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OSCAR 2013 - APOSTAS E TORCIDAS

Posted by Clenio on 21:46 in


É amanhã. A partir das 22h (horário de Brasília) as atenções de todos os cinéfilos do mundo estarão voltadas para Los Angeles, onde acontece a entrega do Oscar. Como acontece todo ano, provavelmente na segunda-feira vai estar todo mundo esbravejando contra alguma injustiça e aplaudindo alguma surpresa boa - coisas que acontecem sempre. O bom da festa desse ano é que, apesar de algumas cartas marcadas, a indefinição ainda é muito grande em várias categorias. Como todo bom fã de cinema que sou resolvi abrir meus palpites e torcida nas categorias principais. Só pra constar, mesmo...

MELHOR FILME - É impressionante como a Academia conseguiu. Tendo nove chances de indicar filmes bons não foi capaz de arrumar nem meia dúzia que realmente valham a pena e sejam mais do que produtos com mais hype do que qualidade. É o caso do intolerável "Indomável sonhadora" - que virou mania depois do Sundance, mas é uma chatice inominável e maniqueísta - e do tenebroso "Os miseráveis", que só confirma que Tom Hooper é um dos diretores mais medíocres a ganhar um Oscar por décadas (ele levou a estatueta pelo tedioso "O discurso do rei"). Entre os indicados também estão o apenas bonitinho "O lado bom da vida" - cuja chuva de indicações diz mais sobre o poder dos irmãos Weinstein ex-Miramax do que sobre seus méritos artísticos - o poético "As aventuras de Pi", de Ang Lee e "A hora mais escura", polêmico trabalho de Kathryn Bigelow. O austríaco "Amor" encontrou merecido lugar entre os finalistas, mas não deve ganhar, infelizmente, por ter mais chances na categoria de filme estrangeiro. "Django livre" é Tarantino em sua pura essência, pro bem e pro mal - mas merece a estatueta bem mais do que "Lincoln", tratado como obra-prima, mas que não passa de uma boa propaganda de seu protagonista: Spielberg criou um filme lindamente fotografado, mas chato do início ao fim. Tudo leva a crer que a disputa será entre esse petardo político e sonolento e o empolgante "Argo" - que só não tem ainda mais chances de vencer porque inexplicavelmente deixaram Ben Affleck de fora da competição por melhor diretor (e incluiram David O. Russell, de "O lado bom da vida", vai entender). Aposto e torço por "Argo", no mínimo porque seria lindo mostrar a Spielberg que, por melhor cineasta que ele seja, filmes chatos são filmes chatos sempre.

MELHOR DIRETOR - Já que Ben Affleck não está no páreo, tudo indica que Steven Spielberg irá papar seu terceiro troféu (depois de "A lista de Schindler" e "O resgate do soldado Ryan", prêmios muito justos, diga-se de passagem). Ang Lee disputa por "As aventuras de Pi" e seria um prêmio simpático. Que o universo nos poupe de ver David O. Russell e Benh Zeitilin subindo aos palcos. Minha torcida é para Michael Haneke - porque ele é, de longe, o melhor diretor dos cinco indicados.

MELHOR ATOR - Daniel Day-Lewis é aposta certa por seu trabalho no papel-título de "Lincoln". O único trabalho masculino realmente capaz de lhe tirar o prêmio (por merecimento e não por outros motivos menos nobres) é de Joaquin Phoenix, em "O mestre", mas acho pouco provável que a Academia vá deixar de prestar a terceira homenagem a Day-Lewis - que se tornará, então, recordista na categoria principal. Bradley Cooper, Hugh Jackman e Denzel Washington são coadjuvantes de luxo. Não gosto muito de Phoenix, mas tirar o Oscar de um filme tão enfadonho quanto "Lincoln" me deixaria bem feliz.

MELHOR ATRIZ - Até há pouco tempo muita gente apostava em Jessica Chastain, por sua atuação em "A hora mais escura", que lhe deu até um Golden Globe. As forças do filme de Kathryn Bigelow foram esmaecendo com o passar dos meses e hoje a chatinha Jennifer Lawrence tem maiores chances de sair vitoriosa por seu trabalho bom mas não genial em "O lado bom da vida", mais um exemplar da força da máquina dos irmãos Weinstein em Hollywood. É injusto Lawrence ganhar sem que Bradley Cooper também saia vencedor, pois o filme é um trabalho de dupla, mas se Reese Witherspoon ganhou por "Johnny & June" sem que Joaquin Phoenix tenha saído vencedor, as possibilidades de Lawrence por as mãos na estatueta são grandes. Atriz superestimada, Lawrence corre o risco de ver sua carreira sofrer com um prêmio tão importante tão cedo, mas isso não é problema nosso. Adoro Naomi Watts em "O impossível" - um dos mais injustiçados desse ano - e tenho asco de Quvenzhané Wallis, a menininha cuja atuação foi forjada na edição de "Indomável sonhadora". Sonho dourado: Emmanuelle Riva com o Oscar nas mãos.

ATOR COADJUVANTE - Páreo duro. Todos os concorrentes já tem estatuetas anteriores e é difícil saber o que se passa nessa categoria. Christoph Waltz abocanhou o Golden Globe, mas Tommy Lee Jones foi escolhido pelo Screen Actors Guild. Alan Arkin não fez nada de tão espetacular em "Argo". Robert De Niro merece um gás na carreira e o papel em "O lado bom da vida" parece, no mínimo, uma boa desculpa para seu merecido ressurgimento. Mas torço por Philip Seymour Hoffman e sua assombrosa atuação em "O mestre". A aposta, porém, fica com Tommy Lee Jones e sua eterna cara de quem comeu e não gostou.

