o desânimo.

Pais de duas lindas meninas gêmeas e morando em Paris, Jesse e Celine estão passando seus últimos dias de férias em uma ilha grega, a convite de um veterano escritor e sua família. Depois do retorno do filho mais velho de Jesse à casa da mãe – que mora em Chicago e mantém uma relação hostil com o ex-marido – os problemas começam a aparecer: enquanto Celine está em vias de aceitar um emprego que pode lhe recolocar satisfatoriamente no mercado de trabalho, o rapaz pensa na possibilidade de reaproximar-se do filho, que ele julga precisar de sua atenção. Logicamente, essa diferença de objetivos passa a atormentar ao casal, que aproveita a noite em um quarto de hotel oferecido de presente por amigos para por a relação em pratos limpos e despejar, um no outro, suas inseguranças, frustrações e anseios (sentimentais e sexuais).

Sem medo de estender-se em longos diálogos – inteligentes e interessantes – Linklater mais uma vez não interfere no desenrolar de seu filme. Sua câmera é discreta e quase invisível, deixando que todo o fascínio de sua obra fique a cargo de seu casal de protagonistas, cada vez mais afiado – e com direito até mesmo a uma cena de nudez, mesmo que esteja longe de buscar o erotismo. Mantendo-se fiel à marca registrada da trilogia – a simplicidade visual mascarando a profundidade dramática – “Antes da meia-noite” só irá decepcionar àqueles que esperam que Jesse e Celine tenham parado no tempo, sem os problemas que costumam acometer todos os casais de verdade. É realista, é verdadeiro e é, apesar de tudo, extremamente romântico. Um belo desfecho para a trilogia.

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