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NÃO ME ABANDONE JAMAIS

Posted by Clenio on 00:28 in
Misturar em um único filme uma dolorosa história de amor e uma ficção científica distópica sem confundir o espectador e, de quebra encantá-lo com a atuação de seu elenco não é trabalho dos mais fáceis. E não deixa de ser surpreendente que justo um cineasta como Mark Romanek - autor do subapreciado "Retratos de uma obsessão", suspense psicológico estrelado por Robin Williams em 2002 e que era seu único longa até aqui - tenha conseguido transformar o romance "Não me abandone jamais" em um belo filme que foi despropositadamente esquecido nas cerimônias de premiação de 2010. Diretor de alguns dos mais belos videoclipes da música pop americana - entre eles "Rain", de Madonna e "Strange curriences", do REM - Romanek foi inteligente o suficiente para deixar que a trama falasse mais do que sua tendência a criar imagens poderosas. O resultado é um drama adulto que emociona e faz pensar ao mesmo tempo em que propicia a seus jovens atores a chance de interpretações antológicas.

Autor do livro que deu origem ao filme "Vestígios do dia", estrelado por Anthony Hopkins e Emma Thompson, Kazuo Ishiguro tem uma prosa lenta e detalhista que provavelmente dificultou o trabalho do roteirista Alex Garland - que trabalhou com o cineasta Danny Boyle em duas ocasiões ("A praia" e "Extermínio") - em contar a história sem perder-se em elocubrações psicológicas mais densas do que um produto cinematográfico exige. A trama se passa em três tempos distintos, mas, para alegria daqueles que gostam de uma narrativa linear e não repleta de idas e voltas, eles são bem divididos e explicitados por letreiros explicativos. Tudo começa quando a narradora, Kathy (Carey Mulligan) ainda é uma pré-adolescente, assim como seus dois melhores amigos, Ruth (Keira Knightley) e Tommy (Andrew Garfield), um menino dado a ataques de fúria por quem ela nutre uma avassaladora paixão juvenil. Os três são alunos de uma tradicional escola inglesa que tem como único objetivo educar crianças que, ao atingirem determinada idade, doarão seus órgãos vitais para clientes ricos. Alguns anos mais tarde os amigos voltam a encontrar-se, quando Tommy e Ruth estão vivendo um romance enquanto aguardam a hora em que serão obrigados a cumprir seus destinos. O ato final acontece quase uma década depois: trabalhando como "cuidadora" (tomando conta dos doadores que já passaram por mais de uma cirurgia), Kathy reencontra Ruth à beira da morte e, ao saber que Tommy também está em vias de passar por sua terceira doação, resolve lutar por seu amor ao descobrir uma brecha no sistema de doações.

A delicadeza com que Romanek trata da história de amor entre Kathy e Tommy é a maior qualidade de "Não me abandone jamais", que evita de entrar no melodrama barato que outro cineasta menos hábil poderia escolher para trilhar. A trilha sonora discreta de Rachel Portman colabora para o clima melancólico da história narrada, pontuando cenas de uma beleza ímpar, tanto visual quanto emocionalmente. A discussão ético/filosófica sobre a doação de órgãos, apesar de não tornar-se o centro da narrativa é forte o suficiente para martelar na mente do público mesmo após os créditos finais, que certamente convidam os mais sensíveis às lágrimas. Mas nada no filme é melhor do que seu elenco, em especial a dupla Carey Mulligan/Andrew Garfield.

Se Keira Knightley não faz nada além do que já estamos acostumados a ver - ou seja, não ajuda nem atrapalha - seus colegas de cena não são nunca menos do que espetaculares. A pequena Isobel Meikle-Small faz um trabalho excelente como a jovem Kathy e é uma bela introdução à introspectiva atuação de Carey Mulligan, demonstrando ser uma atriz com um futuro brilhante, ao equilibrar com maturidade todos os sentimentos contraditórios de sua personagem. E Andrew Garfield está fenomenal como Tommy, o sensível pivô de um triângulo amoroso triste e fadado à infelicidade. Seus ataques de fúria, seus momentos de galã romântico e até mesmo sua delicadeza física são interpretados com uma entrega tão grande que o torna irresistível à plateia. Totalmente diferente de seu Eduardo Saverin de "A rede social", Garfield cala a boca de todos aqueles ainda incrédulos em seu talento para encarnar o novo Homem-aranha. É, sem dúvida, mais uma omissão imperdoável da Academia.

Aliás, a Academia foi absolutamente obtusa em ignorar o filme de Mark Romanek, que merecia, no mínimo, lembrança para seus protagonistas e seu belo roteiro - isso sem falar na trilha sonora e na fotografia discreta mas eficaz de Adam Kimmell. Mas a solução é deixar de lado as injustiças do Oscar e se extasiar com um dos melhores filmes do ano passado. "Não me abandone jamais" é uma grata surpresa!

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5 Comments


Teu texto mostra, verdadeiramente, TUDO o que penso sobre o filme.

Mais um belo texto, analítico e sensível sobre esse filme tão denso e tão triste que me deixou arrasado.

É dolorido, mas faz pensar sobre como a vida é efêmera, como tudo deve ser aproveitado intensamente. E o tempo corre e nem vemos: a vida se perde se não amarmos mais, se não aproveitarmos mesmo cada segundo dela.

O elenco é um máximo, e é triste observar a ‘impotência’ de seus personagens que nada fazem pra mudar a condição, diante da morte que virá…

Ps: a cena do carro com Tommy e Kathy me deixou sem palavras…

E é um absurdo mesmo ele sequer ter sido lembrado no Oscar. Ainda mais que, convenhamos, Carey e Garfield estão excepcionais, e temos uma Keira expressiva, triste também. Ao meu ver, merecia indicações pra Carey e Garfield; trilha sonora; fotografia e direção…e filme, por que não? Se o chatinho do Inverno da Alma obteve, por que este não?

beijo


Nem preciso falar que estou com muuuuuita vontade de ver, né?


Belíssimo e triste demais. Nos faz pensar na nossa própria vida e nas escolhas que fazemos todos os dias, ao ver aqueles personagens tão jovens enxergarem uma perspectiva de vida e de amar mesmo sabendo que o tempo não os favorecerá.


Eu vi o trailer e me interessou muito, Ainda preciso conferir. Triste não? Rs!

Abs.
RODRIGO


Eu achei o argumento do filme um pouco frágil.
Não faz sentido (na minha opinião, claro) uma pessoa como o Tommy, sabendo do propósito de sua vida e de quão curta ela seria, passar todos os bons anos de sua existência ao lado de alguém que não amava, sabendo do seu amor verdadeiro por uma mulher que, não apenas correspondia, mas também estava inteiramente acessível.

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