ATRIZ COADJUVANTE - Anne Hathaway fez um arrastão e levou todos os prêmios do ano e promete ser barbada também amanhã por seu desempenho no chatonildo "Os miseráveis". Ela merece, mais por ser a dona da única cena realmente honesta do filme do que por outras razões. Ana Maria Bahiana, crítica respeitadíssima, diz que ouviu rumores de que Sally Field pode surpreender por seu trabalho banhado no melodrama em "Lincoln" - tomara que sejam apenas rumores, porque Field exagera muito na sua interpretação. Helen Hunt é tão protagonista de "As sessões" quanto John Hawkes e Amy Adams ("O mestre") e Jacki Weaver ("O lado bom da vida") estão indicadas por cota. Torço e aposto em Anne Hathaway.

ROTEIRO ORIGINAL - Quentin Tarantino já foi eleito pelo Golden Globe por "Django livre", mas perdeu o prêmio do Sindicato para "A hora mais escura". A disputa vai ficar entre esses dois, com "Amor" correndo por fora. "O voo" e "Moonrise kingdom" tem pouquíssimas chances. Minha torcida e aposta vão para "Django", que deve ficar apenas com essa estatueta.

ROTEIRO ADAPTADO - "Argo". Sem mais. É, de longe, o melhor dos cinco e tem ganho prêmios a granel. Mais uma forma de compensar o esquecimento de Ben Affleck na categoria de diretor.

FILME ESTRANGEIRO - Às vezes acontece de um filme estrangeiro levar várias indicações e na hora H, perder o prêmio principal por questões estranhas. Aconteceu com "O labirinto do fauno" e "O fabuloso destino de Amelie Poulain", recentemente. Mas minha torcida e minha aposta ainda estão do lado de "Amor", de Michael Haneke. Merece todo o auê que despertou.

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INDOMÁVEL SONHADORA

Posted by Clenio on 15:03 in
Alucinação coletiva. Só isso explica a extrema generosidade e a paixão descabida de boa parte da crítica, do público e até da Academia de Hollywood - que lhe rendeu uma homenagem estapafúrdia com quatro importantíssimas indicações ao Oscar - por "Indomável sonhadora", do estreante Benh Zeitlin, diretor de curtas fazendo sua primeira incursão no mundo dos longa-metragens. Apenas um engajamento social de fachada e uma vontade absurda de soar moderno e antenado com "as diferentes formas de se fazer cinema" justificam que os elogios à essa adaptação de uma peça de teatro sejam tantos. Chato, desinteressante, visualmente raso e perigosamente condescendente, o filme é, porém, um prato cheio para todos aqueles que veem o mundo de forma maniqueísta e obtusa. Sim, caros leitores, aqui o capitalismo cruel e malévolo é o vilão, contra a pobreza e o idealismo íntegro e poético.

Para se ter ideia do drama, basta dizer que a protagonista, Hushpuppy (Quvenzhané Wallis) é uma menina de seis anos de idade, órfã de mãe, que vive com seu pai em uma espécie de comunidade isolada da cidade grande graças a uma represa que as divide. Vivendo no meio da miséria, ela sofre com uma criação bastante rude de seu progenitor, que alega a estar preparando para a vida adulta. Enquanto vive sua rotina, a garotinha filosofa (em off, de forma que muitos acham lindo, mas que na verdade soa bastante patético) sobre a vida, sobre a família e sobre tudo que vê pela frente. Convivendo com os animais à sua volta, ela também faz parte de um grupo de pessoas que vê em sua localidade uma espécie de paraíso intocado, a despeito de suas condições insalubres de vida e sua pobreza generalizada. Vendo poesia onde não tem - o lugar, conhecido como Banheira, é praticamente uma favela piorada - o pessoal da comunidade sofre um abalo quando uma tempestade altera seu dia-a-dia. É quando os bandidos da história - gente que vem tirá-los dali com o objetivo de ajudá-los e dar-lhes melhores condições - entram em cena e Hushpuppy trava conhecimento com uma espécie de animal pré-historico liberado pela tormenta.

Sim, é isso mesmo que você leu. Não bastasse a duvidosa teoria de que qualquer grupo de maior nível social não passa de colonizador e de que a pobreza tem sua poesia e suas vantagens, "Indomável sonhadora" ainda consegue piorar seu discurso incluindo no roteiro uma pretensa poesia fabular sem sentido e absolutamente desconexa. Se já não era o suficiente até então a babaquice dos monólogos internos de sua protagonista, o roteiro surge com metáforas batidas que servem apenas para enganar os espectadores que consideram emocionante qualquer baboseira que envolve crianças sofredoras. As bestas do título original não assustam nem encantam, são simplesmente artifícios sem o menor fundamento. E nem é preciso dizer que, seguindo a cartilha do "vamos fazer essa galera chorar" o roteiro ainda inclui cenas pretensamente emocionantes que envolvem doenças fatais e confrontos dramáticos que não dizem a que vieram.

E, podem me crucificar, boa parte dessa falha em emocionar nas cenas dramáticas é responsabilidade daquela que vem sendo louvada como a maior qualidade do filme. Aos nove anos de idade, Quvenzhané Wallis é a mais jovem indicada ao Oscar de melhor atriz da história, mas é surpreendente como até mesmo os mais experientes especialistas em cinema não conseguem perceber que sua atuação foi totalmente forjada nas salas de edição. É perceptível que a garotinha não é capaz de manter um arco coerente de interpretação, e que provavelmente nem tinha noção do que estava fazendo à época das filmagens (quando tinha apenas cinco anos). Tudo bem que não se pode pedir maturidade artística a alguém com tão pouco tempo de vida, mas chega a ser ultrajante colocá-la a disputar um Oscar com uma atriz do porte de Emmanuelle Riva, uma artista com total domínio de sua técnica e emoção. A indicação de Wallis é mais um gesto injusto de diplomacia dos membros da Academia junto às produções independentes do que reconhecimento real de um desempenho. E qualquer espectador de posse de suas faculdades mentais nota que a jovem estrela de "Indomável sonhadora" está sendo badalada por coisa nenhuma.

