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UR
Noites bêbadas me fazem lembrar de você - como se lembrar de você não fosse a maior constância de meus dias erráticos. E enquanto minhas pernas procuram as suas no nada de uma cama a cada dia maior, tento definir você dentro de mim. O que você é, afinal?
Você é este vazio que me aprisiona. Você é meu samba de uma nota só. Você é um filme sueco em preto e branco e sem legendas que eu tento entender. Você é o calor das minhas noites frias e a brisa dos meus dias desérticos. Você é a fome insaciável, a sede imortal, um sonho doce e breve, um pesadelo claustrofóbico interminável. Você é a lágrima amarga que morre no meu travesseiro noite após noite.
Você é o corpo que não encontro ao meu lado quando acordo. A boca que não beijo nos momentos de carência. Você é um mistério que ninguém consegue desvendar. Você é uma doença incurável da qual eu no fundo não desejo me livrar. Você é um sorriso preso na minha memória seletiva. Você é a força que me destrói e a fraqueza que me sustenta.
Você é a minha vida - incompleta, inútil, vazia, mas persistente. Você é a música que toca nos momentos mais inoportunos. Você é a voz que eu quero escutar pra sempre - mas que só ouço nos meus sonhos mais delirantes. Você é o porre que me alegra por algumas horas e me corrói de ressaca por outras tantas. Você é o melhor beijo que já tive. Você é a presença gigantesca que diminui todas as outras. Você é meu ar - poluído, às vezes, mas sem o qual eu não conseguiria viver.
Não, você não me faz mal. Você é parte de mim, uma parte que, extirpada me faria morrer lentamente. Uma parte que me sustenta, me fere, me incentiva, me instiga, me eleva e me rebaixa. Uma parte vital, sem a qual nada mais importa. É isso que você é!