INDOMÁVEL SONHADORA
Para se ter ideia do drama, basta dizer que a protagonista, Hushpuppy (Quvenzhané Wallis) é uma menina de seis anos de idade, órfã de mãe, que vive com seu pai em uma espécie de comunidade isolada da cidade grande graças a uma represa que as divide. Vivendo no meio da miséria, ela sofre com uma criação bastante rude de seu progenitor, que alega a estar preparando para a vida adulta. Enquanto vive sua rotina, a garotinha filosofa (em off, de forma que muitos acham lindo, mas que na verdade soa bastante patético) sobre a vida, sobre a família e sobre tudo que vê pela frente. Convivendo com os animais à sua volta, ela também faz parte de um grupo de pessoas que vê em sua localidade uma espécie de paraíso intocado, a despeito de suas condições insalubres de vida e sua pobreza generalizada. Vendo poesia onde não tem - o lugar, conhecido como Banheira, é praticamente uma favela piorada - o pessoal da comunidade sofre um abalo quando uma tempestade altera seu dia-a-dia. É quando os bandidos da história - gente que vem tirá-los dali com o objetivo de ajudá-los e dar-lhes melhores condições - entram em cena e Hushpuppy trava conhecimento com uma espécie de animal pré-historico liberado pela tormenta.
Sim, é isso mesmo que você leu. Não bastasse a duvidosa teoria de que qualquer grupo de maior nível social não passa de colonizador e de que a pobreza tem sua poesia e suas vantagens, "Indomável sonhadora" ainda consegue piorar seu discurso incluindo no roteiro uma pretensa poesia fabular sem sentido e absolutamente desconexa. Se já não era o suficiente até então a babaquice dos monólogos internos de sua protagonista, o roteiro surge com metáforas batidas que servem apenas para enganar os espectadores que consideram emocionante qualquer baboseira que envolve crianças sofredoras. As bestas do título original não assustam nem encantam, são simplesmente artifícios sem o menor fundamento. E nem é preciso dizer que, seguindo a cartilha do "vamos fazer essa galera chorar" o roteiro ainda inclui cenas pretensamente emocionantes que envolvem doenças fatais e confrontos dramáticos que não dizem a que vieram.
E, podem me crucificar, boa parte dessa falha em emocionar nas cenas dramáticas é responsabilidade daquela que vem sendo louvada como a maior qualidade do filme. Aos nove anos de idade, Quvenzhané Wallis é a mais jovem indicada ao Oscar de melhor atriz da história, mas é surpreendente como até mesmo os mais experientes especialistas em cinema não conseguem perceber que sua atuação foi totalmente forjada nas salas de edição. É perceptível que a garotinha não é capaz de manter um arco coerente de interpretação, e que provavelmente nem tinha noção do que estava fazendo à época das filmagens (quando tinha apenas cinco anos). Tudo bem que não se pode pedir maturidade artística a alguém com tão pouco tempo de vida, mas chega a ser ultrajante colocá-la a disputar um Oscar com uma atriz do porte de Emmanuelle Riva, uma artista com total domínio de sua técnica e emoção. A indicação de Wallis é mais um gesto injusto de diplomacia dos membros da Academia junto às produções independentes do que reconhecimento real de um desempenho. E qualquer espectador de posse de suas faculdades mentais nota que a jovem estrela de "Indomável sonhadora" está sendo badalada por coisa nenhuma.
Resumo da ópera: "Indomável sonhadora" provavelmente vai agradar àqueles que se deixam encantar por produções com o rótulo "filmes edificantes". Aqueles que são imunes a farsas engendradas pelas máquinas da mídia alternativa, porém, sairão da sessão com o sentimento de tempo perdido. Escolha um lado.