Resumo da ópera: "Indomável sonhadora" provavelmente vai agradar àqueles que se deixam encantar por produções com o rótulo "filmes edificantes". Aqueles que são imunes a farsas engendradas pelas máquinas da mídia alternativa, porém, sairão da sessão com o sentimento de tempo perdido. Escolha um lado.

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OFFER

Posted by Clenio on 22:02 in ,

Será que existe uma razão para que soframos feito cães quando nos apaixonamos e não somos correspondidos? Será que nossas lágrimas de sangue servem para alguma coisa além de mutilar nossa autoestima? Será que darmos murro em ponta de faca e cabeçadas erráticas tem alguma função no grande plano do universo? Será que, como cantava Paula Toller, existe alguém ou algum motivo importante que justifique a vida ou pelo menos alguns instantes de dor?

Hoje, passados seis meses desde uma noite da metade de agosto de 2012, eu posso dizer que sim. Sim, existe uma razão para nossos sofrimentos amorosos. Talvez não consigamos enxergar claramente o fundo do mar quando as águas estão agitadas, mas ele está lá. Talvez não consigamos ver o dia quando ainda é noite escura. Talvez não sejamos capazes de sequer imaginar o final do temporal, mas um arco-íris certamente está à espera para ser visto. E cada vez mais tenho a certeza de que noites insones, dores lancinantes no coração e na alma, desespero absoluto e descrença total na felicidade são apenas estágios para que alcancemos algo maior e melhor. Tudo isso são os degraus que levam ao lugar onde merecemos estar: ao lado de quem nos ama e a quem amamos.

Como uma novela de televisão em que os herois e heroínas comem o pão que o diabo amassou até que tenham seu esperado final feliz, como um filme romântico onde todos os conflitos são resolvidos de maneira a dar ao público e às personagens um beijo apaixonado no pôr-do-sol, como uma música de Elton John, o amor chega. Pode soar autoajuda, pode parecer discurso feito, pode ser até brega. Mas o amor existe e tem seu tempo certo. Será que a pessoa a quem amamos agora teria o mesmo impacto em outra época, se tivesse aparecido em circunstâncias negras? Talvez sim, talvez não. Mas é certo que, naquele momento você estaria cego a quaisquer possibilidades que fugissem do responsável por sua dor.

Sendo assim, posso dizer que estou hoje muito feliz. Porque há seis meses encontrei quem me faz bem. Quem me levanta, me apoia, me faz sorrir mesmo em momentos duros. Achei quem é quase um reflexo perfeito de mim mesmo (inclusive com os mesmos defeitos, que em mim incomodam e nele me encantam). Pus as mãos (e jamais tirarei) em alguém que não hesita em me proporcionar a sensação de carinho, de proteção, de tesão, de companheirismo, de amor verdadeiro. Alguém que vai me dar uma família. Que vai sempre me dar seu amor incondicional (disso eu tenho a mais absoluta certeza).

Esse post é  minha oferta pra você, que está firme e forte na minha vida há meio ano - que passou voando, diga-se de passagem. Tenha certeza de que, como canta Vanessa da Mata, "e hoje nos lembramos sem nenhuma tristeza dos foras que a vida nos deu. Ela com certeza estava juntando você e eu...."

E de bônus, ofereço um clipe de Alanis. Para unir dois grandes amores em um só.

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O MESTRE

Posted by Clenio on 16:55 in
O cinema de Paul Thomas Anderson não é para qualquer um. A forma bastante peculiar com que o cineasta trata de personagens complexas/problemáticas não é exatamente o que os fãs de produções mainstrean procuram quando se dispõem a frequentar salas de exibição. Posto isso, é bom que o espectador saiba exatamente o que esperar quando for assistir a "O mestre", novo trabalho do cineasta que desde seu segundo longa, "Boogie nights", se tornou uma espécie de queridinho da crítica mas nunca chegou a emplacar um enorme sucesso de bilheteria justamente por não se render a concessões comerciais. Erroneamente descrito por gente mal-informada como uma crítica à Cientologia - culto bastante popular nos EUA e especialmente em Hollywood, onde tem seguidores fervorosos como Tom Cruise e John Travolta - a trama criada por Anderson vai mais fundo do que simplesmente expor as entranhas de qualquer culto ou religião, dando ênfase muito mais à alma de seu protagonista, torturado por questões pessoais mal resolvidas e um insegurança cruel em relação a como tratar de sua própria vida.

Vivido por um sensacional Joaquin Phoenix na única atuação masculina do ano capaz de tirar o Oscar das mãos de Daniel Day-Lewis, o veterano da Marinha americana Freddie Quell é uma das mais fortes personagens criadas por Paul Thomas Anderson - e isso que estamos falando do homem por trás de crias antológicas como Dirk Diggler e Jack Horner, de "Boogie nights", Frank McKey, de "Magnólia" e Daniel Plainview, de "Sangue negro" (este último criado pelo romancista Upton Sinclair mas adequado perfeitamente à obra do cineasta). Sofrendo de um alcoolismo crônico oriundo de seu stress pós-guerra e incapaz de manter-se em qualquer emprego - além de ter sérios problemas de relacionamento com as pessoas que o rodeiam - ele acaba, em uma de suas crises, invadindo o iate de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), criador e líder de um culto chamado A Causa. Percebendo em Freddie uma alma presa a questões traumáticas de seu passado, Dodd também vê no jovem um grande potencial e o aceita junto a seu grupo e sua família. O comportamento errático e violento de Freddie, porém, vai entrar em rota de colisão com as regras e ensinamentos de Dodd, que se vê pressionado a tomar uma séria decisão entre manter ou não o rapaz junto dele.

