0
OS MISERÁVEIS
Posted by Clenio
on
23:31
in
CINEMA 2013
Em 2004, quando todo mundo acreditava que "O fantasma da ópera" repetiria nas telas de cinema o sucesso acachapante que fazia há anos nos palcos da Broadway e do mundo, veio Joel Schumacher com sua falta de talento para a missão e destruiu um dos maiores ícones musicais da história, escalando um elenco inadequado e deixando toda e qualquer criatividade de lado, transformando tudo num espetáculo aborrecido - ainda que plasticamente admirável. E não é que a mágica se repetiu? Não aprendendo com os erros do passado recente, Hollywood voltou à carga e conseguiu fazer da transposição de "Os miseráveis" - musical de Claude-Michel Schonberg baseado no romance de Victor Hugo - um dos filmes mais insuportavelmente chatos dos últimos anos. Dirigida (força de expressão) pelo péssimo Tom Hooper - comprovando a mediocridade com que acenava já em seu superestimado "O discurso do rei" - a adaptação comete tantos erros que fica díficil saber por onde começar.
Primeiro vem a questão que vem incomodando os estudiosos desde a estreia londrina da peça, em 1985: por que transformar um dos maiores e mais importantes clássicos da literatura mundial em musical? Diluindo a forte crítica social da obra de Victor Hugo, o espetáculo conquistou o público condensando o vasto trabalho de Hugo em números musicais que contavam - da forma alegórica e exagerada típica do formato - a trágica história de meia dúzia das inúmeras personagens do romance. Sendo assim, a doce Fantine perde o emprego, torna-se prostituta, vende até mesmo os cabelos e se vê afastada da filha pequena cantando. O injustiçado Jean Valjean é preso por roubar comida, sofre horrores na prisão e é perseguido pelo incansável Javert soltando o gogó. E os demais miseráveis que sofrem na pele as diferenças sociais da França do século XIX - sejam importantes ou meros figurantes - comentam seu sofrimento em forma de rimas.
Depois vem então o manancial de erros da versão cinematográfica capitaneada por Hooper - que talvez seja o primeiro e maior equívoco de todos, dada a sua perceptível incapacidade de dirigir um filme desse porte, com enquadramentos pobres e uma falta de ritmo que chega a irritar. Medíocre e sem personalidade, sua direção esbarra em um roteiro que não sabe o significado da palavra "adaptação", acreditando que ser fiel ao material original é o bastante para conquistar o público, sem importar-se com o fato óbvio de que existe uma imensa diferença de linguagem entre teatro e cinema que só consegue ser ultrapassada quando existe inteligência na equação - que o diga Rob Marshall, que fez de "Chicago" um belíssimo filme, que sobreviveria muito dignamente mesmo sem sua origem teatral. Sem a mesma sutileza e senso de ironia de Marshall - que por sua vez errou a mão em "Nine" mais por ambição do que por falta de talento - Hooper é apenas uma abelha-operária sem brilho que não consegue nem ao menos tirar proveito do elenco que tinha em mãos.
Que Hugh Jackman é um bom ator todo mundo sabe, mas que ele também canta e dança somente os espectadores da peça "The boy from Oz" sabiam por experiência própria - e aqueles que descobriram isso com sua atuação aqui talvez fiquem decepcionados. Mesmo que esteja dramaticamente apropriado na sua interpretação de Jean Valjean - o heroi da história - o eterno Wolverine se vê prejudicado por canções que não combinam com sua voz e timbre, o que resulta desastroso em alguns momentos. Anne Hatthaway até emociona em sua curta participação - em parte porque foi brindada com a canção mais conhecida da obra, "I dreamed a dream", em parte porque realmente é boa atriz e consegue se desvencilhar das limitações de uma direção morna. Mas é Russell Crowe quem decepciona mais. De tipo físico apropriado a Javert - policial que persegue Valjean de forma obsessiva por anos e anos - o ator neozelandês faria misérias em uma adaptação convencional, mas quando começa a cantar é de um constrangimento inominável. Até mesmo sua cena final tem o impacto anulado tamanha sua falta de jeito para o que lhe é exigido.
