Em uma cena do musical "Nine", a figurinista Lili (vivida pela sempre competente Judi Dench) descreve a função de diretor de cinema como a de alguém que só precisa dizer "sim" ou "não". Pode parecer simplista, mas de uma certa forma é justamente essa a impressão que fica quando os créditos de encerramento do filme surgem, depois de quase duas horas de projeção. Afinal de contas, quase dá pra imaginar Rob Marshall (que comandou o excepcional "Chicago") tomando suas decisões quando escolheu seu projeto: "sim" para um cuidado enorme com o visual, "sim" para um elenco repleto de vencedores do Oscar; "sim" para referências a Fellini (cujo filme "8 1/2" inspirou este aqui) e "sim" para uma parte técnica impecável. Mas provavelmente ele disse "não" para muitos fatores importantes, também. "Não" para um roteiro consistente, "não" para um ator principal carismático; "não" para sutilezas; "não" para senso de humor. Do jeito que chegou às telas, "Nine" tenta ser um novo "Chicago", mas erra o alvo por uma distância de várias canções.
Não que "Nine" seja ruim, pelo contrário. Nota-se de longe a preocupação em proporcionar ao público um espetáculo bem cuidado, de classe, adulto. De longe percebe-se o bom gosto visual de Marshall (a fotografia de Dion Beebe é irretocável, em especial nos números musicais) e a sua vontade em ser um novo Bob Fosse (cujo filme "All that jazz, o show deve continuar" também é inspiração aqui). No entanto, ao cuidar tanto do exterior de seu trabalho, ele parece ter esquecido de seu conteúdo: mesmo que tente timidamente buscar no passado de seu protagonista os motivos que o levam a ser tão egocentrado - a mãe superprotetora, a culpa católica, o assédio da carne e tudo que faria um especialista em Freud se deliciar - o roteiro, baseado em um musical da Broadway, poucas vezes chega a empolgar, e quando o faz é graças à atuação superlativa da francesa Marion Cottilard, que comprova que seu Oscar por "Piaf" não foi um lapso da Academia.
Pra quem ainda não sabe, "Nine" conta a história de Guido Contini (um Daniel Day-Lewis antipático como sempre), um cineasta em declínio que, às vésperas de iniciar uma nova filmagem passa a sofrer de bloqueio criativo. Enquanto tenta encontrar uma ideia para seu novo trabalho, ele se divide entre a esposa Luisa (Cottilard, dona de dois números musicais bastante interessantes) e a amante Carla (Penelope Cruz em ótimo momento na carreira e indicada ao Oscar de coadjuvante). À sua volta, outras mulheres também chamam a sua atenção: sua figurinista Lili (Dench), uma jovem jornalista da revista Vogue, Stephanie (Kate Hudson) e sua musa Carla (Nicole Kidman, belíssima novamente, em uma pequena mas importante participação). Como se não bastasse ainda está viva dentro deles a memória de sua mãe (Sophia Loren) e de Saraghina (a cantora Fergie), uma prostituta que povoou seus lúbricos sonhos infantis.
O maior problema em "Nine" é que ele simplesmente não cativa sua plateia. Ao contrário de "Chicago", que se valia de ironia e um senso de humor sofisticado e inteligente, aqui a impressão que se tem é que Marshall apostou unicamente em seus maiores trunfos explícitos (o elenco, o visual e seu know-how de diretor de um musical bem-sucedido) e relegou a segundo plano muitos dos elementos que fizeram o sucesso de sua premiada estreia como cineasta. Até mesmo a edição - um dos pontos fortes de "Chicago" - sofre bastante em "Nine", já que as coreografias elaboradas são cortadas sem dó nem piedade sem um resultado positivo.
Muita coisa pode ser louvada - e deve ser - em "Nine": a fotografia, a direção de arte, o figurino estão acima de qualquer crítica. O elenco feminino faz milagres com as personagens sem muita substância que lhe foram entregues - em sátiras isso funciona, mas aqui é tudo levado a sério demais - e nem mesmo Fergie (enfeiada para o papel) compromete. Mas para o que prometia ser O filme do Oscar 2010 fica aquela sensação de decepção e quase constrangimento.
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRAILERS VISTOS
CAÇADOR DE RECOMPENSAS - Jennifer Aniston? Sim. Gerard Butler? Siiiiiiiiiiiiiiim. Comédia romântica? Ótimo. Mas bem que a história poderia ser um pouco mais elaborada, não é não?
PRECIOSA - Impressionantes Gabourey Sibbide e Mu'nique. Clima decadente, depressão só nos poucos minutos de trailer. Soa a imperdível. Oscar à vista para suas atrizes?
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS - Visual de cair o queixo, como é normal nas obras de Tim Burton. Mas precisava mesmo dar tanto destaque a Johnny Depp????
ULM OLHAR DO PARAÍSO - Acho bom que estreie logo, porque o trailer já está cansando...
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