"O mestre" é o típico filme que é muito melhor quando assistido do que quando resumido em palavras. Apesar da história ser interessante por si só, são as imagens cuidadosamente planejadas de Paul Thomas Anderson e a atuação de seus magníficos atores que dão a ele seu status de grande obra. Mesmo que o ritmo por vezes seja claudicante - e exija um nível de paciência extra de seus espectadores - a narrativa de Anderson é instigante o suficiente para prender a atenção, em especial porque, assim como em seus trabalhos anteriores, o roteiro nunca escorrega para o previsível, tanto em termos visuais quanto em níveis de história. Como poucos cineastas de seu tempo, Paul Thomas Anderson tem o dom de mexer em feridas adormecidas de suas personagens, que sofrem para atingir uma redenção que nem sempre existe, e o faz com maestria admirável. Em "O mestre", enquanto questiona a possibilidade das pessoas em ser donas da própria vida (sem depender de muletas de quaisquer tipos, incluindo aí e principalmente a religião) ele brinda o público com interpretações esplêndidas de seu elenco - outra característica marcante de sua filmografia.

É simplesmente hipnotizante, por exemplo, a cena em que Lancaster Dodd tem seu primeiro embate psicológico com Freddie Quell, com uma espécie de interrogatório que leva a uma catarse emocional empolgante: só por essa cena Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman já poderiam sair da cerimônia do próximo domingo com suas estatuetas douradas debaixo do braço. O mesmo pode ser dito da sequência em que os métodos e o culto de Dodd são questionados pelo convidado de uma festa - cena que tem consequências aterradoras que certamente justificam a má-vontade com que os cientologistas receberam o filme nos EUA. É essencial dizer, no entanto, que "O mestre" não é um filme sobre a cientologia e nem tampouco critica qualquer espécie de grupo religioso. O filme - que poderia tranquilamente figurar entre os finalistas ao Oscar principal - é mais um impactante estudo psicológico de Paul Thomas Anderson, caminhando para se tornar um dos maiores cineastas americanos em atividade.

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NOVOS FILHOTES DE "O REENCONTRO"

Posted by Clenio on 20:42 in
Em 1983, Lawrence Kasdan lançou "O reencontro", que unia um time de respeito - Glenn Close, Kevin Kline, Jeff Goldblum, Tom Berenger e William Hurt, entre outros - para fazer um inventário dramático de uma geração que, pós-sonhos loucos dos anos 60, se via preso em uma redoma de comodismo e frustração. De lá pra cá cineastas de todos os calibres beberam na fonte de Kasdan, com resultados bem diferentes entre si. O que é mais interessante, porém, é como a mesma espinha dorsal pode servir dramaticamente a filmes com enfoques bastante diversos, dependendo de sua nacionalidade e das referências culturais de seus criadores. O italiano "Saturno em oposição", o francês "Até a eternidade" e o americano "10 anos" comprovam essa tese. Realizados por diretores de backgrounds opostos, eles renovam o estilo com obras que vão do ambicioso ao despretensioso. A boa notícia? Todos funcionam muito bem dentro de suas propostas.


SATURNO EM OPOSIÇÃO - A bem da verdade o filme do turco radicado italiano Ferzan Ozpetek nem é sobre reencontro, uma vez que as personagens nunca chegaram a se afastar no sentido mais literal do termo. O diretor de "Um amor quase perfeito" e "O primeiro que disse" mais uma vez exercita sua simpatia pelo universo glbt ao analisar as reações de um grupo de amigos de profissões e estilos de vida diferentes que se veem forçados a lidar com a inesperada doença de um deles, um jovem gay que sofre um AVC durante um jantar comemorativo. A partir daí, adultérios, ressentimentos e até mesmo o amor que sentem uns pelos outros acabam os unindo. Construindo algumas cenas de grande apelo visual e colocando-as lado a lado com um roteiro emocional, Ozpetek conquista aos poucos e dá a seu elenco (formado por atores que já trabalharam com ele em outras ocasiões, como a dupla Margherita Buy e Stefano Accorsi) possibilidades enormes de boas atuações.


ATÉ A ETERNIDADE - O representante francês do gênero pega mais pesado na emoção e no drama, talvez reflexo do momento catártico pelo qual passava seu roteirista e diretor na ocasião de sua criação. Guillaume Caunet (ator de filmes como "A praia" e "Apenas uma noite" e marido da atriz Marion Cottilard) forjou um filme onde pequenas mentiras acabam se tornando grandes problemas quando um grupo de amigos se reúne na casa de praia de um deles - como fazem em todo verão - mesmo sabendo que um deles (vivido pelo vencedor do Oscar Jean Dujardin em participação especial) está internado em um hospital, vítima de um acidente de moto. Nesse verão, veem à tona amores reprimidos, rancores escondidos e até pesadas discussões e agressões. No elenco que inclui a bela Cottilard e o ótimo François Cluzet, o diretor acerta em não privilegiar nenhuma história em especial, equilibrando sua narrativa com bastante eficácia até seu final devastador.


10 ANOS - O caçula do grupo é também o menos propenso a ficar na memória do espectador. Seguindo uma linha sessão da tarde para maiores, o filme de Jamie Linden - roteirista de "Querido John" fazendo sua estreia como diretor - aposta num registro mais leve e engraçado do tema, mesmo que dê algumas pinceladas de melancolia e sensibilidade. Levando-se em consideração que seu elenco é no mínimo uma década mais jovem do que os atores dos filmes italiano e francês, não se pode exigir muito, em especial porque o filme serve também para firmar Channing Tatum em Hollywood (ele é um dos produtores e contracena com sua mulher na vida real, a sem sal Jenna Dewan-Tatum). O rapaz - que vem se destacando em produtos como "Magic Mike" e "Anjos da lei" - é apenas um dos integrantes de um grupo de colegas de ensino médio que se reunem em uma festa de dez anos de formatura para descobrir que não amadureceram tanto quanto gostariam. Ele fica abalado ao reencontrar a ex-namorada (Rosario Dawson), o astro pop Reeves (vivido por Oscar Isaacs, de "W/E" e que tem a cena mais encantadora do filme) tenta conquistar a mulher por quem era apaixonado na época (Kate Mara) e para quem criou sua mais famosa música, o ex-babaca da turma (Chris Pratt) se revela ainda um idiota de marca maior depois que bebe, e dois amigos (Justin Long e Max Minghella) disputam as atenções da gostosona do grupo (Lynn Collins). O roteiro não é criativo e nem tenta ser. É apenas um entretenimento divertido e esquecível que cumpre o que promete e com certeza não atrapalhará a trajetória de Tatum ao estrelato.

