REENCONTRANDO A FELICIDADE
Menos deformada pelo botox - que estava destruindo a beleza clássica e delicada que amealhou paixões do público em filmes como "Moulin Rouge" - ela entrega um das atuações mais viscerais de sua carreira. No filme, adaptado por David Lindsay-Abare de sua própria peça de teatro, ela vive Becca, uma mulher torturada pela perda do filho de 4 anos de idade, morto oito meses antes. Sem saber como lidar com a tragédia, ela se recusa a compartilhar sua dor com um grupo de pais na mesma situação, o que acaba a afastando do marido, Howard (Aaron Eckhart), que, por sua vez, também precisa suportar a dor de ter perdido o único filho. Cada um à sua maneira, o casal encontra subterfúgios para sobreviver: ela inicia uma série de encontros com Jason (Miles Teller), o rapaz que atropelou seu filho e ele começa um relacionamento de profunda amizade com Gaby (Sandra Oh), integrante do grupo de apoio a que o casal pertence.
Diretor do subversivo "Hedwig" e do polêmico "Shortbus" - que usavam e abusavam, de maneira quase anárquica, da sexualidade como forma de prazer e rebeldia - John Cameron Mitchell está surpreendentemente comportado em "Reencontrando a felicidade", o que apenas comprova sua versatilidade e maturidade. Sem apelar para a lágrima fácil ou cenas feitas com o único objetivo de emocionar a plateia, ele confia plenamente no talento de seus atores e na força do texto - cortesia de sua origem teatral. Não há, aqui, nenhum resquício de seu estilo espalhafatoso ou controverso, o que dá espaço a uma melancolia que soa real e absolutamente humana. Até mesmo o ritmo vagaroso da primeira meia-hora de projeção difere da edição ágil de seus trabalhos anteriores, como se, sendo delicado e discreto, ele respeitasse a dor do casal de protagonistas. A trilha sonora também pontua com correção o desenvolvimento da história, nunca opulenta ou exagerada, mas explodindo sempre que necessário, assim como a interpretação de Kidman.
Ainda que esteja atuando ao lado de Aaron Eckhart - que merece o devido reconhecimento a seu talento ainda pouco explorado - e da veterana Dianne Wiest (em poucas mas marcantes cenas), é Kidman quem realmente comanda o show em "Reencontrando a felicidade". Seus silêncios dolorosos e suas explosões desequilibradas - em especial na cena em um supermercado que termina em uma catarse física - são vividos com um perfeito misto de introspecção e desespero. Suas conversas com o surpreendente Miles Teller - que estará na refilmagem de "Footloose" - são recheadas de uma tristeza profunda e é impossível não ficar impressionado com a maneira com que ela conduz a complexidade de sua personagem. Que essa nova fase de sua carreira seja duradoura....
Enfim, "Reencontrando a felicidade" é um filme triste, inadequado para quem procura diversão pura e simples em uma sala de cinema. Mas é uma opção interessantíssima para quem gosta de interpretações fortes e uma trama consistente.
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