IDAS E VINDAS DO AMOR
Em 1990, o cineasta Garry Marshall transformou uma prostituta em Cinderela e alçou Julia Roberts ao status de mega-estrela com o filme "Uma linda mulher". E Roberts, hoje a atriz mais bem paga do planeta Hollywood, devolve o favor a Marshall, aparecendo em poucos minutos em seu filme mais recente, a comédia romântica "Idas e vindas do amor" ("Valentine's day" no original, em mais uma prova da criatividade das distribuidoras brasileiras em estragar títulos alheios). Seguindo a linha de filmes como "Nova York, te amo" e "Ele não está tão a fim de você", o filme acompanha cerca de meia dúzia de histórias de amor (nenhuma delas muito profunda, como convém ao gênero) que acontecem no Dia dos Namorados americano (14 de fevereiro). Analisando como diversão, o filme é uma delícia: um elenco de astros fotogênicos, cenários ensolarados, alguns diálogos bastante engraçados e um romantismo desbragado apropriado à data de seu lançamento nos EUA. Friamente, no entanto, "Idas e vindas do amor" é tão, mas tão doce e bonitinho que chega a incomodar àqueles que, como este que vos escreve, anda numa fase de descrença no amor e seus afins.
Senão, vejamos: Anne Hathaway é uma jovem que faz bicos como atendente de tele-sexo e esconde esse pequeno segredo do namorado recente, vivido por Topher Grace, que vai receber conselhos de um desconhecido sábio (vivido pelo habitué dos filmes de Marshall, Hector Elizondo), que acaba de descobrir um caso antigo da esposa (Shirley MacLaine). Jennifer Garner é uma professora do primário que nem desconfia que o namorado médico (Patrick Dempsey) é casado e não acredita no fato nem quando seu melhor amigo (Ashton Kutscher) o revela depois de ter sido rejeitado pela namorada e quase noiva (Jessica Alba). Jamie Foxx é um repórter esportivo que tem a missão de realizar uma matéria sobre o Dia dos Namorados e cai de amores pela agente solteirona (Jessica Biel, se dá pra acreditar) de um jogador em vias de se aposentar. Enquanto isso, um casal de adolescentes prepara sua primeira noite de amor, um menino de oito anos tenta se declarar à sua amada (ecos de "Simplesmente amor"?) e uma capitã militar (Julia Roberts em pessoa) conhece um simpático solteiro (Bradley Cooper) durante uma viagem de avião.
Sendo honesto, o roteiro de "Idas e vindas" é divertido, passa rápido (ainda que pudesse ser um pouco mais curto) e cumpre sua função de arrecadar muito dinheiro (já rendeu mais de 60 milhões de dólares em pouco mais de uma semana em exibição) e divertir sua audiência. Mas sua visão de mundo é tão colorida e leve que sua credibilidade fica seriamente abalada. Tudo bem que ninguém entra em um filme chamado "Idas e vindas do amor" - cujo cartaz tem um coração enorme e tem Julia Roberts e Ashton Kutscher no elenco - esperando sérias elocubrações sobre sentimentos de perda, dor, solidão e carência. Mas para aqueles que, como este modesto escriba, estão em uma fase de descrença absoluta em finais felizes, chega a ser chocante assistir cenas que elevam o amor romântico à esfera que o filme eleva. Não desperta nem lágrimas, porque falar de amor eterno a quem não acredita nem mesmo em paixões de fim-de-semana equivale a narrar histórias de saci-pererê a um islandês que morou a vida toda em um iglu.
Se você está apaixonado e/ou acredita no amor acima de tudo, corra para assistir. Se, como eu, anda num estado de recalque absoluto, passe longe. É preferível assistir ao BBB, onde ninguém gosta de ninguém, o que soa bem mais real.