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AS SESSÕES

Posted by Clenio on 20:28 in
Uma verdade quase absoluta entre a indústria hollywoodiana é que o papel de uma pessoa com qualquer tipo de deficiência física ou mental já é meio caminho andado para os tapetes vermelhos que levam a prêmios cobiçados como Golden Globe e Oscar. Por isso não deixou de ser uma surpresa quando John Hawkes ficou de fora da lista de indicados à estatueta dourada este ano, por seu trabalho em "As sessões". Produção independente dirigida por Ben Lewin - cujo currículo inclui vários episódios de séries de TV e o denso "Georgia", de 1995, que deu a Mare Winningham uma indicação ao Oscar de coadjuvante - e baseado em fatos reais, o filme agradou em cheio ao público do Festival de Sundance e recebeu inúmeras loas por sua qualidade, mas somente o trabalho de Helen Hunt foi lembrado pelos eleitores da Academia. Tentando uma volta aos holofotes quinze anos depois de seu Oscar de melhor atriz por "Melhor é impossível", Hunt tem, porém, poucas chances de vitória contra a favorita Anne Hathway.

Hawkes - que concorreu ao Golden Globe e ao Screen Actors Guild por seu desempenho impecável - vive Mark O'Brien, um homem de 38 anos condenado à uma paralisia quase total que lhe impede de mexer quaisquer partes do corpo abaixo do pescoço, devido a uma poliomielite adquirida na infância. Virgem, ele não deixa de ter intensos desejos lúbricos, o que o leva a constantes conversas com o padre de sua paróquia (atuação hilariante de William H. Macy). Sua condição sexual acaba chamando a atenção de sua enfermeira que, com a ajuda de conhecidos, lhe recomenda a contratação dos serviços de Cheryl Cohen-Greene (Helen Hunt), uma terapeuta sexual. Casada e mãe, Cheryl leva sua profissão a sério e tentará, em seis sessões, fazer com que O'Brien descubra os prazeres de uma vida sexual ativa a despeito de suas limitações. Encantado por ela, o homem acaba se apaixonando, mesmo sabendo que suas chances com ela são nulas.

Apesar do tema pesado e das inúmeras possibilidades de esbarrar em clichês melodramáticos, "As sessões" se beneficia muito da leveza com que o cineasta/roteirista lhe envolve. Ao contrário do que poderia ocorrer, a doença do protagonista nunca descamba para o lacrimoso ou o exagerado, ficando sempre no limiar do melancólico com o tragicômico. A atuação de John Hawkes - que concorreu ao Oscar de coadjuvante há dois anos por "Inverno da alma" - é sutil e não força a compaixão do espectador, principalmente porque não tem jamais pena de si mesmo. Seus diálogos com o pároco interpretado por William H. Macy são ao mesmo tempo ternos e engraçados, possibilitando ao espectador um saudável distanciamento do drama do protagonista, enquanto todas as cenas em que Hawkes e Helen Hunt estão juntos aumentam o interesse pelo desenrolar da trama. É admirável a maneira com que Lewin não explora com vulgaridade as cenas de sexo entre os dois, mesmo que Hunt não tenha o menor pudor em mostrar seu corpo. O sexo como visto aqui não é uma manifestação erótica e sim uma forma de inclusão social e sentimental, e a maneira como tudo é filmado (sem artifícios sensuais ou uma edição que transmita outra ideia) é extremamente acertada. Por outro lado, a opção do diretor em fugir do sentimentalismo ou do voyeurismo barato afasta de forma considerável a empatia do público com seus personagens.

Por não ser um "deficiente engraçadinho" como muitos dos filmes semelhantes que volta e meia são louvados pela Academia, o Mark O'Brien de John Hawkes não conquista a plateia com cenas exageradas ou por discursos inflamados. Seu olhar - ora lúbrico ora apaixonado - diz o suficiente sobre seus pensamentos e sua relação com o mundo é neutra o bastante para não potencializar o dramalhão que sua história já é. Essa quase neutralidade imposta por Ben Lewin é louvável em parte, mas acaba tirando do público a chance de se envolver mais, se emocionar mais, de torcer mais. Essa falta de empatia emocional talvez tenha sido o algoz das possibilidades do ator em sua busca pelo Oscar, mas, se isso serve de consolo, o coloca alguns patamares acima, por exemplo, do overacting de Sean Penn em "Uma lição de amor" - sintomaticamente indicado à estatueta em 2002.

"As sessões" é um belo filme, competente e interessante. Mas, em suas tentativas desesperadas de fugir do melodrama, acaba por impedir a audiência de uma conexão mais ampla. Salva-se a história inspiradora e as atuações esplêndidas de seu elenco.

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A HORA MAIS ESCURA

Posted by Clenio on 00:38 in
Em 2009 a cineasta Kathryn Bigelow tornou-se a primeira mulher a ganhar um Oscar de direção por "Guerra ao terror", que lançava um olhar particular sobre a guerra do Iraque e os soldados americanos. Em seu novo filme, "A hora mais escura", a ex-mulher de James Cameron volta a falar sobre o conflito no Oriente Médio, mas dessa vez com um enfoque muito mais ambicioso: ao retratar a caçada que levou à morte de Osama Bin Laden, ela deixa de lado o intimista para se dedicar a um panorama maior e, portanto, mais sujeito a equívocos. Para sorte do público - e da crítica - ela deu um passo à frente em sua carreira. Indicado ao Oscar de Melhor Filme - mas não de melhor direção - seu novo trabalho é tecnicamente empolgante e, apesar de seu roteiro um tanto complexo para quem não é entendido nos conflitos descritos, lindamente executado.

