O MESTRE
Vivido por um sensacional Joaquin Phoenix na única atuação masculina do ano capaz de tirar o Oscar das mãos de Daniel Day-Lewis, o veterano da Marinha americana Freddie Quell é uma das mais fortes personagens criadas por Paul Thomas Anderson - e isso que estamos falando do homem por trás de crias antológicas como Dirk Diggler e Jack Horner, de "Boogie nights", Frank McKey, de "Magnólia" e Daniel Plainview, de "Sangue negro" (este último criado pelo romancista Upton Sinclair mas adequado perfeitamente à obra do cineasta). Sofrendo de um alcoolismo crônico oriundo de seu stress pós-guerra e incapaz de manter-se em qualquer emprego - além de ter sérios problemas de relacionamento com as pessoas que o rodeiam - ele acaba, em uma de suas crises, invadindo o iate de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), criador e líder de um culto chamado A Causa. Percebendo em Freddie uma alma presa a questões traumáticas de seu passado, Dodd também vê no jovem um grande potencial e o aceita junto a seu grupo e sua família. O comportamento errático e violento de Freddie, porém, vai entrar em rota de colisão com as regras e ensinamentos de Dodd, que se vê pressionado a tomar uma séria decisão entre manter ou não o rapaz junto dele.
"O mestre" é o típico filme que é muito melhor quando assistido do que quando resumido em palavras. Apesar da história ser interessante por si só, são as imagens cuidadosamente planejadas de Paul Thomas Anderson e a atuação de seus magníficos atores que dão a ele seu status de grande obra. Mesmo que o ritmo por vezes seja claudicante - e exija um nível de paciência extra de seus espectadores - a narrativa de Anderson é instigante o suficiente para prender a atenção, em especial porque, assim como em seus trabalhos anteriores, o roteiro nunca escorrega para o previsível, tanto em termos visuais quanto em níveis de história. Como poucos cineastas de seu tempo, Paul Thomas Anderson tem o dom de mexer em feridas adormecidas de suas personagens, que sofrem para atingir uma redenção que nem sempre existe, e o faz com maestria admirável. Em "O mestre", enquanto questiona a possibilidade das pessoas em ser donas da própria vida (sem depender de muletas de quaisquer tipos, incluindo aí e principalmente a religião) ele brinda o público com interpretações esplêndidas de seu elenco - outra característica marcante de sua filmografia.
É simplesmente hipnotizante, por exemplo, a cena em que Lancaster Dodd tem seu primeiro embate psicológico com Freddie Quell, com uma espécie de interrogatório que leva a uma catarse emocional empolgante: só por essa cena Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman já poderiam sair da cerimônia do próximo domingo com suas estatuetas douradas debaixo do braço. O mesmo pode ser dito da sequência em que os métodos e o culto de Dodd são questionados pelo convidado de uma festa - cena que tem consequências aterradoras que certamente justificam a má-vontade com que os cientologistas receberam o filme nos EUA. É essencial dizer, no entanto, que "O mestre" não é um filme sobre a cientologia e nem tampouco critica qualquer espécie de grupo religioso. O filme - que poderia tranquilamente figurar entre os finalistas ao Oscar principal - é mais um impactante estudo psicológico de Paul Thomas Anderson, caminhando para se tornar um dos maiores cineastas americanos em atividade.