Por outro lado, não podemos deixar de falar das flores. Toda a parte técnica de "Os miseráveis" é de primeira linha - como não poderia deixar de ser em uma produção de seu porte. A fotografia, a direção de arte e o figurino são lindos (talvez até demais para um filme que fala sobre miséria social). E, bem ou mal, Jackman e Anne Hathway mereceram suas indicações ao Oscar, até mesmo por superarem a qualidade discutível do filme em si. Mas conseguir chegar até o final da longa projeção sem dar uns bons bocejos ou fazer uma pausa para um cochilo é façanha de heroi. "Os miseráveis" é de chorar, mas não pelos motivos certos.
Primeiro vem a questão que vem incomodando os estudiosos desde a estreia londrina da peça, em 1985: por que transformar um dos maiores e mais importantes clássicos da literatura mundial em musical? Diluindo a forte crítica social da obra de Victor Hugo, o espetáculo conquistou o público condensando o vasto trabalho de Hugo em números musicais que contavam - da forma alegórica e exagerada típica do formato - a trágica história de meia dúzia das inúmeras personagens do romance. Sendo assim, a doce Fantine perde o emprego, torna-se prostituta, vende até mesmo os cabelos e se vê afastada da filha pequena cantando. O injustiçado Jean Valjean é preso por roubar comida, sofre horrores na prisão e é perseguido pelo incansável Javert soltando o gogó. E os demais miseráveis que sofrem na pele as diferenças sociais da França do século XIX - sejam importantes ou meros figurantes - comentam seu sofrimento em forma de rimas.
Depois vem então o manancial de erros da versão cinematográfica capitaneada por Hooper - que talvez seja o primeiro e maior equívoco de todos, dada a sua perceptível incapacidade de dirigir um filme desse porte, com enquadramentos pobres e uma falta de ritmo que chega a irritar. Medíocre e sem personalidade, sua direção esbarra em um roteiro que não sabe o significado da palavra "adaptação", acreditando que ser fiel ao material original é o bastante para conquistar o público, sem importar-se com o fato óbvio de que existe uma imensa diferença de linguagem entre teatro e cinema que só consegue ser ultrapassada quando existe inteligência na equação - que o diga Rob Marshall, que fez de "Chicago" um belíssimo filme, que sobreviveria muito dignamente mesmo sem sua origem teatral. Sem a mesma sutileza e senso de ironia de Marshall - que por sua vez errou a mão em "Nine" mais por ambição do que por falta de talento - Hooper é apenas uma abelha-operária sem brilho que não consegue nem ao menos tirar proveito do elenco que tinha em mãos.
Que Hugh Jackman é um bom ator todo mundo sabe, mas que ele também canta e dança somente os espectadores da peça "The boy from Oz" sabiam por experiência própria - e aqueles que descobriram isso com sua atuação aqui talvez fiquem decepcionados. Mesmo que esteja dramaticamente apropriado na sua interpretação de Jean Valjean - o heroi da história - o eterno Wolverine se vê prejudicado por canções que não combinam com sua voz e timbre, o que resulta desastroso em alguns momentos. Anne Hatthaway até emociona em sua curta participação - em parte porque foi brindada com a canção mais conhecida da obra, "I dreamed a dream", em parte porque realmente é boa atriz e consegue se desvencilhar das limitações de uma direção morna. Mas é Russell Crowe quem decepciona mais. De tipo físico apropriado a Javert - policial que persegue Valjean de forma obsessiva por anos e anos - o ator neozelandês faria misérias em uma adaptação convencional, mas quando começa a cantar é de um constrangimento inominável. Até mesmo sua cena final tem o impacto anulado tamanha sua falta de jeito para o que lhe é exigido.
Por outro lado, não podemos deixar de falar das flores. Toda a parte técnica de "Os miseráveis" é de primeira linha - como não poderia deixar de ser em uma produção de seu porte. A fotografia, a direção de arte e o figurino são lindos (talvez até demais para um filme que fala sobre miséria social). E, bem ou mal, Jackman e Anne Hathway mereceram suas indicações ao Oscar, até mesmo por superarem a qualidade discutível do filme em si. Mas conseguir chegar até o final da longa projeção sem dar uns bons bocejos ou fazer uma pausa para um cochilo é façanha de heroi. "Os miseráveis" é de chorar, mas não pelos motivos certos.