Longe de ser o petardo patriota que poderia ser ao tratar de um tema como esse, "A hora mais escura" ganha pontos por deixar de lado a condescendência típica dos produtos ufanistas que tanto infestam o gênero. No roteiro do jornalista Mark Boal os americanos não são os inocentes heroicos que povoam os filmes de ação de Michael Bay tampouco os vilões sem alma retratados em filmografias antiimperialistas. Logo de cara o público é jogado em uma cena de tortura - método que será utilizado inúmeras vezes durante a projeção - para que a agente da CIA Maya (vivida por uma sempre competente Jessica Chastain) e seus colegas descubram informações a respeito do paradeiro do maior algoz terrorista já caçado pelos EUA. A partir daí a caçada é mostrada em detalhes, descrevendo Maya como uma obcecada e dedicada funcionária do governo que não desiste de jeito nenhum de seus objetivos, nem que isso tenha que colocá-la em rota de colisão com alguns superiores. E é ela quem liderará a busca por Bin Laden até o fatídico dia 06 de maio de 2011, quase dez anos depois da explosão das Torres Gêmeas.

Ao tentar dar a seu filme um aspecto de documentário - cortes abruptos, ângulos secos e uma edição linear - Bigelow se distancia do thriller político e dá uma cara nova a uma história que, apesar de ter estampado as manchetes de jornais do mundo inteiro, ainda não havia sido contada de maneira definitiva. Fotografado com extrema competência, "A hora mais escura" peca, no entanto, em não apresentar um ritmo mais ágil, o que acaba cansando a audiência antes de seu extraordinário clímax, que descreve detalhadamente o cerco ao terrorista e seu assassinato. Realizada com luz natural e câmera na mão, a sequência dura 25 minutos que valem o filme inteiro, deixando o público inserido de tal maneira na ação que é difícil não se deixar conquistar inteiramente.

Amplamente elogiado e premiado, "A hora mais escura" é a prova da inteligência e do talento de sua realizadora, uma cineasta engajada e politicamente ativa que sabe como poucas equilibrar técnica com arte - e a atuação de Jessica Chastain comprova a teoria. Não é um filme excepcional como vem sendo festejado, mas é relevante e potente. Bom programa para quem gosta de cinema sério.

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O VOO

Posted by Clenio on 18:27 in
Levando-se em consideração que a filmografia de Robert Zemeckis inclui a trilogia "De volta para o futuro", o revolucionário "Uma cilada para Roger Rabbit" e o megapremiado "Forrest Gump" - e que desde "Náufrago", de um distante ano 2000 ele não brindava seu público com filmes em live-action - não deixa de ser surpreendente ver seu nome assinando "O voo", uma produção simples, honesta e humana e que, excetuando-se uma tensa sequência que mostra um acidente aéreo, prescinde de efeitos visuais e artifícios estilísticos. Depois de uma sucessão de trabalhos cujo visual importava mais do que o conteúdo, o mais bem-sucedido discípulo de Steven Spielberg marca sua volta de maneira discreta mas bastante eficiente. Com uma renda de mais de 90 milhões de dólares no mercado americano - contra seu custo relativamente baixo de 30 milhões - "O voo" ainda conseguiu agradar à crítica e à Academia de Hollywood, que o brindou com duas indicações ao Oscar: roteiro original e ator - Denzel Washington em uma atuação bem mais contida do que o normal.

Afeito à personagens heroicas e/ou arrogantes, Washington se sai notavelmente bem em um papel que foge de sua zona de conforto. Whip Whitaker, o piloto de aviões alcóolatra e viciado em drogas que consegue milagrosamente evitar uma tragédia de grandes proporções e depois se vê acossado por seus superiores e pela própria consciência é uma das melhores personagens de sua carreira nos últimos anos, lhe proporcionando a chance de explorar nuances de seu talento até então escondidos sob uma camada de exarcebada autoestima. Poucas vezes o público viu Denzel tão frágil e inseguro e esse risco - talvez calculado, mas eficiente - é a maior qualidade do filme, que, mesmo mantendo o interesse da plateia até seu final, não consegue deixar de esbarrar em alguns clichês. Nada, porém, que atrapalhe o resultado final.

Dirigido com firmeza e sutileza por um Robert Zemeckis de volta à sua atenção às personagens e seus atores - qualidade que lhe rendeu um Oscar por "Forrest Gump" e que sempre ficou muito em evidência em seus trabalhos, mesmo os menos sérios - "O voo" é, na verdade, totalmente centrado na figura de Whitaker, um homem em constante luta contra seus fantasmas que, depois do desastre do avião que pilotava (mesmo calibrado de álcool e cocaína) vê suas certezas abaladas e tenta reencontrar seu caminho - e sente-se pressionado por uma investigação que pode dar fim à sua carreira. Zemeckis acerta em centrar a trama nas costas capazes de Washington, mas de certa forma isso acaba deixando de lado algumas possibilidades interessantes - como sua relação com a jovem viciada Nicole (Kelly Reilly), tratada de forma um tanto desajeitada pelo roteiro. Sem ter muito onde apoiar-se - até mesmo as cenas de tribunal soam apenas corretas e não empolgantes - resta ao ator (indicado ao Oscar, mas sem muitas chances de vitória) dar seu show particular, o que com certeza agrada a seus fãs e até mesmo a seus detratores, que podem ver aqui uma outra face.

"O voo" é um belo drama, dirigido com competência e estrelado por um ator em um grande momento. Pode não ser excepcional ou inesquecível, mas cumpre o que promete sem aborrecer ao espectador. Em tempos de obras ambiciosas e morosas como os louvados "Lincoln" e "Os miseráveis", isso não deixa de ser um alívio.

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AS AVENTURAS DE PI

Posted by Clenio on 16:54 in
Quando a mania de filmes em 3D tornou-se uma realidade - em especial depois do impressionante êxito comercial de "Avatar", de James Cameron - o público foi praticamente soterrado de produções de resultados sofríveis, que utilizavam a ferramenta apenas para ganhar mais dinheiro, em detrimento de qualquer preocupação com outros fatores que também fazem de ir ao cinema uma experiência única, como roteiro, atuações e até mesmo bom-senso. Dezenas de blockbusters erraram a mão em suas tentativas de conquistar os espectadores exigentes, concentrando-se mais nas bilheterias do que na qualidade de seus produtos. Se por um lado isso deixou bem claro que orçamentos milionários não bastam para transformar lixo cinematográfico em em bons filmes, também mostrou que, aliada ao talento de cineastas realmente criativos e inteligentes, a tecnologia pode muito bem agregar emoção e encanto ao resultado final de uma obra. Martin Scorsese fez isso com perfeição em "A invenção de Hugo Cabret" - que lhe deu a oportunidade de homenagear o cinema em seus primórdios. E agora Ang Lee também brinca com as possibilidades do formato com o belíssimo "As aventuras de Pi" - que pode lhe render um segundo Oscar de direção.

Baseado em um romance de Yann Martel - por sua vez inspirado no nacional "Max e os felinos", escrito por Moacyr Scliar - "As aventuras de Pi" é narrado de forma poética e lírica por Lee, um cineasta capaz de emocionar sem apelar para o sentimentalismo barato (que o digam as pessoas que saíram aos prantos das salas de exibição depois de "O segredo de Brokeback Mountain", por exemplo). Com pleno domínio da arte cinematográfica, o diretor oriundo de Taiwan seduz a plateia com um visual arrebatador - a fotografia é deslumbrante e pode abocanhar uma estatueta dourada - e uma técnica invejável, mas jamais perde o foco da história que quer contar. Por mais que o público fique extasiado com as cenas criadas por ele - com auxílio de CGI, naturalmente, mas de forma tão sutil que parece real - em momento algum a técnica sobrepõe-se à emoção. Assim como em "O tigre e o dragão" as coreografadas lutas nunca eclipsavam os relacionamentos interpessoais entre as personagens, em "As aventuras de Pi" tudo serve à história, sem nenhum tipo de gratuidade.

Apesar de ter sido vendido como "a hístória de um rapaz indiano que sobrevive a um naufrágio e fica perdido no mar dentro de um bote, contando apenas com um tigre-de-benagala como companhia", o filme de Ang Lee é bem mais do que isso. Basta dizer que o tal naufrágio que dá o empurrão inicial para tais aventuras só acontece depois de 40 minutos de projeção. Antes disso, o roteiro faz questão de não ter pressa em contar a infância e a adolescência de seu protagonista, Piscina ou simplesmente Pi (Suraj Sharma), um jovem que mora com a família, proprietária de um zoológico. Até que todos decidam abandonar seu país de origem e embarcar para o Canadá - todos em termos, já que o rapaz não tem a menor vontade de abandonar sua vida e seu grande amor - o cineasta conta sua história de forma tranquila e encantadora. Depois da reviravolta da trama - com o acidente com o navio e a morte de todos os seus tripulantes - a magia acontece. Primeiramente tendo que dividir seu bote com o tigre, um orangotango, uma zebra e uma hiena, Pi chega à conclusão que precisa aprender a conviver com os animais - e também testemunhar sua luta pela sobrevivência.

Mesmo que a sinopse pareça um tanto chata e sem muitos atrativos senão o visual espetacular, "As aventuras de Pi" surpreende principalmente por manter um ritmo admirável, que impede a plateia do tédio que poderia surgir. Narrada por Pi em sua maturidade para um jovem escritor, a trajetória do menino tornado homem pela experiência única chega a seu final com vastas possibilidades de emocionar o espectador, especialmente por tratá-lo com inteligência e sensibilidade. Fascinante e belo, é um dos poucos filmes indicados ao Oscar principal deste ano que realmente merece estar na lista final.

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Posted by Clenio on 23:03 in
Infelizmente o nosso "O palhaço" não foi escolhido para ser um dos finalistas ao Oscar 2013 de melhor filme estrangeiro. Se tivesse sido escolhido, porém, enfrentaria uma parada duríssima: não só seria tragado pelo devastador "Amor" - representante da Áustria e franco-favorito à estatueta - como ainda teria que disputar a atenção com outro produto latinoamericano, o chileno "No". Dirigido com economia e foco por Pablo Larraín e adaptado de uma peça teatral homônima escrita por Antonio Skarmeta (autor da obra que deu origem também ao cultuado "O carteiro e o poeta"), "No" faz parte do grupo de filmes com enfoque político que tomou a Academia este ano, como "Lincoln", "Argo" e "A hora mais escura", mas, ao contrário destes, foge do patriotismo exarcebado para contar a história dos bastidores de um dos mais importantes períodos da história recente do Chile.

A trama se passa em 1988, quando o General Ernesto Pinochet - depois de uma ditadura tão cruel quanto a que assolou o Brasil, com mortos, torturados e exilados ainda frescos na memória da população - promove um plebiscito que permitirá ao povo decidir se quer manter ou não sua permanência no poder. Para coordenar a campanha televisiva pelo NÃO, é chamado o jovem publicitário René Saavedra (Gael García Bernal), cujo pai sofreu nas mãos do governo ditatorial do general. Contando com um orçamento bem menos generoso e sofrendo com as ameaças - algumas veladas, outras nem tanto - do exército, o rapaz e seus colegas tentam convencer o povo, através de seus programas de 15 minutos diários, a mudar os destinos do país e encerrar uma época negra em sua história.

Utilizando raras imagens de arquivo, Larraín conta sua história sem apelar desnecessariamente para o exagero no tom político, agradando até mesmo àqueles que não são fãs do gênero. Principalmente por dar um tom leve a seu roteiro, ele prefere não enfatizar toda a violência do regime Pinochet, concentrando sua história na tentativa de René em fazer com que sua campanha saia vitoriosa - mesmo que isso ameace seu emprego, uma vez que seu chefe está no lado oposto da situação. É através dos olhos de René (em uma atuação competente de Gael) que o público enxerga os problemas do país, seus medos e sua esperança de uma vida menos sombria. É interessante também como Larraín dá voz - ainda que pequena - àqueles que preferiam a permanência do militar no poder, afinal, mesmo que todos saibam qual o resultado final do pleito, nem tudo foi tão unânime quanto deveria.

Mostrando um cinema chileno ainda pouco conhecido pelo grande público - o filme mais famoso do diretor é o perturbador "Tony Manero" - "No" é um representante bastante digno da América Latina na festa do próximo dia 24 de fevereiro.

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OS MISERÁVEIS

Posted by Clenio on 23:31 in
Em 2004, quando todo mundo acreditava que "O fantasma da ópera" repetiria nas telas de cinema o sucesso acachapante que fazia há anos nos palcos da Broadway e do mundo, veio Joel Schumacher com sua falta de talento para a missão e destruiu um dos maiores ícones musicais da história, escalando um elenco inadequado e deixando toda e qualquer criatividade de lado, transformando tudo num espetáculo aborrecido - ainda que plasticamente admirável. E não é que a mágica se repetiu? Não aprendendo com os erros do passado recente, Hollywood voltou à carga e conseguiu fazer da transposição de "Os miseráveis" - musical de Claude-Michel Schonberg baseado no romance de Victor Hugo - um dos filmes mais insuportavelmente chatos dos últimos anos. Dirigida (força de expressão) pelo péssimo Tom Hooper - comprovando a mediocridade com que acenava já em seu superestimado "O discurso do rei" - a adaptação comete tantos erros que fica díficil saber por onde começar.

Primeiro vem a questão que vem incomodando os estudiosos desde a estreia londrina da peça, em 1985: por que transformar um dos maiores e mais importantes clássicos da literatura mundial em musical? Diluindo a forte crítica social da obra de Victor Hugo, o espetáculo conquistou o público condensando o vasto trabalho de Hugo em números musicais que contavam - da forma alegórica e exagerada típica do formato - a trágica história de meia dúzia das inúmeras personagens do romance. Sendo assim, a doce Fantine perde o emprego, torna-se prostituta, vende até mesmo os cabelos e se vê afastada da filha pequena cantando. O injustiçado Jean Valjean é preso por roubar comida, sofre horrores na prisão e é perseguido pelo incansável Javert soltando o gogó. E os demais miseráveis que sofrem na pele as diferenças sociais da França do século XIX - sejam importantes ou meros figurantes - comentam seu sofrimento em forma de rimas.

Depois vem então o manancial de erros da versão cinematográfica capitaneada por Hooper - que talvez seja o primeiro e maior equívoco de todos, dada a sua perceptível incapacidade de dirigir um filme desse porte, com enquadramentos pobres e uma falta de ritmo que chega a irritar. Medíocre e sem personalidade, sua direção esbarra em um roteiro que não sabe o significado da palavra "adaptação", acreditando que ser fiel ao material original é o bastante para conquistar o público, sem importar-se com o fato óbvio de que existe uma imensa diferença de linguagem entre teatro e cinema que só consegue ser ultrapassada quando existe inteligência na equação - que o diga Rob Marshall, que fez de "Chicago" um belíssimo filme, que sobreviveria muito dignamente mesmo sem sua origem teatral. Sem a mesma sutileza e senso de ironia de Marshall - que por sua vez errou a mão em "Nine" mais por ambição do que por falta de talento - Hooper é apenas uma abelha-operária sem brilho que não consegue nem ao menos tirar proveito do elenco que tinha em mãos.

Que Hugh Jackman é um bom ator todo mundo sabe, mas que ele também canta e dança somente os espectadores da peça "The boy from Oz" sabiam por experiência própria - e aqueles que descobriram isso com sua atuação aqui talvez fiquem decepcionados. Mesmo que esteja dramaticamente apropriado na sua interpretação de Jean Valjean - o heroi da história - o eterno Wolverine se vê prejudicado por canções que não combinam com sua voz e timbre, o que resulta desastroso em alguns momentos. Anne Hatthaway até emociona em sua curta participação - em parte porque foi brindada com a canção mais conhecida da obra, "I dreamed a dream", em parte porque realmente é boa atriz e consegue se desvencilhar das limitações de uma direção morna. Mas é Russell Crowe quem decepciona mais. De tipo físico apropriado a Javert - policial que persegue Valjean de forma obsessiva por anos e anos - o ator neozelandês faria misérias em uma adaptação convencional, mas quando começa a cantar é de um constrangimento inominável. Até mesmo sua cena final tem o impacto anulado tamanha sua falta de jeito para o que lhe é exigido.

Por outro lado, não podemos deixar de falar das flores. Toda a parte técnica de "Os miseráveis" é de primeira linha - como não poderia deixar de ser em uma produção de seu porte. A fotografia, a direção de arte e o figurino são lindos (talvez até demais para um filme que fala sobre miséria social). E, bem ou mal, Jackman e Anne Hathway mereceram suas indicações ao Oscar, até mesmo por superarem a qualidade discutível do filme em si. Mas conseguir chegar até o final da longa projeção sem dar uns bons bocejos ou fazer uma pausa para um cochilo é façanha de heroi. "Os miseráveis" é de chorar, mas não pelos motivos certos.

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